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RESENHA
AS PALAVRAS DA SELVA[1]
BERISTAIN, Carlos Martín; PÁEZ ROVIRA, Darío; FERNÁNDEZ, Itziar. Las palabras de la selva: Estudio psicosocial del impacto de las explotaciones petroleras de Texaco en las comunidades amazónicas de Ecuador. Bilbao [Spain]: Instituto de Estudios sobre Desarrollo y Cooperación Internacional, [2009], 2009. p. 233.
Tatiana Andrango[2]
Recebido em: 11/10/2020
Aprovado em: 17/12/2020
Os autores através deste trabalho de 233 páginas que está dividido em nove capítulos pretendem apresentar uma realidade desconhecida pela maioria da população das cidades. No primeiro capítulo, apresenta um contexto geral do problema e os impactos que acompanham a população há anos. A importância de fazer estas analises que atendem a solicitação do juiz do Superior Tribunal de Justiça de Nueva Loja[3]. Também mostra a metodologia usada, através de um estudo qualitativo e quantitativo, valorizando aspectos do ambiente humano, social e comunitário. O segundo capítulo é sobre as características da população e o grau de impacto da atividade petrolífera. O terceiro capítulo aborda uma questão fundamental, que é a descrição da contaminação e acidentes, impacto cultural e na coesão das comunidades, impacto na saúde e além disso, o nível de informação e exposição ao risco. O quarto capítulo é dedicado a análise no contexto da atividade petrolífera da empresa Texaco e o modo de atuação da empresa em relação à população local. O quinto capítulo, os autores apresentam experiências de remediação feitas pela empresa, também resposta a ações judiciais pela mesma. O sexto é dedicado as conclusões do estudo, o capitulo faz um resumo do impacto psicossocial nas comunidades, também mostra a diferença entre comunidade mestiça e indígena, além das diferenças de gênero com a comparação das enquetes feitas entre homes e mulheres. No sétimo, oitavo e nono capítulo é dedicado à apresentação de anexos, à resposta das perguntas feitas pela empresa e para o epílogo.
Em suma, o livro parte do fato de que a avaliação ambiental não pode ser isolada do contexto social, porque inclui a relação da natureza com as pessoas que vivem e dependem dela. Neste contexto, os autores fazem uma avaliação dos mecanismos que tiveram um impacto sobre a saúde, cultura e bem-estar das pessoas e comunidades afetadas. Nota-se também que o estudo foi desenvolvido para complementar as evidencias físico-químicas achadas na área.
Os autores afirmam que a empresa atuou na área de concessão com políticas e práticas ambientais inadequadas para a conservação do ecossistema, com pouco ou nenhum controle ambiental, o que causou grande parte da contaminação da área. E que, portanto, a territorialidade, a alimentação e as tradições culturais dos povos indígenas foram afetadas. Para avaliar retrospectivamente o impacto da exploração de petróleo, os autores trabalharam com um estudo quantitativo que foi feito por meio de uma pesquisa com uma amostra de 1064 pessoas, maiores de 24 anos, em um total de 23 paróquias nas duas províncias afetadas de Sucumbíos e Orellana; no que foi analisado:
A ideia que tiveram os pesquisadores para fazer uma comparação do nível de exposição foi a distância da área da exploração, então eles acharam importante estabelecer grupos da maior para a menor distância e um índice de exposição global para poder fazer comparações. Nesse sentido, eles conseguiram entender como uma análise transversal das doses de exposição eles consideram a única alternativa viável para o contexto e objetivos da pesquisa.
Figura- Relação da população com a distância das fontes de contaminação. Nível de exposição.
Além disso, os pesquisadores fizeram um estudo qualitativo através de seis grupos principais que foram escolhidos de acordo ao critério de etnia (mestiço[4], indígena). Esta metodologia foi útil para coletar a experiência coletiva das comunidades afetadas. O estudo priorizou a participação de idosos, porque têm experiência direta e do ponto de vista cultural cumprem uma função de memória coletiva.
