TECNOCRACIA E NEGACIONISMO: A FACE DE JANUS DA EROSÃO DEMOCRÁTICA

Resumo

A ideia de tecnocracia nasce como uma resposta aos problemas presentes no regime democrático. O modo como o tema foi abordado desde Platão situa a democracia e a tecnocracia como duas formas de governo concorrentes. A defesa do modelo tecnocrático apareceu pela primeira vez no diálogo platônico A república, e foi recuperado várias vezes ao longo da histórica, inclusive no debate contemporâneo da filosofia política. Tratamos desses tópicos na primeira parte do nosso artigo. Num
segundo momento discutimos a relação entre tecnocracia e democracias modernas. Nesse ponto, partimos do diagnóstico de Habermas que identifica a "dominação tecnocrática" como uma patologia social. A tecnocracia, na perspectiva habermasiana, contribui para que a racionalidade instrumental invada as relações sociais, prejudicando as práticas comunicativas essenciais para a política democrática. Em vez formas de governos concorrentes, para o teórico crítico, a tecnocracia vive uma
relação parasitária com a democracia e a adoece. Na terceira parte, procuramos atualizar o diagnóstico habermasiano para o contexto da "revolução neoliberal" e da crescente desconfiança na autoridade científica. A intersecção entre tecnocracia e neoliberalismo é examinada, destacando a influência do mercado na administração pública e nas políticas tecnocráticas. Ao final, defendemos que a tecnocracia, influenciada pelo neoliberalismo, exacerba a desconfiança nas decisões técnicas e
alimenta movimentos anticientíficos, e a consequência disso é a infiltração cada vez maior do negacionismo científico no debate político. Deste modo, tecnocracia e negacionismo constituem as duas faces de Janus da erosão democrática que se retroalimentam, criando um círculo vicioso que ameaça a integridade dos processos democráticos e a confiança pública nas instituições científicas e políticas.