https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v27n2p197-220
Vol. 27, n. 2, jul/dez, 2021
ISSN: 2179-6807 (online)
Revista Desenvolvimento Social, vol. 27, n. 2, jul/dez, 2021
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PANDEMIA E AUMENTO DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL:
DESAFIOS AO SUAS
Camila Pereira Lisboa
1
Resumo: Este artigo pretende contribuir para um debate sobre os impactos da COVID-19 no
aumento da desigualdade social brasileira e alguns desafios colocados ao Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) diante disso. Para tanto, são mencionadas algumas desigualdades
existentes no país, e como elas se agravaram com a chegada da pandemia. Para auxiliar na
compreensão de como o SUAS foi afetado, são citadas algumas normativas do governo federal
que voltadas a este sistema, publicadas no primeiro ano da pandemia, em 2020, no blog da Rede
SUAS. Por fim, conclui-se que tais normativas buscam ofertar paliativos para o aumento da
pobreza e da desigualdade de renda no país diante do coronavírus, mas que não visam ofertar
soluções de longo prazo para esse problema.
Palavras-chave: Pandemia. Desigualdade de renda. SUAS.
PANDEMIC AND INCOME INEQUALITY INCREASE IN BRAZIL: CHALLENGES TO THE UNIFIED
SOCIAL ASSISTANCE SYSTEM SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)
Abstract: This article will contribute to discuss the impacts of COVID-19 on Brazilian social
inequality and some increased challenges to the Unified Social Assistance System (SUAS) in the
face of this. For that, we mention some inequalities existing in the country, and how they
increased with the arrival of the pandemic. To help us to understand how SUAS was affected,
some federal government regulations aimed at this system are cited, published in the first year
of the pandemic, in 2020, on the SUAS Network blog. Finally, it is concluded that such regulations
seek to offer palliatives for the increase in poverty and income inequality in the country in the
face of the coronavirus, but they do not aim to offer long-term solutions to these problems.
Keywords: Pandemic. Income inequality. SUAS.
PANDEMIA Y AUMENTO DE LA DESIGUALDAD DE LA RENTA EN BRASIL: DESAFÍOS PARA EL
SISTEMA ÚNICO DE ASISTENCIA SOCIAL (SUAS)
Resumen: Este artículo contribuirá a discutir los impactos del COVID-19 en la desigualdad social
brasileña y algunos desafíos crecientes para el Sistema Único de Asistencia Social (SUAS) frente
a esto. Para eso, mencionamos algunas desigualdades existentes en el país, y cómo ellas se
incrementaron con la llegada de la pandemia. Para ayudar a comprender cómo se afectó el
SUAS, se citan algunas normas del gobierno federal dirigidas a este sistema, publicadas en el
primer año de la pandemia, en 2020, en el blog de la Red SUAS. Finalmente, se concluye que
dichas normas buscan ofrecer paliativos al aumento de la pobreza y la desigualdade en el país
frente al coronavirus, pero no pretenden ofrecer soluciones de largo plazo a estos problemas.
Palabras-clave: Pandemia. Desigualdad de la renta. SUAS.
1
Doutoranda do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-0933-1730. E-mail: camilalisboa@usp.br.
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POBREZA, DESIGUALDADE DE RENDA E O SUAS
A trajetória do Brasil é marcada pela presença de inúmeras desigualdades de
raça, gênero
2
, território, renda, acesso a bens e serviços, dentre outras. Neste artigo,
será enfocada especialmente a desigualdade de renda, uma das máculas mais
persistentes no decorrer da história do país desde o período da colonização.
A diferença de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil é
alarmante, caracterizando-o como um dos países mais desiguais do mundo (PIKETTY;
SAEZ; ZUCMAN, 2018). Trata-se de uma contradição, pois não estamos falando de uma
nação pobre pelo contrário, considerando sua renda per capita, o Brasil está no grupo
do um terço dos países mais ricos em nível global, sendo um dos que apresentam
melhores condições de enfrentar a pobreza dentre as nações em desenvolvimento
(BARROS; HENRIQUES; MENDONÇA, 2000). Apesar disso, cerca de 25% de sua
população encontra-se em situação de pobreza (IBGE, 2020a). Como explicar o fato de
um país que não é pobre ter percentual tão alto de seu povo assolado pela pobreza?
