Políticas do Opará: participação indígena no comitê de bacia hidrográfica do São Francisco
Opará policies: indigenous participation in the São Francisco hydrographic basin committee
Palabras clave:
antropologia, etnografia, comitê de bacia, lideranças indígenas, práticas científicasResumen
Desde o início dos anos 2000, lideranças indígenas têm vivenciado uma participação importante no Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), que vem se consolidando, em conjunção com aquela que ocorre em outros órgãos, como um dos principais meios de manifestação das pautas reivindicatórias dos povos indígenas no nordeste brasileiro, especialmente no que concerne à questão das águas do Opará, nomeação indígena para as águas que os brancos denominam rio São Francisco. Atualmente, essa participação no CBHSF se dá em maior número pelas lideranças Tuxá, povo esse cuja história recente explicita um caso de remoção compulsória em consequência da construção da hidrelétrica de Itaparica m 1988, bem como a não demarcação de suas terras ainda trinta anos depois. A pesquisa na qual se baseia o texto aqui apresentado procura verificar como se dá a participação dessas lideranças indígenas no âmbito do comitê a partir da crítica indígena e dos movimentos que compõem certas “políticas indígenas da água”. Essa crítica indígena é utilizada no sentido que Stuart Kirsch (2006) utiliza a expressão, a saber, como uma avaliação que os próprios indígenas realizam de suas relações com o Estado e com os brancos e a partir da qual produzem suas estratégias de ação na relação com esses. A partir de minha pesquisa de campo pude notar que essa constante crítica indígena tem produzido uma diferença entre as antigas e as novas lideranças, e que uma das principais características das últimas, reforçada a todo o momento por elas mesmas, é uma busca saber no que diz respeito aos procedimentos técnico-burocráticos pelos quais funciona um órgão como, por exemplo, o CBHSF, bem como um esforço em apropriar-se do código científico dos brancos enquanto ferramenta estratégica de luta. Nesse texto pretendo tratar dois pontos cruciais em minha pesquisa. O primeiro, a forma como se manifesta um embate, no âmbito do comitê e com enfoque na experiência do povo Tuxá, entre noções distintas de territorialidade, uma a das lideranças indígenas e dos povos representados por essas e a outra aquela patenteada pelo comitê enquanto órgão estatal. O segundo, a priorização do campo de atuação das lideranças indígenas nas seções de caráter técnico na estrutura do comitê em detrimento daquelas de caráter consultivo, para verificar nesse, que é um movimento estratégico de luta, a forma como têm adentrado esse campo do saber técnico-científico, que inclui a lida com documentos, projetos e possibilidades de acionar, por meio dessa participação nas seções técnicas, práticas científicas que fortaleçam suas lutas.
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Citas
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