Para os autores, as etnias afetadas estão constituídas pelos Cofanes, Sionas, Secoyas, Kichwas, e uma parte dos Shuar, além está o grupo dos Huaorani mas com eles não conseguiram falar. Os pesquisadores, no entanto, demonstram por diferentes fontes que Cofanes, Sionas e Secoyas foram totalmente afetados pela Texaco.
Para fazer uma interpretação dos dados recolhidos no campo, a equipe de trabalho analisou as médias, modas e frequências, para estabelecer as tendências centrais. O tamanho da amostra permitiu estabelecer a tendência principal com mais ou menos 5% de erro e 95% de certeza.
Nota-se, como uma das características fundamentais desta obra, que os pesquisadores entrevistaram as mulheres separadamente, eles fazem essa escolha por vários motivos: acham muito importante coletar suas próprias experiências como mulheres; além de evitar que sua participação seja restringida por seus maridos; e também por elas terem maior conhecimento dos impactos na saúde de toda a família e em especial das crianças. San Sebastián, et. (2001) também argumenta que as mulheres são consideradas uma população vulnerável aos poluentes do petróleo devido às suas atividades diárias.
A partir da metodologia aplicada no estudo, o autor discute o grau de afetação da população exposta à contaminação petroleira. Parte de testemunhos da comunidade afetada, onde eles afirmaram consistentemente que sofreram a alteração total do seu estilo de vida, que começou com a realização de explosões por sísmica[5], sobrevoos de helicópteros, construção de trilhas, desmatamento em áreas escolhidas e entrada em seu território de maquinarias e operários acompanhado pelos militares. Tudo isso como uma imposição, então os autores destacam que a comunidade teve sempre falta de informação. Este fato gerou medo e um recuo das comunidades como forma de proteção.
Era uma vida linda e excelente. Tínhamos selva e fauna limpas, havia muitos animais. Vivíamos muito confortáveis; sem barulho ou ferimentos, a selva era um paraíso. No ano 41 não tinha branco, só selva. Nosso mercado diário era a selva, havia muita pesca nos rios. Tínhamos vastos territórios por onde andávamos, não tínhamos limites. Não sabíamos o que eram doenças, por exemplo, não tinha gripe. Tínhamos nossos rituais e encontros com os poderes da selva. (Testemunho, grupo étnico Secoya, San Pablo, 2009.p 30)
Os pesquisadores encontraram que os acidentes mais frequentes foram derramamentos em piscinas e em oleodutos, seguidos por acidentes de sísmicas, finalmente, acidentes causados por mecheros[6], nota-se que as consequências causaram danos significativos à natureza e às pessoas. A queima de substâncias tóxicas causou dispersão de partículas que afetam o ar e uma superfície de vários quilômetros ao redor, além da chuva com os mesmos componentes tóxicos. De acordo com as pesquisas feitas no estudo, os acidentes contaminaram a água, trouxeram a perda de safra, morte de animais, e várias doenças para as pessoas.
As dimensões das afetações correspondem à exposição mais próxima do contaminante, estão, o livro destaca os numerosos testemunhos, onde se refere episódios de adesão de óleo na pele de adultos e crianças, porque a empresa colocou óleo nas ruas. É importante dizer que o costume das pessoas era andar sem sapatos, isso causou doenças de pele graves.
As comunidades indígenas tinham sua fonte de vida na selva. Seu modo de vida, comida e cultura tinham a ver com atividades de caça e pesca. Nessa concepção, quando os brancos[7] chegaram e destruíram seu lar, eles quebraram essa conexão, este fato alterou sua vida diária e sua relação com a natureza.
A desinformação pode ser uma arma mortal. As comunidades não perceberam o perigo. Isso levou muitas pessoas a comerem animais contaminados, principalmente peixes, e os autores afirmam que teve um impacto negativo na saúde reprodutiva, pois encontraram muitos casos de abortos e malformações.