Análises sobre a desigualdade na distribuição de renda ajudam a entender esse
fenômeno.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020a) apontam
que apenas 10% da população mais rica do país deteve cerca de 43% de todos os
rendimentos recebidos pela população brasileira em 2019, ano anterior à pandemia. Já
aos 10% mais pobres, coube uma parcela de 0,8% dos rendimentos. Outras
desigualdades também estão presentes nessa distribuição, a depender do grupo
populacional considerado. O mesmo relatório aponta, por exemplo, que a população
negra recebe cerca da metade dos rendimentos da população branca, sendo as
mulheres negras e com baixa escolaridade as menos privilegiadas nessa distribuição.
Como veremos, a chegada do coronavírus aumentou ainda mais esse hiato da
desigualdade. Em paralelo, as políticas sociais brasileiras tentam responder aos desafios
colocados por um país alvejado durante séculos por esse problema, que se agrava ainda
mais desde o início da pandemia. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem sido
diretamente afetado por essa realidade seja pelo aumento do número de pessoas que
2
Aqui, considera-se gênero e raça não como características biológicas, mas sim como preceitos
construídos socialmente, demarcando diferentes trajetórias de inclusão/exclusão social.
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reduziram seus rendimentos e buscam auxílios socioassistenciais do governo para
garantir seu sustento e de seus familiares, seja pelas próprias medidas governamentais
que surgiram como resposta a isso. Buscam-se soluções para mitigar as consequências
do empobrecimento crescente de uma parcela da população diante da pandemia, mas
será que essas medidas também são voltadas para frear o aumento da desigualdade
verificado no mesmo período? A fim de melhor contextualizar essa discussão, serão
trazidas breves informações sobre características da histórica desigualdade no Brasil e
sobre o SUAS.
OS CONTORNOS DA DESIGUALDADE BRASILEIRA
Análises sobre a desigualdade de renda no Brasil variam em seus resultados, a
depender dos métodos adotados no estudo, da fonte de dados utilizada e dos índices
escolhidos pelo pesquisador. Variam também de acordo com o que é considerado
“renda” se ela descreve apenas rendimentos recebidos regularmente ou se também
engloba ativos financeiros, por exemplo. Arretche (2018) adverte, inclusive, que a renda
disponível para uma pessoa pode ser afetada por fatores indiretos. Um caso em que isso
acontece é no acesso a políticas públicas, onde o Estado oferta serviços essenciais
(saúde, educação, moradia etc.) que, do contrário, precisariam ser custeados pelo
indivíduo.
Seja como for, pesquisas que visam analisar a trajetória da desigualdade de
renda no Brasil (ARRETCHE, 2015; BARROS et al., 2000, 2001; SOUZA, 2016) descrevem
que, em geral, ela é elevada e possui poucas variações significativas ao longo da história.
Souza (2016) cogita que essa desigualdade com forte caráter inercial é resultado de
fatores estruturais e institucionais que ligam as decisões políticas brasileiras ao interesse
de grandes elites econômicas.
Em estudo enfocando o período de 1926 a 2013, o autor ressalta que, mesmo
em períodos onde as variações ocorrem, elas produzem impactos muito maiores nas
classes médias e baixas de renda, não ameaçando significativamente a renda do grupo
dos 10% mais ricos do país. Na mesma pesquisa, Souza (2016) revela que a desigualdade
aumentou claramente no decorrer da instauração das duas ditaduras que o país viveu
no século XX, e também durante a crise econômica e política na década de 80. Quando
à sua redução, verifica-se uma tendência de queda na desigualdade a partir da segunda
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metade da década de 70, queda essa mais acentuada a partir dos anos 90, persistindo
até os anos 2000 e estabilizando-se depois de 2006.
Um dos fatores aos quais o autor atribui o declínio da desigualdade que se inicia
na década de 70 é uma entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, diante
do crescimento econômico no período. Guimarães, Barone e Alves de Brito (2015)
concordam que esse evento diminuiu a desigualdade global de renda no país, pois uma
massa de indivíduos destituídos dessa renda passou a obtê-la, mesmo com ganhos
inferiores aos dos homens. Arretche (2018) ratifica tal explicação, destacando que a
desigualdade varia também de acordo com muitas outras condições, a exemplo da
economia internacional, de programas de valorização do salário mínimo e de
transferência monetária, além de políticas tributárias e de transmissão do patrimônio.
