https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v27n1p48-73



Vol. 27, n. 1, jan/jun, 2021

ISSN: 2179-6807 (online)



MARKETING AMBIENTAL E PANDEMIA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DAS VENDAS DE BOLSAS DE GRIFE SECOND HAND

Bárbara Cristina Kruse1

Maximillian Ferreira Clarindo2

Marcos Kruse3


Recebido em: 19/03/2021

Aprovado em: 22/06/2021


Resumo: A reprodução do capital é intrínseca ao sistema econômico atual. Partindo dessa premissa, a reificação da natureza se põe como forma de abastecimento dos ditames mercadológicos. A reinvenção dos brechós na contemporaneidade, se faz como estratégia de marketing ambiental, baseado na sustentabilidade, eis que se vendem peças de segunda mão. A ideia de consumir o que já existe conduz a uma suposta alternativa para a questão ambiental, além de que conta com aceitação das classes mais abastadas. Neste viés, este artigo tem como objetivo analisar sob o crivo crítico, os brechós ou second hand contemporâneos a partir das redes sociais. A metodologia se deu pela análise do discurso, conforme conceitos de Foucault. As bolsas de grife constituem o recorte temático, pois são os itens mais vendidos da espacialidade. O artigo também contextualiza o comércio com o momento atual vivenciado, da Pandemia do COVID-19. A importância do tema se dá tanto por ser uma nova prática social em uma espacialidade virtual, quanto pelo fato de ser um nicho comercial novo e em ascensão. Cabe assim, ao cientista social a tarefa de reflexão dessas transformações sociais e suas possíveis implicações ambientais.

Palavras-chave: Marketing ambiental. Sustentabilidade. Bolsas de grife. Espaço virtual.



ENVIRONMENTAL MARKETING AND PANDEMICS: AN ANALYSIS OF THE SPEECH ON SALES OF SECOND HAND BRAND BASES


Abstract: The reproduction of capital is intrinsic to the current economic system. Based on this premise, the reification of nature is a way of supplying market dictates. The reinvention of thrift stores in contemporary times is an environmental marketing strategy, based on sustainability, as they sell second-hand items. The idea of ​​consuming what already exists leads to a supposed alternative to the environmental issue, in addition to being accepted by the wealthier classes. In this perspective, this article aims to analyze under a critical scrutiny, the contemporary second-hand or thrift stores based on social networks. The methodology was based on discourse analysis, according to Foucault's concepts. The designer handbags are the thematic cut, as they are the best-selling items of space. The article also contextualizes trade with the current moment experienced by the COVID-19 Pandemic. The importance of the theme is given both because it is a new social practice in a virtual spatiality, and because it is a new and growing commercial niche. Thus, it is up to the social scientist to reflect on these social changes and their possible environmental implications.

Keywords: Environmental marketing. Sustainability. Designer bags. Virtual space.


MARKETING AMBIENTAL Y PANDEMIAS: ANÁLISIS DEL DISCURSO SOBRE VENTA DE BASES DE MARCAS DE SEGUNDA MANO


Resumen: La reproducción del capital es intrínseca al sistema económico actual. Partiendo de esta premisa, la cosificación de la naturaleza es una forma de abastecer los dictados del mercado. La reinvención de las tiendas de segunda mano en la actualidad es una estrategia de marketing medioambiental, basada en la sostenibilidad, ya que venden artículos de segunda mano. La idea de consumir lo que ya existe conduce a una supuesta alternativa al tema ambiental, además de ser aceptada por las clases más pudientes. En esta perspectiva, este artículo tiene como objetivo analizar bajo un escrutinio crítico, las tiendas contemporáneas de segunda mano o de segunda mano basadas en las redes sociales. La metodología se basó en el análisis del discurso, según los conceptos de Foucault. Los bolsos de diseño son el corte temático, ya que son los artículos de espacio más vendidos. El artículo también contextualiza el comercio con el momento actual que vive la pandemia COVID-19. La importancia del tema se da tanto porque es una nueva práctica social en una espacialidad virtual, como porque es un nicho comercial nuevo y en crecimiento. Por lo tanto, corresponde al científico social reflexionar sobre estos cambios sociales y sus posibles implicaciones ambientales.

Palabras clave: Marketing ambiental. Sustentabilidad. Bolsos De Diseño. Espacio Virtual.


INTRODUÇÃO


Desde o século XX vários autores sinalizam que os produtos industrializados e a fabricação em série desembocariam na super faturação de peças. A obsolescência programada, foi uma das formas que a reprodução do capital encontrou de fazer a máquina do consumo estar sempre em movimento. Com a ideologia da constante renovação, a moda encontra aporte no pensamento hegemônico consumista atual.

A necessidade de novas coleções, novos looks diferentes, roupas combinando e, principalmente estar fashion para postar nas redes sociais, tornou parte da indústria da moda e da mentalidade contemporânea. Assim, a moda consegue atracar como uma poderosíssima indústria, movimentando fortunas e canalizando o capital constantemente.

Milhares de cifras são gastas diariamente para fomentar essa necessidade de consumir sempre o atual. A bota fashion que nesta temporada é o desejo de consumo de todas(os), a partir do próximo ano muito possivelmente ficará esquecida por algumas décadas. A ideologia de ser sempre in e não out, acarreta em problemas futuros que vão além da acumulação de capital.

Questões econômicas, interferem grandemente nas tomadas de decisões. Entretanto, nos dias atuais, o pensamento utilitarista da natureza, em que ela é vista como disponível e voltada para o abastecimento do mercado, está cada vez mais comprometido, quando a evolução da ciência demonstra claramente que há um limite para os recursos naturais (MÉSZÁROS, 2011).

Por isso, a reinvenção dos antigos brechós consiste no apelo de sustentabilidade para com seus itens. Logo, consumir itens usados passou a fazer parte de um apelo de marketing, muito em voga num mundo que vivencia uma crise ambiental, juntamente de uma Pandemia nos anos de 2020 e 2021. Desta feita, pode-se dizer que a estratégia de marketing ambiental deu tão certo, que até mesmo os consumidores da mais alta classe passaram a consumir itens de luxo usados. Os brechós de luxo aliam a ideia de sustentabilidade, economia financeira e consumo da mais alta costura.

O objetivo do artigo é analisar o funcionamento desses novos espaços virtuais de comercialização dos itens de luxo, em especial bolsas. Utilizou-se da ferramenta da análise do discurso, com base nas observações de postagens nas redes sociais desses brechós. A análise do discurso se mostrou adequada para a pesquisa, pois possibilita considerar também os gestos, a fala, o induzimento ao sustentável, o look combinador com o item e o apelo de venda intrínseco desse comércio. A metodologia considerou ideal a análise do discurso de vertente crítica, a partir de Focault (2008), pois examinou a linguagem como instrumento de produção social de viés ideológico, os contextos de uso e os falantes do discurso.

