Numéro courant
Organizadores: Prof. Dr. Alex Fabiano Correia Jardim/Unimontes
Prof. Dr. Elton Luiz Leite de Souza/UNIRIO
A relação entre filosofia e literatura são conhecidas historicamente. Citando a tradição grega, podemos lembrar da presença de temas de Homero em Platão, não obstante sua abordagem negativa acerca da criação poética e da mímesis. Os próprios “diálogos socráticos” eram inicialmente um gênero literário mais geral, gênero incorporado e adaptado por Platão para fins filosóficos.
Mais recentemente, poderíamos ainda citar a afirmação de Deleuze segundo a qual o filósofo cria personagens conceituais para definir seus conceitos, personagens esses tomados de empréstimo de um procedimento análogo na literatura. Ou seja, para ser plenamente compreendido, compreendido de maneira não apenas teórica, um conceito filosófico requer mais do que a definição lógica: o conceito requer que um personagem o explique vivendo-o (tal como o personagem conceitual-Sócrates que define-explica o conceito de Bem praticando-o, sendo do Bem a boca , os pernas e braços).
Teríamos vários exemplos que ilustram essa relação, pois a literatura esteve sempre presente no itinerário histórico e conceitual da filosofia, seja no campo da filosofia da arte, da estética ou até mesmo numa forma mais específica através de disciplinas, projetos de pesquisa, grupos de estudos em literatura e filosofia. Nesse sentido, essas relações e interlocuções constituem importantes debates e são temas frequentes nas análises de Platão, Rousseau, Condillac, Goethe, Voltaire, Schlegel, Diderot, Novalis, Sartre, Simone de Beauvoir, Nietzsche, Camus, Derrida, Foucault, Deleuze, etc.
Por outro lado, é importante ressaltar que a literatura, por sua vez, recepciona os conceitos filosóficos, como nos romances que incorporam o subjetivismo, o idealismo, o realismo, sem contar os escritores que se dedicaram à ficção com conteúdos filosóficos, como Umberto Eco, Milan Kundera, Dostoiévski, Shakespeare, Hermann Hesse, Herman Melville, Henry Miller, Kafka, Sartre, entre outros.
A inter-relação entre as áreas é de tal ordem que se percebe nos movimentos históricos dos diversos períodos literários os movimentos das ideias filosóficas. Seja como reconfiguração de temas ou na construção de perspectivas, a literatura em geral foi sempre sensível aos saberes promovidos pela filosofia, além da influência da literatura como antecipação de questões filosóficas em autores como Sófocles, Flaubert, Proust, Beckett, Joyce, Michel Tournier, Zola, Dostoiévski, Lewis Carrol, etc.
A ideia deste número da Araticum (v. 25, n. 1), Dossiê Literatura e Filosofia, não é apontar ou estabelecer qualquer tipo de hierarquia entre literatura e filosofia. Muito pelo contrário, a ideia é criar as condições para uma composição possível, mais ou menos harmônica. Parafraseando Nietzsche, a filosofia , tal como a literatura, seria uma forma de contemplação do espetáculo sublime do mundo. O que estará em jogo a partir desses dois olhares (Literatura e Filosofia), é o pensamento, a imaginação, a intuição, a percepção, a memória. Não está em questão estabelecer uma classificação no sentido de afirmar “este é filósofo”, “este é um escritor/literato”. Claro, salvo os estilos da escrita e seus movimentos, uma obra pode ser pensada a partir de vários olhares, sempre aberta e sem ser reduzida a uma única forma, dura e enrijecida, como acontece em toda classificação categórica. Como não perceber um poderoso movimento filosófico em Lima Barreto, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Conceição Evaristo e outras centenas de escritoras e escritores? Nesse aspecto, literatos tornam-se filósofos e filósofos tornam-se literatos, experimentando devires a partir da experiência da escrita.
Este número da Revista Araticum pretende tratar dessa relação entre literatura e filosofia abandonando a perspectiva de que ambas não se comunicam ou são irreconciliáveis. A perspectiva é apontar e tecer entre elas questões comuns e próximas. Se há quem defenda a existência de um limite, de uma fronteira entre esses dois campos do pensamento, por outro lado, existem aqueles que problematizam o ultrapassamento dessa fronteira, numa convergência absolutamente produtiva, criativa e potente. Mas uma coisa é inegável : tanto a filosofia quanto a literatura se implicam enquanto modos de criação, de reflexão, de fabulação e olhares. E incentivar e fomentar esse belo encontro, essa bela 'mistura' , é o que pretendemos neste número.
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