No caso do Brasil, a autora (2018) destaca que a redemocratização e o
estabelecimento da Constituição de 1988 foram elementos que contribuíram para uma
redução da desigualdade mais acentuada na década seguinte, especialmente em
decorrência da inclusão dos outsiders (aqueles que se encontravam até então excluídos
socialmente quanto a direitos de aposentadoria, saúde e educação) na agenda das
políticas públicas. Esse processo teria sido acompanhado por uma “politização da
desigualdade”– uma universalização do sufrágio e de políticas de inclusão, onde “a
participação eleitoral dos mais pobres, baixamente qualificados e precariamente
inseridos no mercado de trabalho tornou-se altamente provável” (ARRETCHE, 2018, p.
16). Com isso, tanto partidos conservadores quanto partidos de esquerda, interessados
em serem (re)eleitos, passaram a elaborar e manter propostas para atender interesses
dessa grande massa populacional brasileira. Um exemplo dessas propostas é a
instituição de programas de transferência de renda.
Segundo estudo do IPEA (2012), a partir dos anos 2000 houve uma queda ainda
mais acentuada na desigualdade de renda brasileira justamente em decorrência dos
programas nacionais de transferência de renda (notadamente a Previdência Social, o
BPC e o Bolsa Família
3
), aliados a uma dinâmica econômica internacional favorável que
3
A Previdência é um dos direitos sociais garantidos na Constituição de 88 e estabelece garantias de
rendimentos a seus contribuintes em função de aposentadoria ou impossibilidade de trabalho (BRASIL,
1988, 1991). O BPC, por sua vez, é a garantia de um salário mínimo para a pessoa com deficiência ou idoso
acima de 65 anos que comprove não possuir meios de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua
família (BRASIL, 1993, 2011). o Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda, tendo
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impactou positivamente no crescimento econômico do país, na queda das taxas de juros
e na ampliação de oportunidades no mercado de trabalho. Vale destacar que, também
aqui, não ocorreu uma redução de dos ganhos dos 10% da população mais rica do Brasil
ao contrário, entre 2001 e 2011, esse grupo aumentou seus rendimentos cerca de
17%. O que houve foi um aumento dos rendimentos dos mais pobres, que cresceu 550%
mais rápido do que os rendimentos dos mais ricos, contribuindo para a queda da
desigualdade do país no período (IPEA, 2012). Esse movimento foi descontinuado na
década seguinte, onde a desigualdade brasileira voltou a crescer com a retração do
mercado de trabalho e a redução dos ganhos dos mais pobres. Essa desigualdade
manteve-se estável a partir de então (IBGE, 2019, 2020a), elevando-se drasticamente
com a chegada da Covid-19, conforme veremos ao longo do presente artigo.
É possível perceber que o aumento ou queda na desigualdade depende de
fatores políticos e macroeconômicos, mas também de políticas públicas comprometidas
com esse propósito. Entretanto, a criação de políticas e programas sociais para atender
pessoas em situação de pobreza não necessariamente tem o objetivo de reduzir a
desigualdade social. No caso do Programa Bolsa Família (PBF), por exemplo, apesar de
seus efeitos modestos na redução da desigualdade do período
4
, é um programa que não
afeta necessariamente a renda dos mais abastados - o programa provoca uma
distribuição, mas não uma redistribuição de renda.
estudos que associam, inclusive, o PBF à reeleição do Partido dos
Trabalhadores (PT) consecutivamente nos anos 2000 (LICIO; RENNÓ, DE CASTRO, 2009;
LINS; SILVA; FIGUEIREDO 2016). À primeira vista, pode-se conjecturar que eles ratificam
a teoria do eleitor mediano (MELTZER; RICHARD, 1981) para o caso brasileiro, onde
eleitores de menor renda tenderiam a escolher candidatos a favor de uma maior
distribuição de riqueza e renda na sociedade onde vivem. Contrariando esta teoria,
Hacker e Pierson (2010) ressaltam que não são os eleitores, e sim as políticas
como público-alvo famílias em situação de pobreza (renda per capita até R$178,00) e extrema pobreza
(com renda per capita até R$89,00) de todo o país (BRASIL, 2004, 2018).