A fim de se descrever fidedignamente como esse mercado funciona, suas divulgações e apelos de marketing, foram utilizadas expressões grafadas em inglês no decorrer do texto. A intenção é aproximar o leitor com este mercado, no qual expressões estrangeiras são de presença constante.

Utilizou-se também a metodologia de revisão de literatura em conjunto com matérias jornalísticas para contextualizar o tema. A importância do artigo se dá na mudança social trazida com esse novo comércio. Trata-se de uma nova prática social que abarca relações de consumo, questões ambientais e poder simbólico. Ademais, como se trata de um assunto recente, sua discussão se torna imprescindível para o cientista social, eis que é o seu papel compreender e analisar as relações e as transformações sociais do mundo que vive.


MARKETING AMBIENTAL E SECOND HAND


A questão ambiental, no século XXI se põe como uma das grandes preocupações contemporâneas. O conflito que há de existir entre interesses econômicos versus sustentabilidade, há de ser cada vez mais presente, na medida em que o ser humano presencia constantemente mudanças no meio ambiente.

Não é de hoje também, que a reprodução do capital encontra nos setores mais peculiares a possibilidade monetizar quase tudo, inclusive a destruição da natureza. Assim como Marx & Engels (2008) já diziam no século XIX que o sistema capitalista transformou o operário em um número contábil da empresa e afastou seu caráter autônomo e sua individualidade. Nos dias atuais a configuração se mantém.

E mais, a reprodução do capital encontrou em outras esferas do conhecimento e do comércio novas formas de reprodução. A verdade é que a moral, as artes, a literatura, a religião, a cultura e até mesmo o meio ambiente, entraram na lista das coisas que podem e são transformadas em mercadoria. Neste viés, advoga David Harvey (2016, p. 234) sobre “a concepção capitalista da natureza como uma simples mercadoria reificada”. Essa noção de natureza reificada para Harvey, adentra na ideia de manipulação do sistema de valores com o intuito do lucro.

Não demorou muito, assim, para que detentores de capital percebessem a possibilidade de aliar o meio ambiente com o seu empreendimento. Ora, a ideia de conciliar sustentabilidade com a empresa, ou seja, o marketing ambiental acabou se tornando uma ferramenta poderosa em um mundo que aponta a crise ambiental como uma catástrofe futura (ŽIŽEK, 2012). De carona junto ao marketing, em um mundo Pós-Pandemia do coronavírus (COVID-19) que se alastrou por 2020 e 2021, resta-se claro que a questão ambiental deve ser priorizada como uma preocupação contemporânea, na medida em que problemas ambientais têm a capacidade de afetar todo o globo.

Apesar do coronavírus não ser imediatamente resultante de catástrofe ambiental, mas sim de um agente patogênico altamente infeccioso, é certo que, mediatamente reflete o caos ambiental e suas consequências se difundiram pelo mundo como efeito dominó4. No contexto atual, em que a sociedade está cada vez mais interligada em redes e globalizada, não há mais como se pensar em situações letais e de grandes magnitudes com consequências apenas locais.

A visão holística e sistêmica da natureza, em que o conjunto é a soma das partes, nunca pareceu se enquadrar tanto quanto ao atual (CAPRA,1993). Pode-se dizer que o coronavírus é parte de uma ampla crise no modelo civilizatório, pautado no consumo exacerbado e na segregação social. Fala-se de uma crise que impõe estratégias de sobrevivência, sobretudo alimentares, a sociedades superpopulosas e desprovidas de recursos.

Dada a contextualização do tempo presente, um comércio que até então não era tão usual no Brasil, está se inserindo no mercado como uma das grandes tendências mundiais contemporâneas. Trata-se da compra e venda de itens usados, ou “consumo consciente”, “moda circular”, “consumo sustentável”. Enfim, apesar das nomenclaturas distintas, é certo que se trata tudo da mesma coisa: a ascensão do que antigamente se chamava brechó.

A pegada de valorização do meio ambiente e diminuição dos seus impactos, juntamente do apelo ao desenvolvimento sustentável, está tendo grande aceitação por boa parte da população, inclusive nas classes mais altas. O marketing utilizado é claro, na medida em que se associa sustentabilidade com comunicação empresarial, resultando em campanhas que chamam atenção pela “boa imagem” que tais brechós conseguem passar. A promoção da imagem se torna uma jogada estratégica, eis que até então os brechós eram considerados apenas como comércio de itens usados.

A estratégia de marketing foi crucial para o rompimento da conotação negativa que o brechó possuía no passado, em que era visto como um lugar de “coisas velhas”, “feias” e “destinado para a classe menos abastada”. A inserção de uma nova nomenclatura, qual seja second hand, também faz parte dessa reconstrução da imagem do brechó. Isto porque, se outrora este era o lugar para o descarte das coisas velhas, neste momento o second hand passa a ser a reutilização de peças de forma sustentável. Parece besteira, mas a diferença de nomenclatura aliada à propaganda, deu certo e até mesmo as classe A e B aderiram à nova moda abertamente.

Tal constatação foi possível pela análise do discurso dos brechós, pois frequentemente nos stories dos perfis no instagram dos brechós, há o repost de pessoas famosas e endinheiradas afirmando que compraram neles. Além disso, o investimento na ferramenta de propaganda contemporânea, qual seja, nas redes sociais e nos digitais influencers, possibilitou a reinvenção dos brechós.

Neste sentido, essa nova espacialidade geográfica, a virtual (redes sociais) tem se inserido cada vez mais como uma poderosa ferramenta de reprodução do capital. Pelo espaço, há de se considerar o conceito baseado na geografia crítica e pós-moderna, que atribui a realidade espacial elementos que modificam sua estruturação. Isto, pois, a visão de espaço lógico-positivista da Geografia Tradicional tinha “uma visão limitada de espaço, pois, de um lado, privilegia-se em excesso a distância, vista como variável independente” (CORRÊA, 2000, p. 22-23). Logo, não se pode analisar o espaço geográfico atual sem considerar as modificações que as relações sociais trazem.

O conceito de espaço utilizado neste artigo é compreendido, como palco das relações sociais e, como sinônimo da organização espacial. É aquele composto por elementos fixos, que “fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar” e elementos fluxos, que “recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar” (SANTOS, 2006, p.38). A espacialidade virtual, portanto, é o fluxo que renova e modifica as condições sociais e ambientais da pós-modernidade.

Ainda na conceituação de Milton Santos (2010), o espaço atual é rápido e fluido pois a velocidade instantânea do sistema de informação acelerou e banalizou os eventos eis que estes acontecem na velocidade da informação. A fluidez tornar-se-ia virtual, na medida em que a mesma notícia passou a ser dada instantaneamente e para todos países do mundo. Assim, youtubers, influencers, artistas e celebridades passaram a divulgar fluidamente o second hand, o que permitiu atingir público diversificado.

