https://doi.org/10.32887/issn.2527-2551v17n1p.4-7
Vol. 17, n. 1, jan./jun. 2020 ISSN: 2527-2551 (online)
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Romulo S. Barbosa[1] Lorena C. Fleury[2]
Apresentagao
Os estudos sobre conflitos ambientais no Brasil consolidaram um campo de investigagao ciendfica (Fleury, Barbosa e Sant'Ana Jr., 2018). E posswel apontar algumas balizas estruturantes desse campo, a saber: a) os conflitos ambientais nao sao decorrentes de uma "crise ambiental"; b) sao os agentes sociais com distintos e assimetricos projetos e processos de apropriagao simbolica e material do mundo, que no seu decurso, irrompem os conflitos ambientais; c) os conflitos revelados ou latentes expressam as assimetrias estruturais, as relagoes sociais de poder e dominagao.
Com o advento da
sociedade urbana industrial, houve intensificagao da exploragao das fontes de
materia e energia do planeta. O modelo hegemonico de produgao e consumo,
fundado no uso intensivo de hidrocarbonetos e na deflorestagao, consolidou no
seculo XX a referenda de bem-estar material medido pelo nfvel de acesso a bens
de consumo.
O cambio climatico, decorrente principalmente dos gases de efeito estufa, tem sido o tema dominante no debate sobre o futuro do planeta ou da crise ambiental. Todavia, como alerta Acselrad (2004, p. 13-14) a nogao de crise ambiental nao pode ser fetichizada, descolando-a das "dinamicas da sociedade e da cultura". Isto e, sao os agentes sociais por meio das "formas sociais de apropriagao e as diversas praticas culturas de significagao" que objetivam o ambiente. As consciences ambientais nao podem ser vistas como unicas, homogeneas, desistoricizadas.
O lugar (ESCOBAR, 2005) e central para a compreensao das multiplas e diversas formas de apropriagao simbolica e material do ambiente. O "retorno ao lugar" significa a imperatividade da diferenga contra o "frenezi da globalizagao". Em outras palavras, trata-se de reconhecer na investigagao cientffica a obrigatoriedade da historicidade dos processos sociais em analise. Revelar o lugar em oposigao ao (mpeto da objetividade dedutiva globalizante que oblitera, aniquila a diferenga.
Nesse diapasao, os conflitos ambientais expressam contextos em que "grupos sociais com modos diferenciados de apropriagao, uso e significagao do territorio" (ACSELRAD, 2004, p.26) tem ameaga a continuidade das suas formas de apropriagao pelas consequencias indesejaveis decorrentes da implementagao de outra(s) pratica(s). Zhouri e Laschefski (2010) propuseram o exame dos conflitos ambientais a partir de tres categorias, a saber: conflitos ambientais territoriais, conflitos ambientais distributivos e conflitos ambientais espaciais. Os conflitos ambientais, assim, revelam, alem das diferengas de apropriagao, estruturas sociais de desigualdade de poder sobre o ambiente. Isto e, demonstram as iniquidades no acesso e uso dos ambientes, sejam as florestas, os campos de produgao agrfcola, os subsolos, as cidades, etc.
Os grandes empreendimentos publicos e privados de infraestrutura (estradas, exploragao de petroleo e gas, barragens, hidreletricas, linhas de transmissao de energia eletrica), agropecuarios, industriais, extrativistas minerais, tem composto o contexto principal dos conflitos ambientais em palses como o Brasil, Argentina, Chile, Peru, Bolivia, Equador, Colombia, dentre outros. Gudynas (2015) oferece um amplo panorama da dinamica e consequencias ambientais do que ele denomina "extractivismos" em suas modalidades direta e mediada. Trata-se da exploragao intensiva, em larga escala, de recursos naturais. Seja diretamente, como por exemplo a mega-mineragao e a pesca, seja de forma mediada como a agricultura de commodities. Zhouri, Bolados e Castro (2016) organizaram uma obra com varios artigos que retratam as lutas territorials em contexto de neoextrativismo minerario na America do Sul. Isso implica por em tela as especificidades e tambem as recorrencias da reorganizagao contemporanea de setores extrativistas, especialmente a mega-mineragao, a agricultura de commodities e a pecuaria de exportagao. Tal contexto, economico e polftico-ideologico, foi denominado por Svampa (2013) de consenso de commodities, caracterizado pelo aumento expressivo da demanda e do prego internacional de produtos agrfcolas, pecuarios e minerais.