4
De acordo com o IPEA (2012), dentre diferentes fontes de renda captadas pelas famílias entrevistadas
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) na entre 2001 e 2011, aquelas que mais
contribuíram para o aumento dos rendimentos do percentil mais pobre da população foram: trabalho
(58%); Previdência (19%); Bolsa Família (13%); BPC (4%); e outras rendas, como alugueis e juros (6%).
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governamentais e a ação de grupos de interesses na elaboração destas, que mais afetam
a estrutura da desigualdade num determinado país.
Pesquisando a América Latina, Fairfiel e Garay (2017) também evidenciam que a
teoria do eleitor mediano não se aplica por aqui, pois partidos de diferentes legendas
adaptam suas propostas em busca de popularidade e voto. Além disso, estudos de
Birdsall, Lustig e McLeold (2011) e Roberts (2012) concluem que a queda na
desigualdade nos anos 2000 não se deve, necessariamente, a políticas de caráter
nacional. Essa queda não foi uma exclusividade do Brasil, mas pôde ser observada em
todo o bloco latino americano, como consequência de fatores econômicos e estruturais
favoráveis, a exemplo da ampliação do acesso à educação e o controle inflacionário.
Roberts (2012) relembra que a queda da desigualdade no período aconteceu em
governos de distintas orientações ideológicas na América Latina (embora seu aumento
tenha ocorrido, principalmente, em governos de direita conservadora). No caso
específico do PBF, o autor destaca que, apesar de usualmente ser um programa
atribuído ao PT, os programas nacionais de transferência de renda que lhe deram
origem foram idealizados e instituídos no governo anterior, de diferente ideologia
partidária. Destaca, ainda, que o próprio governo do PT quando conduzido pelo
presidente Lula permaneceu relativamente conservador em suas políticas fiscais,
monetárias e de negócios, abandonando sua retórica socialista de redução da
desigualdade em prol de manter a segurança da economia.
Esping-Andersen (1991), por sua vez, sublinha que os resultados das políticas
sociais são distintos entre diferentes países, variando de acordo com a capacidade de
pressão de grupos populares nos governantes. Nesse sentido, importa, por exemplo, a
organização sindical da classe trabalhadora no parlamento, para eleger e manter no
poder seus governantes. Em se tratando das políticas sociais brasileiras (incluindo a
política de Assistência), elas foram garantidas na Constituição de 1988 através da
pressão de movimentos populares, mas também da ação estratégica de uma minoria
parlamentar nas regras de deliberação da Assembleia Constituinte (ARRETCHE, 2018;
GOMES, 2006).
No Brasil, a Assistência Social faz parte do sistema de Seguridade Social, junto
com a Saúde e a Previdência. Trata-se de uma política de caráter não contributivo,
materializando-se através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de abrangência
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nacional. A sessão seguinte apresentará rapidamente esse Sistema responsável,
dentre outros, pelo atendimento à população em situação de pobreza, população essa
que se encontra na base da pirâmide da desigualdade social brasileira. Dado seu público-
alvo, o SUAS é uma das políticas públicas que tem sofrido diretamente o impacto do
aumento da desigualdade impulsionado pela pandemia.
O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)
O surgimento do SUAS está associado à instituição da política de Assistência
Social na Constituição de 1988. De acordo com o texto constitucional, a Assistência é
um direito de todo cidadão brasileiro que dela necessitar, independentemente de sua
contribuição à Seguridade Social. Dentre seus objetivos, estão a proteção social, a
promoção e integração ao mercado de trabalho e a garantia de pagamento do BPC à
pessoa com deficiência e ao idoso sem condições de prover sua subsistência (BRASIL,
1988).
A política de Assistência foi melhor delineada na Lei Orgânica da Assistência
Social - LOAS (BRASIL, 1993), que detalha seus princípios, diretrizes, formas de
organização e gestão. Ela descreve a Assistência como uma um sistema descentralizado
e participativo, prevendo a elaboração de projetos de enfrentamento à pobreza com
articulação entre diferentes órgãos governamentais, não governamentais e da
sociedade civil. A LOAS também prevê a concessão de benefícios eventuais, visando o
pagamento e o provimento de auxílios (cesta básica, auxílio por natalidade ou morte
etc.) a famílias com renda inferior a ¼ do salário mínimo.
Dezesseis anos após a instituição da política de Assistência na Constituição, foi
criado o SUAS, com base na publicação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
O SUAS materializa as premissas da política de Assistência Social no país, sendo descrito
como
Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado pela
Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Assistência Social de
1993, pautada na dimensão ética de incluir “os invisíveis”, os transformados
em casos individuais, enquanto de fato são parte de uma situação social
coletiva; as diferenças e os diferentes, as disparidades e as desigualdades.