Aliada à ideia de que o consumo consciente é a última tendência mundial. A Suécia foi a pioneira em abrir um shopping center voltado somente para peças usadas, o ReTuna, em 2015 (VOGUE, 2021). Além disso, o mercado de usados cresce tanto que marcas poderosas e tradicionais já lançaram suas plataformas onlines de second hand, como é o caso da Levi´s (https://www.secondhand.levi.com/) e a Gucci que firmou parceria com o site TheRealReal e oferece peças consignadas próprias (ESTEVAO, 2021).

O crescimento do second hand, chegou a 200% em 2019, segundo a reportagem da IstoÉ. A proprietária do Brechó Troca de Luxo que tem como carro-chefe, a venda de bolsas, comenta que: “Em um evento num clube da alta sociedade, uma senhora pegou uma bolsa que estava à venda. Quando falei que era usada, ela largou com repulsa. Hoje é o contrário, as pessoas querem tê-las” (PURCHIO, 2019, s.p). Já o “Troc”, brechó online, bateu o “faturamento de R$1 milhão em apenas 10 meses, a marca proporciona economia, consumo consciente e rotatividade das peças” (EMPREENDEDOR, 2018, s.p).

Os proprietários do Troc, de Curitiba (PR), afirmam que grande parte do sucesso do second hand se dá tanto pelo apelo das celebridades e influenciadores digitais nesse comércio, juntamente à economia financeira que se consegue fazer, eis que existem peças que chegam a custar 20% do valor original da loja. Dados recentes, lançados em 2020, afirmam que o Troc antes mesmo de completar 3 anos já faturou R$ 10 milhões de reais (LUCIANO, 2020).

A economia financeira também é outro motivo que faz com que o second hand se consolide como uma forte tendência. Isto, pois, itens usados possuem preço consideravelmente menor quando comparado ao novo. Mais do que isso, a possibilidade de comprar algo de marca e de luxo por um preço atraente ganhou adeptos na maior parte do mundo. Assim, se por um lado as pessoas passaram a consumir mais itens de luxo graças ao preço acessível e facilidade no pagamento, por outro, a popularização das marcas de alto luxo está se tornando realidade atualmente. Outrossim, há um irrefutável vínculo consumista seja nos brechós ou nas lojas first hand.

Entrementes, apesar da popularização dos itens de grife, o comércio second hand tende a ser um caminho sem volta no mundo. Isto porque, para além da aquisição de itens, é também uma possibilidade de ganho financeiro aos itens parados no guarda-roupa. Com a ideologia da descartabilidade inseminada no tempo presente, o second hand ganha forças graças a sua alta rotatividade de itens, tendo sempre novos “desapegos” e público comprador.





BOLSAS DE GRIFE E SECOND HAND NO BRASIL


A bolsa foi o objeto de estudo do artigo. Não que o second hand não comercialize outros produtos de grife tais como sejam roupas, sapatos e acessórios, porém, o que se observou é que a bolsa é o item disparadamente mais vendido. O motivo, talvez seja porque é um dos instrumentos de hierarquia social e “expoente de classe” mais visível da vestimenta (LIPOVETSKY, 2009; BOURDIEU, 1998).

A bolsa, é uma forma de materialização do poder simbólico do sujeito, na medida em que lhe garante prestígio e reconhecimento entre aqueles usuários daquele item. As grifes, deste modo, fazem parte da alta costura e do mercado de luxo. Seu desejo para além do valor de troca é o valor simbólico. Até mesmo porque, bolsas muito requisitadas possuem filas de espera, mesmo com preços semelhantes a carros de luxo. Assim, tal item torna-se indispensável ao grupo social, que estabelece o ter acima do ser (LIPOVETSKY, 2009; BOURDIEU, 1998).

Em um primeiro momento, utilizou-se da metodologia de revisão de literatura, reportagens e matérias jornalísticas. Posteriormente, para entender o funcionamento desse mercado, se utilizou da análise do discurso dos brechós nas redes sociais. Isso porque, são nas redes sociais, em especial o Instagram, que maior parte das divulgações acontecem. Juntamente dos grupos de WhatsApp, as transações ocorrem diariamente e a venda de itens mais cobiçados chega a ocorrer em menos de cinco minutos.

A maioria dos brechós sequer possuem o espaço físico e utilizam as redes sociais como instrumento de divulgação dos seus produtos. Assim sendo, a análise do discurso é a ferramenta que se viu ideal para o caso, eis que a divulgação vai além da retórica e do discurso do divulgador. Juntamente dos gestos, fala, o induzimento à pegada sustentável e, o look combinado com o item, consegue incutir o apelo da venda com a ideia do luxo.

Deste modo, a utilização da análise do discurso no artigo se mostra válida na medida em que o second hand está além da prática social do tempo presente, pois demanda também compreensão e interpretação heterogênea do objeto da pesquisa em conjunto com o contexto inserto.

Para Foucault (2008), o discurso é um conjunto articulado de enunciados, reproduzidos em condições específicas. Neste sentido, o discurso se materializa no ato da fala, porém fazer aparecer mais do que foi apresentado, cabe ao pesquisador. Isto porque, ao discurso também estão inclusos elementos importantes que nos remetem a conteúdos e representações. O que se pretende, portanto, é ultrapassar os stories5 que divulgam itens à venda e analisar no discurso o marketing ambiental, o preço e a valorização da grife.

Há de se mencionar também, a qualidade e a durabilidade de algumas peças de luxo, em especial as bolsas. Isto pois, além do trabalho ser feito manual e de vários artesãos trabalharem na confecção, muitas grifes ainda fazem testes de resistência ao produto. Tais considerações são significativas, pois no mercado de second hand, itens antigos, porém bem conservados, continuam a ter valor significativo. Um exemplo claro desta fórmula é a grife Louis Vuitton:


(...) qual a fórmula de sucesso da Louis Vuitton? A resposta começa pelo próprio presidente da grife. À frente da LVMH desde 1989, ano da virada, Bernard Arnault foi o responsável pela reformulação da grife. Ele introduziu uma dose de modernidade nas coleções e tornou os processos mais eficientes. Arnault aliou a tradição da mão-de-obra artesanal, marca da empresa desde os tempos de Napoleão III, à tecnologia de ponta na produção. Os equipamentos que testam as bolsas da marca, por exemplo, são o que há de mais moderno no setor. Os testes para avaliar a resistência dos produtos vão de máquinas de raio ultravioleta a equipamentos que abrem e fecham o zíper das bolsas 5000 vezes. O mesmo cuidado é tomado com a matéria-prima usada na fabricação dos produtos. A Louis Vuitton é proprietária de todas as fazendas de gado cujo couro abastece suas fábricas. (NOGUEIRA, 2010, s.p).