A comunidade sofreu o impacto psicológico das perdas de seu lar, consequências na organização, o nível de pobreza e a perda de terras, perda da capacidade produtiva e fertilidade. O impacto coletivo na piora das condições de vida das pessoas fiz repensar as formas de organização, ou seja, a organização foi fortalecida como forma de resposta para defender seu território e modo de vida. Mesmo isso não foi bom para a empresa então os autores perguntaram o que eles fizeram para enfraquecer a organização? A resposta foi triste, eles introduziram o álcool. Eles tiveram experiências de troca de bebidas alcoólicas por animais caçados. Este fato é implacável levando-se em consideração que alguns povos, como os Huaoranis, apresentam deficiência das enzimas desidrogenadas do álcool, e pode causar a morte deles.
As consequências psicológicas incluem incerteza sobre o meio ambiente e possível impacto negativo em sua saúde. O cotidiano das comunidades afetadas passa a ser um risco percebido e ao mesmo tempo indeterminado, o que dificulta seu controle.
Um fator chave na gestão de situações de risco, tais como atividades produtivas potencialmente perigosas, nocivas ou tóxicas é o nível de informação disponível para a população afetada e a gestão da percepção e proteção contra o risco. No entanto, a empresa usou a desinformação a seu favor, como um ato cruel e indolente. Para outros autores os impactos da atividade petrolífera sugerem uma difícil construção social do risco à saúde devido à diversidade de percepções, à dependência econômica local (BECERRA, et al, 2013. p 102).
As crianças e adolescentes têm direito ao seu desenvolvimento integral isso inclui o direito à recreação (Constituição da República do Equador, 2008. P14). No entanto, a exposição ao risco na população infantil afetou essas atividades em um grau muito alto porque estavam ligadas a rios e estuários, como natação e pesca.
Pesquisadores destacam os impactos na saúde da população como um indicador muito importante das consequências da poluição e do desenvolvimento da atividade petrolífera. Eles acharam doenças como casos de infecções de pele e duas vezes mais casos de micose, anemia, infecções do trato urinário, tuberculose e um aumento significativo de casos de câncer estômago, fígado, pulmão, pele, útero e leucemia na população que vive a menos de 500 metros de instalações de petróleo.
O livro conclui reforçando cada um dos tópicos como síntese das descobertas mais importantes do estudo, incluindo dados suportados por ambas pesquisas qualitativos e quantitativos realizados. Os autores enfatizam na melhor arma que a empresa usou, que foi a falta de informação sobre os riscos de poluição por petróleo. Texaco representou uma reestruturação da vida cotidiana, introdução de costumes e processos de aculturação forçada sem qualquer respeito pelos povos que habitavam a selva, especialmente na relação entre terra e espiritualidade.
Os testemunhos indicaram que a empresa foi responsável pela introdução de dinheiro, álcool e novas doenças, além enfraqueceram a liderança da comunidade, com a morte de shamanes[8] deixando as comunidades sem líderes, e quando a população fez uma reclamação, recebe a discriminação e o engano como resposta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, nota-se que a obra é um estudo muito completo do impacto da atividade petrolífera realizada pela Texaco, o texto explica claramente cada uma das percepções das pessoas afetadas. O livro além de oferecer informação para atender à solicitação do juiz do Superior Tribunal de Justiça, apresenta uma realidade que a maioria da população das cidades não sabe, e convida a reflexão. É necessário, pois, pensar numa vida humana mais favorável, onde o enclave, seja a informação, solidariedade e apoio à luta incansável desses povos que historicamente sofreram abusos de seus direitos.
Também é momento de assumir que a sociedade vive um período de crises de desinformação, os quais são as vantagens de grandes empresas e governos, assim muitas vezes fazem coisas acima dos direitos humanos e da natureza. Portanto, a sociedade precisa refletir sobre os costumes diários que estruturam a modernidade.