(BRASIL, 2005, p. 15)
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A PNAS define os princípios organizativos do SUAS. São descritos como usuários
do Sistema todos os cidadãos brasileiros que se apresentem em situação de risco ou
vulnerabilidade socioeconômica, necessitando dos serviços de proteção social ofertados
pelo Estado em suas diferentes instâncias federal, estadual e municipal. Atualmente,
o SUAS, possui capilaridade em todo o território nacional, seja através dos serviços
ofertados em suas estruturas físicas (locais de acolhimento/abrigamento, CRAS, CREAS
ou outros Centros de Referência), seja pela concessão de benefícios socioassistenciais.
Dados do IPEA (2021) revelam que os repasses do governo federal para
cofinanciamento do SUAS
5
junto aos estados e municípios registrou queda,
especialmente nos anos de 2014, 2015 e 2018, com irregularidades nas transferências
nos anos de 2017 e 2019. Nesse período, é válido destacar a promulgação da Emenda
Constitucional 95 de 2016, que estabeleceu o teto do repasse de recursos para as
políticas sociais, com progressiva redução do repasse de verbas nos vinte anos
subsequentes.
Atuando diretamente com pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade
social, a chegada da pandemia no início de 2020 impôs desafios novos ao SUAS. Houve
um aumento da demanda tanto por serviços como por benefícios
6
. Observa-se também
um aumento de casos de violação de direitos, especialmente em grupos vulneráveis
(mulheres, crianças, idosos, pessoas em situação de pobreza etc.) (JUBILUT et al., 2020)
- exigindo intervenções de diferentes políticas públicas, e também do SUAS. Além disso,
aumentou a procura de usuários para o cadastramento no Auxílio Emergencial, sendo o
SUAS uma referência para este serviço (aqueles que não podiam cadastrar-se via
internet, buscavam fazê-lo nas unidades físicas de apoio na Assistência).
Segundo constatação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2021),
apesar desse acréscimo na solicitação por serviços do SUAS, até abril de 2020 - antes da
definição do repasse de créditos emergenciais para custear os serviços da proteção
social - havia sido repassado o mais baixo montante de verba para a Assistência de todos
os primeiros quadrimestres dos anos anteriores. A mesma publicação afirma que,
5
O SUAS é custeado por cofinanciamento das três esferas do governo - esfera federal, estados e
municípios (BRASIL, 2005).
6
Apenas considerando a concessão de benefícios eventuais, houve um aumento de 69,4% em 2020.
Entre março e abril, quando ocorreram as primeiras medidas sanitárias de distanciamento físico,
esse aumento foi de 105%, algo inédito desde o início desse tipo de registro no SUAS (IPEA, 2021).
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mesmo com a liberação de verbas emergenciais, em 2020 houve o menor repasse de
verbas para os serviços socioassistenciais registrados desde a implementação do SUAS,
em 2004.
Esses dados nos levam a cogitar quais os impactos da pandemia na situação de
pobreza e desigualdade de renda observada no Brasil, e qual o prognóstico do SUAS
diante disso. Conforme mencionado, vale notar que o SUAS não tem como objetivo
sanar a desigualdade de renda no país, e sim busca “proteger” e “incluir” as pessoas
vulnerabilizadas por esta realidade (BRASIL, 1988). Entretanto, qual a capacidade desse
Sistema de resistir à situação atual de aumento da demanda e restrição de recursos?
Qual a capacidade desse Sistema acolher, efetivamente, todo o público que carece de
seus serviços, auxiliando-o a atravessar esse momento de crise econômica e sanitária,
de modo a também possibilitar-lhes uma efetiva proteção e inclusão social? A fim de
refletirmos sobre essas questões, as sessões seguintes apresentam um panorama de
como o SUAS tem sido impactado no momento atual.
COMO O SUAS FOI AFETADO PELA PANDEMIA E AUMENTO DA DESIGUALDADE
SOCIAL?