Logo, ainda que antigas e pertencentes às coleções passadas, peças de grifes de luxo cobiçadas continuam sendo desejadas. Paralelamente a isso, há outro apelo de marketing, que é o retorno ao vintage e a ideia de exclusividade e autenticidade com estilo. Além disso, a possibilidade de encontrar peças de edições limitadas e/ou raridades também são outras estratégias de marketing desses brechós, pois tratam-se de peças não mais produzidas.

No que tange ao Instagram, o público alcançado é muito diversificado. Enquanto que os grupos de WhatsApp dos brechós, o número de clientes ou consumidores potenciais é restrito e, por isso, são compostos por pessoas que têm o hábito de comprar itens usados. A divulgação ocorre primeiramente em grupos de WhatsApp e aos itens não vendidos precipuamente lá, têm suas respectivas publicações via Instagram. A venda no Instagram também pode-se considerar rápida, eis que que tais postagens conseguem alcançar grande número de pessoas.

A venda das bolsas de grife nos brechós, não pode ser considerada insignificante, pois dados mostram que o mercado de bolsas teve uma queda de 20% nos primeiros oito meses de 2019, segundo pesquisa da NPD Group, empresa norte-americana de pesquisa de mercado. Tal evidência se mostra relevante para o artigo pois além de apontar uma mudança no comportamento das consumidoras de bolsas, discorre que um dos motivos para a queda é a ascensão dos brechós de luxo e o consumo de bolsas usadas (ESTEVAO, 2019).

Seguindo tal projeção, a empresa ThredUp 2019, aponta que até 2028, o mercado da second hand ultrapassará o fast fashion, sendo que nesta previsão, é apontado uma diferença de US$ 20 bilhões a mais no valor do mercado para os brechós, quando comparado ao padrão de consumo atual (FARAH, 2019). Deste modo, os brechós atuais se consolidam como um mercado forte e consolidado, bem como importante de ser estudado.


REFLEXÕES ACERCA DO FUNCIONAMENTO DOS BRECHÓS


Mas como saber que não estou comprando algo falsificado? Primeiramente, há de se esclarecer como funciona a intermediação nesses brechós. Como é sabido, as falsificações em itens de luxo são muito presentes nos dias atuais. O desejo de consumo despertado pela propaganda, como bem explica David Harvey (2007), faz com que até mesmo as camadas sociais mais empobrecidas da população desejem um item de luxo. Produto este, desenvolvido exclusivamente à classe mais abastada, como símbolo de reconhecimento social e de capital social.

A falsificação, neste sentido, nada mais é do que a técnica, que satisfaz o desejo daquele que não possui condições de comprar o novo, mas que ainda assim quer o status daquele produto de grife. Ocorre que, a este consumidor não assíduo de produtos de grife e até mesmo para um olhar desatento, a possibilidade de se comprar um produto falso achando ser original é grande. Atualmente, as falsificações estão cada vez mais desenvolvidas, chegando a colocar em xeque a autenticidade dos produtos, até mesmo do consumidor mais exigente.

Evidentemente que para um profissional, muitas falsificações são facilmente detectadas, outras nem tanto, mas ainda assim, reconhecidas. Não se pode falar o mesmo do consumidor, o qual muitas vezes se encontra em posição de vulnerabilidade frente às artimanhas mercadológicas da venda, especialmente no e-commerce. Além dos casos de fraudes, estelionatos e outros crimes muito presentes no meio cibernético, é fato que nesse mercado de luxo as falsificações são muito presentes. E mais, como o contato com a peça se dá exclusivamente por fotos, todo cuidado é pouco.

Além disso, ao consumidor desatento, a compra de um item falsificado, pode ser descoberto ulteriormente ao prazo de reclamação/devolução ou após sua utilização deixando-o com muitas marcas de uso. Como se não bastasse, ainda existe a possibilidade daquele que comprou um item falsificado não encontrar na legislação, instrumentos eficazes para reverter a situação, eis que, o ônus probatório acaba recaindo naquele que alega que foi enganado (artigo 373, I, do Código de Processo Civil, afirma que “o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito”) (BRASIL, 2015).

Ora, ainda que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) possibilite a inversão do ônus da prova (segundo o artigo 6º, VIII do CDC “haverá a inversão do ônus da prova ao consumidor, quando, no processo civil, for verossímil a alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente na relação de consumo”), é possível que o Brechó não se enquadre nas relações consumeristas por alegarem que não são fornecedores, mas mero intermediadores de itens usados. Por fornecedor, o artigo 3º do CDC define como aqueles que “desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (BRASIL, 1990).

A divergência de conceitos pode ser um entrave na hora de uma demanda judicial e a anulação do negócio jurídico acarreta em um desembolso financeiro para a vítima. Na prática, a via judicial pode não ser compensadora. Os entraves legais para provar uma transação enganosa podem ser um empecilho daquele consumidor enganado reaver seu dinheiro, restando-lhe apenas a conformação. Sequer mencionam-se aqui os custos com advogado para o ingresso judicial. Como tal assunto é relativamente novo, não existe uma jurisprudência consolidada sobre o mesmo.

Em verdade, comprar itens de luxo em brechós haveria de ser um negócio arriscado ao consumidor mais leigo e que não compra itens caros de maneira contumaz. Para solucionar a questão, os brechós de luxo que vendem online partiram para a ideia de autenticar o item de luxo. De modo efetivo, o brechó recebe o produto, higieniza, autentica, emite um carimbo de certificação quanto a sua originalidade e só então divulga-o. Deste modo, os brechós passam credibilidade ao consumidor, o qual acredita na autenticação dos experts no assunto.

A originalidade garantida ainda vem junto da possibilidade de devolução do produto, já que grande parte dos brechós dão o prazo de 7 (sete) dias para tanto. Igual ao prazo denominado de arrependimento”, garantido no CDC, para as compras realizadas fora do estabelecimento físico (artigo 49, CDC).

Logo, ao comprar em um brechó de luxo, paga-se não apenas o produto em si, mas também a comissão de venda para o profissional que analisou minuciosamente (muitos brechós contam com uma equipe técnica), observando as peculiaridades de cada marca, afim de garantir a autenticidade da mesma. O brechó ainda faz toda a publicidade para a venda do produto, ficando com 30% de comissão após a venda do mesmo (tal percentual pode variar, mas, todos os brechós analisados cobram isso).

Ao consumidor, só resta a satisfação de acreditar que está adquirindo o item dos seus sonhos, e com a autenticidade garantida por uma equipe profissional. Ao antigo proprietário, também é um bom negócio pois além de não precisar realizar esforços para a venda, ficando garantido seu anonimato, pois há de se considerar que muitas vezes antigos proprietários(as) podem ser pessoas famosas que preferem sigilo no desapego de determinadas peças.