Além disso, até hoje, o petróleo mantém o domínio no financiamento do Orçamento Geral do Estado, Texaco já não está, mas, ao longo desse tempo, a exploração do recurso continuou, liderada por muitas transnacionais, então como o movimento ambientalista em ação (2011, p.6) apresentou, é preciso pensar em reduzir o consumo de petróleo para conter a perda de biodiversidade, o aquecimento global e também a violação dos direitos humanos da população que vive no entorno dessa riqueza natural. Essa riqueza que como mostrou o texto gera problemas sociais como a pobreza e desigualdade.
REFERÊNCIAS
BECERRA, S., PAICHARD, E., STURMA, A., & LAURENCE, M. Vivir con la contaminación petrolera en el Ecuador: Percepciones sociales del riesgo sanitario y capacidad de respuesta. Líder: revista labor interdisciplinaria de desarrollo regional, n. 23, p. 102-120, 2013.
BERISTAIN, C; PÁEZ, R; FERNÁNDEZ, I. Las palabras de la selva: Estudio psicosocial del impacto de las explotaciones petroleras de Texaco en las comunidades amazónicas de Ecuador. Bilbao [Spain]: Instituto de Estudios sobre Desarrollo y Cooperación Internacional, [2009], 2009.
DEL ECUADOR, Asamblea Constituyente. Constitución de la República del Ecuador. Quito: Tribunal Constitucional del Ecuador. Registro oficial Nro, v. 449, 2008.
EN ACCIÓN, Ecologistas. La Iniciativa ITT-Yasuní. Un ejemplo de cómo transitar hacia un mundo sin calentamiento global, biodiverso y basado en energías renovables. Ecuador: Ecologistas en Acción, 2011.
SAN SEBASTIÁN, Miguel; ARMSTRONG, Ben; STEPHENS, Carolyn. La salud de mujeres que viven cerca de pozos y estaciones de petróleo en la Amazonía ecuatoriana. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 9, p. 375-383, 2001.
Revista Desenvolvimento Social, vol. 26, n. 2, jul/dez, 2020
PPGDS/Unimontes-MG
[1] O livro foi desenvolvido em ajuda internacional e construção da paz, promovido pelo Instituto Hegoa - UPV / EHU, com o apoio dos Fundos de Cooperação para o Desenvolvimento (FOCAD) do Direção de Cooperação do Governo Basco.
[2]Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Geografia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5802-529X. E-mail: daysi.quisaguano@ufu.br.
[3] Um grupo de indígenas apresentou uma ação judicial, representando outras 30.000 pessoas, contra as operações da Texaco. Em 2003, o julgamento começou. O juiz encarregado do caso indicou a realização pesquisa pericial global que contemplou a busca e medição de contaminantes por poços e estações.
[4] Na área afetada, 69% são mestiços (pessoas que descendem de duas ou mais raças diferentes), pois vivem como colonos e um terço da amostra era indígena.
[5] O método sísmico consiste em fazer a energia penetrar no subsolo. Essa energia viaja no interior da Terra para cada uma das camadas rochosas e parte dessa energia se reflete em cada contato entre rochas com características físicas diferentes e é recebida na superfície por meio de dispositivos que captam essa energia. Estas explosões sísmicas foram feitas na fase de exploração ao longo de faixas de muitos quilômetros na selva.
[6] Os mecheros são estruturas onde o gás da extração de petróleo é queimado permanentemente, dia e noite.
[7] Conhecido como branco o cucamas, que foi uma forma das comunidades indígenas para se referir à população mestiça, devido ao desconhecimento do espanhol.
[8] Um Shaman é uma pessoa que é referência espiritual para a comunidade indígena, que segundo as histórias da população curava doenças, cuidava da selva, cuidava dos animais, atraía fauna.