O campo cientffico (BOURDIEU, 1989) dos conflitos ambientais e complexo. A remissao aqui a alguns fundamentos e balizas analfticas que o constituem, de longe nao esgota o seu espectro. Apenas objetiva instigar o leitor a embrenhar pelas tematicas e abordagens presentes nos artigos que compoem este dossie.
O artigo assinado por Luciano Felix Florit e Ana Lucia Bittencourt, intitulado "Conflitos em torno d'agua em Santa Catarina: uma reflexao sob perspectiva etica socioambiental", aborda decisoes judiciais proferias pelo tribunal estadual daquela unidade da federagao, envolvendo hidreletricas e grupos sociais ribeirinhos. Fernando Rios de Souza e Herbert Toledo Martins apresentam o artigo "Governanga dos comuns e conflitos na gestao da bacia do Rio Itanhem no extremo sul da Bahia" analisa as agoes do Comite de Bacias Hidrograficas dos rios Perulpe, Itanhem e Jucurugu (CBHPIJ), localizado no extremo sul da Bahia, Brasil. O artigo "Conflitos ambientais no Norte de Minas Gerais: o 7° encontro da articulagao dos vazanteiros em movimento", escrito por Queite Marrone Soares da Silva e Rumi Regina Kubo, examina agoes da Articulagao Vazanteiros em Movimento em luta pelos direitos territoriais contra os Parques Estaduais: Verde Grande, Lagoa do Cajueiro e Mata Seca. Ja o artigo apresentado por Maria Suellen Timoteo Correa, denominado "Dinamicas Territoriais e Saber Local em Torno de Conflitos em um Bairro Atingido pelo Desastre de 2011 em Nova Friburgo (RJ), analisa a participagao social e polftica de populagoes atingidas reconstrugao por catastrofes de chuvas na reconstrugao de seus espagos de vida. Por fim, Ana Carina Sabadin aborda a construgao social do "problema ambiental" das queimadas nos canaviais paulistas no artigo "Do fogo a fumaga: A construgao social do problema ambiental das queimadas nos canaviais paulistas".
Desejamos uma excelente leitura!
Referencias
ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumara; Fundagao Heinrich Boll, (2004).
BOURDIEU, P. O poder simbolico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
ESCOBAR, Arturo. O lugar da natureza e a natureza do lugar: globalizagao ou pos-desenvolvimento?. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
FLEURY, L. C.; BARBOSA, R. S.; SANT'ANA JR, H. A. Sociologia dos conflitos ambientais: desafios epistemologicos, avangos e perspectivas. Revista Brasileira de Sociologia, v. 05, p. 219-253, 2017.
GUDYNAS, Eduardo. Extractivismos: ecologia, economia y polftica de um modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Bolivia: CEDIB, 2015.
SVAMPA, M. Consenso de los commodities y linguajes de valoracion em America Latina. Revista Nueva Sociedad. N. 244, marzo-abril de 2013.
ZHOURI, A.; BOLADOS, P.; CASTRO, E. Mineragao na America do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais. Sao Paulo: Annablume, 2016.
ZHOURI, A.; LASCHESFKI, K. (org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
[1] Doutor em Sociologia, Professor do Programa de Pos-Graduagao em Desenvolvimento Social, Professor do Programa de Pos-Graduagao em Sociedade, Ambiente e Territorio, Pesquisador do Nucleo Interdisciplinar em Investigagao Socioambiental. Universidade Estadual de Montes Claros-MG, Brasil. Email: romulo.barbosa@unimontes.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9226-2312.
[2] Doutora em Sociologia, Professora do Departamento de Sociologia, do Programa de Pos-Graduagao em Sociologia (PPGS/UFRGS) e do Programa de Pos-Graduagao em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: lorenafleury@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9659-8630.