Em contrapartida, existe também outra parcela de celebridades que fazem questão de anunciar seus desapegos, quais são e onde estão, afim de divulgar o brechó e, também, para vender rapidamente suas peças. Dentre estes, estão os influencers digitais que mais aderem ao mercado e divulgam suas peças. É o caso das blogueiras Thássia Naves (3,6 milhões de seguidores), Nati Vozza (1,1 milhão de seguidores), Val Marchiori (1,1 milhão de seguidores), e outras tantas que já anunciaram seus itens em brechós online como o Closet Care e o Troca de Luxo.

A forma de pagamento também é, muitas vezes, a porta de acesso às grifes de luxo daquele consumidor mais modesto, eis que, muitas marcas luxuosas não parcelam ou se o fazem, são em poucas vezes, como é o caso da Louis Vuitton, que fraciona o pagamento em no máximo em 3 vezes. Uma das bolsas mais famosas da grife, introduzida no mercado desde 1930 e considerada pela marca como “icônica” e “atemporal”, a Speedy, por exemplo, custava R$ 6.650,00 em março de 2021, a mais barata e menor da categoria, tamanho 25. Neste sentido, para muitas pessoas que desejam esse produto, a parcela de R$ 2.216,66 pode ser um sonho distante, bem como o pagamento à vista, uma realidade improvável.

A escolha da Louis Vuitton foi proposital, pois é uma das poucas grifes de luxo que vendem online no próprio site, sendo também, considerada pelos consumidores mais assíduos de grifes como “a porta de entrada para outras grifes” ou ainda, a marca dos sonhos da maioria das pessoas, em especial daqueles que não são acostumados a comprar itens de luxo. As famosas logos e os monogramas da marca são conhecidos há décadas e a sua popularização também pode ser atribuída ao grande número de itens falsificados que a grife enfrenta.

Para Halzack (2015) grandes grifes como Louis Vuitton, Gucci e Prada estão sofrendo quedas de consumidores endinheirados em virtude do fato dos seus monogramas estampados serem consideradas “cafonas” por alguns. Ainda é abordado que aquele rico consciente prefere não demonstrar, ou melhor, não escancarar o fato de que está andando com um item extremamente caro. Pessoas que andam costumeiramente de grife, reconhecem-se, não precisando anunciar uma bolsa ou um item de mais de quatro dígitos.

Independente do gosto pessoal sobre monogramas ou não, o fato é que nos brechós de luxo, a grife Louis Vuitton é sempre muito cobiçada, sendo a mais vendida entre as outras marcas e por isso, seus itens têm uma grande rotatividade. Tal informação foi obtida no discurso dos brechós, como o Cansei Vendi. Mediante a análise do discurso, vislumbrou-se também que determinados modelos de bolsas e determinadas marcas possuem maior saída que outras.

Grifes como Louis Vuitton, Gucci e Chanel ficam entre os que vendem mais rapidamente, sendo alguns itens extremamente concorridos, como é o caso das bolsas modelos Speedy e Neverfull da grife Louis Vuitton; modelos Marmot e Soho da grife Gucci; e, por fim, aos consumidores mais endinheirados, os modelos Classic Flat e 2.55 da Chanel, chegando a custar mais que R$ 30 mil.

Quanto aos brechós de luxo analisados, estes foram separados pelas seguintes categorias, sendo que os valores entre parênteses se referem ao número de seguidores atuais no Instagram (dez/2020):

a) maiores vendas nos sites, sendo eles: Etiqueta Única (450 mil), Cansei Vendi (275 mil), Peguei Bode (251 mil), Closet Care (206 mil), Resolvi Desapegar (178 mil), Inffino (79,9 mil) e Espaço Vintage (21,2 mil);

b) maiores vendas pelo Instagram: Top Luxo (151 mil), Desapego Legal (150 mil), Troca de Luxo (123 mil), Glamour Popular (46 mil);

c) maiores vendas pelo WhatsApp: Desapego do Luxo (108 mil); Brechó Daniela Volpe (85,2 mil), Brechó Closet de Luxo (80,9 mil), Renovando o Luxo (63,9 mil), Brecchic (40,3 mil), Clube Brechó (39,4 mil) e, Luxo Inteligente (18,7 mil).

Todos os brechós citados, foram analisados em torno de 4 meses, sendo que os de grupos no WhatsApp a análise considerou: a) a divulgação dos itens (aqui analisando o estado de conservação da peça e a qualidade do marketing); b) a rotatividade dos mesmos; c) a rapidez nas vendas; d) preço; e) facilidade de pagamento; f) envio para outras cidades. De antemão, já se verifica que todos os brechós citados enviam os produtos para o Brasil inteiro, bem como todos parcelam (alguns em até 6x, outros em 10x e outros em 12x). Ademais, todos dão descontos para o pagamento à vista (a maioria 10% menos que o valor anunciado).

Quanto ao frete, poucos oferecem gratuitamente, isso ocorre apenas em ocasiões especiais ou por meio de cupons de desconto. A maioria, no entanto, possui um frete caro, o que, por vezes, torna inviável a venda daqueles que moram em outras cidades. A justificativa para o frete ser tão caro, como já expôs publicamente a proprietária do brechó Glamour Popular, é que grande parte dos brechós prefere se resguardar quanto a extravios e perdas de mercadorias. Como esses brechós são intermediadores, muitos assumem a responsabilidade do produto e, por isso, todo o envio é realizado mediante o pagamento de seguro pelo correio, o qual aumenta o preço. Assim como a dimensão e o peso do produto também encarecem o envio.

Nesse sentido, os fretes acabam sendo muitas vezes um dos vilões nas transações, pois podem inviabilizar o negócio. O envio de um simples lenço da Louis Vuitton, ou Twilly, que tem pouco peso, custa R$ 74,17 (SEDEX/Correios) pelo brechó (Glamour Popular). O preço do lenço estava anunciado por R$ 949,00 à vista, ou 12x R$ 95,00. Na prática, o parcelamento mais o frete, torna o produto mais caro que no próprio site da Louis Vuitton (anunciado em dez/2020 por R$ 1.200,00). A diferença, no entanto, é que no site tal valor não pode ser parcelado, enquanto que o brechó facilita em até 12 vezes, em uma parcela atrativa. Mesmo sendo comum a cotação do frete ultrapassar os R$ 100,00 reais, muitos consumidores fecham o negócio em decorrência do estado da peça e da garantia da autenticidade.

No que tange à rapidez das vendas, há de se levar em conta o modelo anunciado (itens mais desejados), juntamente de seu estado de conservação e do preço. Nesse sentido, peças em bom estado e com mais itens (por exemplo dustbag6, cartão de autenticidade, caixa e sacola), tendem a valor mais do que os com sinais de uso e sem seus acompanhamentos. Quanto mais completa for a peça, maior seu valor, sendo seu ano de fabricação, muitas vezes relativizado. O uso, por sua vez, anda junto da conservação da bolsa e não necessariamente com o ano em que a peça foi confeccionada. Itens em bom estado de conservação (muitas vezes novos) e completos, chegam a custar um valor próximo de um item novo (na loja), mas são mais atraentes porque possuem facilidade no pagamento.

O preço de cada peça é muito relativo. Salvo algumas peças que tem rotatividade alta e existe certo consenso de preço entre os brechós, outras são anunciadas com a concordância do brechó e do dono do item. Muitas vezes, a não venda do item leva forçosamente o(a) proprietário(a) diminuir o preço inicialmente anunciado. O que é impressionante, no entanto, é que mesmo algumas peças sendo muito antigas, o simples fato delas pertencerem a determinada grife, ainda encontram valor significativo agregado. É o caso da bolsa Speedy 25, da Louis Vuitton, colocadas à venda no site do Brechó Top Luxo:

Fonte: Top Luxo, disponível em https://www.topluxo.com.br/categoria-produto/bolsas/louis-vuitton/. Acesso em 14 de dezembro de 2020.


Enquanto que a primeira bolsa se refere a sua fabricação no ano de 2012 (informação verificada pelo Código Interno da bolsa), a segunda possui o ano de fabricação datado em 1995. A pequena diferença no preço de ambas, não se dá no ano, mas sim no estado de conservação do couro e do canvas (lona exterior da bolsa), bem como nos itens de acompanhamento da bolsa. A primeira Speedy acompanha o cadeado da marca (item que vem com a bolsa), enquanto que a segunda não. O preço da bolsa nova, no site da Louis Vuitton é de R$ 6.650,00 e o parcelamento é possível no máximo em 3 vezes. O Brechó Top Luxo, no entanto, oferece parcelamento em até 10 vezes e frete grátis para compras acima de R$ 2.000,00.

Os valores desse modelo de bolsa da Louis Vuitton estão um pouco abaixo também pela alça bem escurecida. Um modelo em melhor estado de conservação e completo, com o cadeado, chaves e dustbag, fica entre R$ 4.000,00 e R$ 5.000,00. Conforme é possível visualizar no site Etiqueta Única, uma bolsa Speedy 25 do ano de 2015, com couro mais conservado e claro, acompanhada dos itens de dustbag, cadeado e duas chaves, possui valor promocional de R$ 4.091,08 (anunciada primeiramente por R$ 4.500,00), parcelada em 10 vezes.

Se considerar os valores dos itens e das parcelas, é seguramente possível afirmar que a compra de itens de luxo não é mais uma exclusividade das classes mais altas. Atualmente, com a disseminação dos brechós de luxo, aqueles consumidores mais exigentes, que sonham em ter um produto de grife e original, podem ter seus sonhos transformados em realidade.

Se o consumidor procurar muito, é possível encontrar produtos vintages a preço bem atrativo. Na análise do discurso, chegou-se a encontrar, em dezembro de 2020, bolsas Fendi por R$ 970,00, Dior por R$ 1.290, Louis Vuitton por R$ 1.200. Bolsas de diversos formatos, modelos, ocasiões e em bom estado de conservação, por um preço mais acessível. Uma bolsa da grife Fendi, em parcelas de R$ 97,00, só é possível nesse tipo de mercado, dado que a marca possui valor bem elevado.

Uma das características da modernidade, também é vislumbrada na infinidade de possibilidades que a internet oferece. Se antigamente era extremamente difícil achar algo que "prestasse” ou com valor simbólico agregado nos Brechós e, dependendo da cidade em que se morasse, nem opção havia, atualmente o consumidor pode “passear” nos brechós do Brasil inteiro. A comodidade de analisar fotos, vídeos e detalhes das bolsas, sem sair de casa, é realmente uma das grandes vantagens dos brechós de luxo online.

Por outro lado, percebe-se que a existência dos brechós de luxo não depõe contra o comércio direto das grifes de luxo. A facilidade de compra por camadas menos abastadas, como evidenciado neste tópico, acaba por reforçar a imagem das grifes, tornando-as cada vez mais objeto de desejo, inclusive de pessoas cuja relevância da grife poderia ser desconsiderada. Este devir, associado à expansão das redes de comércio eletrônico, têm ressignificado a noção de pertencimento entre classes.


PANDEMIA GLOBAL E PREÇOS: COMO ISSO INFLUENCIOU O SECOND HAND?


A pandemia do coronavírus (COVID-19) em 2020 abalou o comércio mundial como um todo. Além de muitas empresas terem sido levadas à falência, outras tantas tiveram prejuízos milionários. Neste caminho, a saída que muitas grifes de luxo encontraram para manter seu prestígio, bem como para recuperar o prejuízo no declínio das vendas, foi apostar no reajuste de preços. As bolsas da Chanel, por exemplo, em seus modelos mais icônicos, tiveram um aumento global entre 5 a 17%7 (ETIQUETA ÚNICA, 2020). No Brasil, alguns modelos mais desejados da grife estão custando perto de R$ 60 mil, valor de um carro popular no país.

A grife Louis Vuitton também aumentou o preço das suas bolsas visando compensar o prejuízo causado pelo COVID-19. Segundo Reuters API (2020, s.p), os aumentos podem ser ilustrados na bolsa Neverfull MM Monogram da LV, que atualmente custa 1.500 dólares no site, porém “custava 1.430 dólares no início de maio e 1.320 dólares no final de outubro, um aumento geral de quase 14%”.

Ora, o mesmo percebe-se pelo exemplo da bolsa Neverfull MM Monogram no Brasil. No começo de outubro de 2020, o preço da mesma beirava em R$ 7.550,00, enquanto que em dezembro de 2020, a mesma bolsa custava R$ 8.300,00 e R$ 8.500,00 em março de 20218. O significativo reajuste, impactou também os valores das bolsas nos brechós, que meses atrás encontrava a mesma bolsa em ótimo estado de conservação em um valor que variava entre R$ 3.000 e R$ 5.000.

Atualmente, em uma rápida busca online pelos brechós, a mesma bolsa usada, em bom estado de conservação, é facilmente encontrada por mais de R$ 5.000. E, mesmo com a elevação do preço, o modelo é vendido rapidamente, tanto por ser recorde de vendas da grife, quanto pela economia de alguns mil reais. Nesse sentido, é fato que, aquele que adquire uma bolsa deste modelo, se permanecer alguns anos com ela e zelar pelo produto, muito possivelmente irá vender por mais do que pagou.

A realidade do investimento em bolsas de luxo é uma tendência muito divulgada nas redes sociais. Influenciadores digitais e celebridades abordam sobre o tema com frequência. A Revista Vogue, em 2016, lançou a seguinte reportagem: “Comprar uma bolsa da Chanel é um verdadeiro investimento e pode render lucros percentuais superiores aos de imóveis e da poupança” (PORFIRIO, 2016). Como no site da Chanel os preços das bolsas não são disponibilizados, bem como não existe vendas onlines da marca, não há como pesquisar atualmente os valores em reais das bolsas mais icônicas da grife. Entretanto, o gráfico abaixo confeccionado pela empresa Baghunter, em 2016, ilustra os aumentos dos preços:


A evolução dos preços da bolsa 2.55 da Chanel

(BAGHUNTER apud PORFIRIO, 2016).


Pelo gráfico acima, percebe-se o incrível aumento de uma bolsa Chanel Medium Classic Flap desde 1955, até o ano da divulgação da pesquisa, qual seja em 2016. A atualização desses dados, para 2020, pós reajuste de preço da pandemia, aponta 6,500 dólares como novo valor (reajuste de 12,1% do preço antigo, divulgado como 5,800 anteriormente).

A divulgação desses valores pelo site da Etiqueta Única em 2020, torna possível perceber que desde 2016, esse mesmo modelo de bolsa teve um aumento significativo de 1.600,00 dólares, ou ainda, um aumento de quase 24% em apenas 4 anos. O que se pode afirmar, nesse sentido, é que investir em uma bolsa Medium Classic Flap da Chanel, certamente é mais rentável do que os juros da caderneta de poupança (apontados em dezembro de 2020 como aproximadamente 2% ao ano, segundo o Nubank).

Neste sentido, o considerável aumento das grifes de luxo mais cobiçadas, acabaram por impulsionar e aquecer o second hand. Por isso, acredita-se que se trata de uma realidade consolidada, na medida em que as altas constantes nos preços das bolsas de grife ascendem a ideia de que bolsa, atualmente, é um investimento e não apenas um item de luxo. Ou seja, comprar bolsa de grife pode ser lucrativo também.

Paralelamente a isso, aquele consumidor que sonha com item de determinada grife, mas não pode pagar o preço do novo em loja, existe a opção de comprar os mais vintages e de coleções passadas. Munidos da ideia de que se comprou a peça de desejo original e por um preço acessível, juntamente da possibilidade de parcelamento, o second hand tornou-se sucesso para as mais variadas classes de consumo no país.


DECRESCIMENTO, PENSAMENTO DECOLONIAL E ECONOMIA ECOLÓGICA


Vários autores desacreditam a sustentabilidade como possibilidade de menor agressão à natureza. Muitos ponderam que esta expressão virou uma verdadeira moda ambiental que não faz nada a não ser “diminuir”, quando muito, os impactos ambientais do homem no planeta.

Para estes autores, o antropocentrismo deve ocupar o centro do debate, de modo que ele tem sido objeto de revisão acadêmica em frentes interdisciplinares (como há de ser). Os conceitos emergentes relacionados com a preservação da natureza levam em consideração sua finitude, o racismo ambiental do norte global para com o sul, o pensamento decolonial e ideias de decrescimento. Em síntese:


O objetivo não é tornar um elefante mais magro, e sim transformar um elefante em uma lesma. Em uma sociedade do decrescimento, tudo será diferente: atividades diferentes, diferentes formas e usos de energia, relações diferentes, papéis de gênero diferentes, diferentes alocações de tempo entre trabalho remunerado e não remunerado, diferentes relações com o mundo não humano. (KALLIS; DEMARIA; D’ALISA, 2016, p. 24).


Pode parecer utópico apostar no decrescimento, mas não é. São infinitas e sólidas ideias que surgem no âmago das sociedades, sobretudo aquelas expropriadas, despoderadas, marginalizadas e que se encontram efervescentes. Parte-se da premissa que o atual modelo civilizatório pautado no consumo não se sustentará por muito tempo, pela clara e simples razão de que a natureza é finita, portanto, ela estabelece os limites da sociedade humana.

Destarte, não se fala em alternativas de desenvolvimento, mas de alternativas ao desenvolvimento (ACOSTA, 2016). Em muitas abordagens da questão ambiental, o termo desenvolvimento, inclusive, é substituído por “florescer”.


Nós também preferimos usar palavras como “florescer” quando falamos de saúde ou educação, em vez de “crescer” ou “desenvolver-se”. A mudança desejada é qualitativa, como no florescimento das artes; não é quantitativa, como no crescimento da produção industrial. (KALLIS; DEMARIA; D’ALISA, 2016, p. 26).


O interesse pelas bolsas de luxo, como retratado neste artigo pela proliferação dos brechós, ou pelo anglicismo “second hand”, aponta que ainda há uma forte herança colonial nas sociedades periféricas. Acosta (2016) aponta que a colonização se deu basicamente em três frentes: a colonização do ser, do poder e do saber, nas palavras do autor:


A partir de 1492, quando a Espanha invadiu com uma estratégia de dominação para a exploração a região que após a chegada dos conquistadores passou a se chamar América, impôs-se um imaginário para legitimar a superioridade do europeu, o “civilizado”, e a inferioridade do outro, o “primitivo”. Neste ponto emergiram a colonialidade do poder, a colonialidade do saber e a colonialidade do ser, que não são apenas uma recordação do passado: estão vigentes até nossos dias e explicam a organização do mundo, já que não são um ponto fundamental na agenda da Modernidade. (ACOSTA, 2016, p. 63)


O colonialismo, associado à globalização, permanece pujante na sociedade brasileira, de modo que o mercado global e marcas de luxo provenientes do velho mundo possuem significação majorada, em detrimento da produção local/nacional. Criou-se um imaginário (de consumo) desde o Sul de que o estilo de vida do Norte Global é o ideal.

É preciso, portanto, decolonizar o imaginário, avançar em outras frentes de se pensar a vivência social, especialmente em um país que caminha dia após dia para tempos econômicos sombrios. Os brechós de luxo representam uma perpetuação de um modo de vida insustentável, calcado em valores que não são os mais corretos para suplantar as desigualdades brasileiras.

Obviamente que se propõe demonizar os comércios de segunda mão, eles possuem suas qualidades, por outro lado, a expansão dos comércios de segunda mão quando restritos ao luxo revelam-se mecanismos/reinvenções do capital de fixar-se no seio da sociedade, mesmo quando as condições não lhe são favoráveis. Ora, se não é possível pagar 60 mil reais em uma bolsa de grife, é preciso que o capital e os seus protagonistas articulem estratégias de fazê-las parecer mais acessíveis, cujo mote clássico recorrente tem sido a pegada do “ambientalmente correto” ou coisa do gênero.

Ainda, deve-se considerar que a forma eletrônica de comércio é mais uma das estratégias do capital. Alier (2018) aponta que o capital solicita novos territórios o tempo todo, mesmo que este avançar tenha como resultado a degradação irreparável da natureza, como se observa em muitos lugares do mundo, especialmente nos países da América Latina, que são amplamente explorados por nações ricas.


O resultado tem sido uma tremenda perda de diversidade. A simplificação planetária da arquitetura, da indumentária e dos objetos da vida diária salta aos olhos; o eclipsamento paralelo de linguagens, costumes e gestões diversificados, porém, é menos visível; e a homogeneização de desejos e sonhos ocorrem profundamente no subconsciente das sociedades. O mercado, o Estado e a ciência, têm sido as grandes potências universalizantes: publicistas, especialistas e educadores foram implacáveis em expandir seu reino. Naturalmente, como nos tempos do líder asteca Montezuma, os conquistadores com frequência foram calidamente recebidos, mas só para logo fizerem sentir sua dominação. O espaço mental em que as gentes sonham e atuam está ocupado hoje em grande medida pelo imaginário ocidental. Os vastos sulcos da monotonia cultural que herdamos são, como em toda monocultura, tanto estéreis quanto perigosos. Eliminaram as inúmeras variedades de seres humanos e converteram o mundo em um lugar desprovido de aventura e surpresa. O “outro” desapareceu com o desenvolvimento. (ACOSTA, 2016, p. 89-90, grifo nosso).


Como o “lugar de fala” deste artigo insurge do contexto latino-americano, não há como se deixar ingenuamente levar pela aparente face benéfica dos comércios eletrônicos de luxo. Assim como se se discutiu no início, trata-se de uma estratégia de marketing e que converge em uma imaginária homogeneização da pluralidade cultural latente no mundo.

Para tanto, recobra-se insistentemente por uma epistemologia do sul que seja capaz de ouvir vozes silenciadas pela expansão de um ideário monocultural, tal qual planejam as engrenagens do capital (SOUSA SANTOS, 2011). Trata-se de trazer para a frente do debate as ausências e emergências, sendo que nelas estão as múltiplas formas de se pensar o mundo, que agencia também comunidades despossuídas com seus desejos e hábitos, consequentemente, suas distintas formas de consumir e vestirem-se, bastante distantes das classes endinheiradas e do eurocentrismo.

Manfred Max-Neef e Ekins (1992) apontam um conjunto de 9 necessidades humanas, denominadas pelos autores como “satisfatores”, quais sejam: subsistência, afeto, proteção, entendimento, participação, ócio, criação, identidade e liberdade. Alier (2018) chama atenção para a necessidade de se incutir estas necessidades na agenda de estudos sociais, visando constantes questionamentos acerca do metabolismo social e dos predatórios hábitos antrópicos.

Talvez seja este o caminho para se interpretar a onda cool que está assumindo a frente do comércio em diferentes regiões do mundo, inclusive no Brasil. Mesmo as ideias aparentemente benevolentes em relação às classes sociais e à natureza devem ser passadas em revista e reinterpretadas com criticidade. A inquietação pautada na crítica é o fio condutor que todos os estudiosos sociais devem seguir.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


É fato que a ideia de comprar itens usados com o apelo voltado à sustentabilidade faz parte de outra forma de reprodução do capital. Assim como outros segmentos existentes, tais como a cultura, arte, moda, dentre outros, a questão ambiental também ascende no mercado a fim de suprir demandas mercadológicas. A reificação ambiental, é uma realidade no contexto dos brechós, na medida em que se visa a lucratividade em cima do sustentável.

O marketing ambiental que gira em torno dos brechós de luxo, também demonstram que não se trata apenas de pensar no meio ambiente, mas sim na reinvenção do comércio, perante a crise ambiental contemporânea. De carona com a pandemia com o COVID-19, o apelo da preocupação da natureza se mostra muito oportuno. A ideia de que o meio ambiente está conectado às outras formas de reprodução do capital se mostrou muito evidente já no início de 2020. O efeito dominó alastrado pela pandemia para todo o mundo, afetou todos os setores econômicos.

O second hand, neste sentido, nada mais é do que a reinvenção do brechó, porém em outra escala. A participação de todas as classes sociais, inclusive famosos, juntamente da rapidez e fluidez do mundo moderno, pode-se dizer que é algo novo e pouco explorado pelas ciências humanas. A nova realidade espacial virtual, também é outra novidade que não pode ser ignorada.

O brechó chique é, melancolicamente, o retrato da incapacidade de se enfrentar as situações concretas do sistema capitalista:


Estamos reduzidos ao papel puramente passivo de um observador impotente que apenas pode sentar-se e observar qual é seu destino. Para evitar semelhante situação somos propensos a entrar em uma desesperada atividade obsessiva – reciclar papel, comprar alimentos ecológicos ou fazer o que seja -, de forma que possamos estar seguros de que estamos fazendo algo, aportando nossa contribuição, como um torcedor de futebol que apoia sua equipe em casa, diante de uma tela de TV, gritando e saltando em sua poltrona, com a supersticiosa crença de que isso terá alguma influência no resultado (ŽIŽEK, 2010, p. 433) (tradução nossa).


Para além disso, o second hand não tem precipuamente uma preocupação ambiental. O conceito sustentabilidade tende a ser uma fábula instigadora ao comércio de itens usados, mas o poupamento dos impactos ambientais nem sempre ocorre, pois, para existir o second hand é necessário também a existência do first hand. No entanto, em uma hipótese ideal de queda exponencial no consumo de bolsas novas (first hand), certeiro e ano após ano, daí sim e somente aí pode-se falar em uma alternativa sustentável ao consumo desenfreado atual. Até lá, o papel do pesquisador social é ser telespectador (e, por vezes, crítico) dessa jogada ambiental reificada mercadológica.







REFERÊNCIAS


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1 Doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: barbara@mkruse.com.br. ORCID: 0000-0003-3564-5725.

2 Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: maxclarindo@hotmail.com. ORCID: 0000-0003-1615-4808.

3 Doutorando em Direito pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ). E-mail: mkruse@mkruse.com.br. ORCID: 0000-0002-9459-5644.

4 A questão a considerar é que os agentes patogênicos que sobrevivem em ambientes naturais, normalmente fora do espaço humanamente controlado, pela constante supressão de tais espaços, passam a invadir o ambiente humano e aí, assumem características de letalidade. O ser humano, na medida em que destrói os espaços naturais de sobrevivência de todas as outras espécies, acaba por tornar-se vulnerável a este outro mundo não humanamente controlado (MAYARA, 2020).

5 O stories ou histórias é um recurso desenvolvido pela rede social Instagram para compartilhar foto ou vídeo entre os amigos virtuais. O stories permanece no ar pelo prazo máximo 24 horas e depois é apagado automaticamente.

6 Dustbag é um saco de pano que acompanha itens de luxo com a finalidade de protegê-los. Alguns possuem tecido de algodão, outros poliéster a assim por diante.

7 A Chanel declarou para o site WWD que “Qualquer aumento de preços é implantado após uma cuidadosa consideração e que estes são necessários para que a marca continue a investir para manter seus padrões de criatividade e qualidade” (ETIQUETA ÚNICA, 2020).

8 Valor disponível no site da Louis Vuitton Brasil em 14 de dezembro de 2020 e em 19 de março de 2021 (https://br.louisvuitton.com/por-br/produtos/neverfull-mm-monogram-007653).

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R evista Desenvolvimento Social, vol. 27, n. 1, jan/jun, 2021

PPGDS/Unimontes-MG