Walter Scheidel (2017), possivelmente inspirado pela passagem bíblica onde o
apóstolo João descreve a visão profética dos “quatro cavaleiros do apocalipse”, elabora
sua teoria sobre os eventos que, ao longo da história humana, são os principais
responsáveis pela diminuição da desigualdade de riqueza e renda. Ele os nomeia “The
Four Horsemen of Leveling”, ou “Os Quatro Cavaleiros de Nivelamento”, sendo eles: as
guerras, as revoluções, as falências de Estado e as pandemias letais.
Uma das explicações ofertadas pelo autor é que, diante desses eventos, colapsos
sociais, econômicos e políticos fariam com que os Estados não conseguissem assegurar
os direitos de propriedade e capital às classes mais ricas, que seriam então prejudicadas.
Em paralelo, no caso das pandemias letais ao longo da história, elas teriam exterminado
um grande quantitativo de pessoas em idade ativa, aumentando o poder de barganha
salarial dos que permaneceram vivos. Scheidel apresenta evidências empíricas para
embasar a teoria, mas percebe-se que suas conclusões não têm se aplicado à pandemia
do coronavírus. Ao contrário, nota-se um aumento da distância social entre os mais ricos
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e os mais empobrecidos ao redor de todo o mundo, e também no Brasil, num
prognóstico que soa como um verdadeiro apocalipse social.
O início da pandemia foi registrado em dezembro de 2019 e as primeiras cepas
do vírus têm provocado complicações respiratórias e físicas que dizimam mais pessoas
idosas do que aquelas em idade ativa. No caso brasileiro, por exemplo, a maior parte
das pessoas mortas são do sexo masculino, com idade entre 70 e 79 anos (BRASIL,
2021a).
Grande parte dos estudos na área tem apontado que, ao redor do mundo, a
desigualdade tende a crescer com a pandemia atual, acompanhando uma crise
econômica de vastas proporções e afetando, especialmente, países mais pobres
(OXFAM, 2021). No caso da América Latina, estima-se que a pobreza e a extrema
pobreza alcançarão os maiores níveis registrados nos últimos 12 e 20 anos
respectivamente (ONU, 2021). Em se tratando do Brasil, o quadro não é menos
desalentador.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE, 2021) apontam que o número de pessoas em extrema pobreza vinha
crescendo desde o ano de 2019, acentuando-se ainda mais com o início da pandemia. A
Covid-19 aumentou o número de pessoas sem trabalho e contribuiu para o aumento da
taxa de juros, afetando principalmente aqueles para os quais o custo da alimentação
tem maior peso em seus rendimentos. Num movimento oposto ao crescimento do
número de pessoas em situação de pobreza e ao colapso de pequenas e médias
empresas no país, nota-se o aumento do mero dos super ricos e os altos índices de
lucro nos bancos e grandes empresas.
Para termos uma ideia dessa disparidade, levantamento da organização OXFAM
(2020) revelou que, só nos primeiros três meses da pandemia, os 25 maiores bilionários
do mundo tiveram um acréscimo em suas riquezas de US$255 bilhões. No ano de 2020,
as 32 empresas mais rentáveis do mundo lucraram US$109 bilhões a mais em
comparação à média dos quatro anos anteriores (2016-2019). No Brasil, 600 mil
pequenas e médias empresas fecharam suas portas nesse período, contribuindo para a
marca de 13 milhões de pessoas desempregadas, ao passo em que os 42 bilionários do
país aumentaram suas riquezas em US$34 bilhões.
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A pandemia e a crise socioeconômica agravada por ela não afeta igualmente
todos os grupos sociais. O número geral de pessoas ocupadas no Brasil teve queda de
7,1% entre os anos de 2020 e 2021. Porém, enquanto o número de pessoas ocupadas
com menor escolaridade diminuiu 10,4%, o número de pessoas ocupadas com ensino
superior aumentou 4,8% (DIEESE, 2021; IBGE, 2021). Uma das explicações possíveis é
que, com a redução dos postos de trabalho, uma mão de obra de menor escolaridade
tem sido substituída por trabalhadores mais qualificados, que estão aceitando receber
salários mais baixos.
A própria contaminação e morte causada pelo vírus é mais provável de ocorrer
em pessoas com menor renda, devido a diferentes fatores. Trata-se da população que
mais utiliza transportes públicos e que possui menor acesso a saneamento básico, por
exemplo. É também aquela com maior dificuldade de manter o isolamento social sem
perda de emprego ou renda sendo um grupo social de menor escolaridade, que exerce
mais atividades informais e que possui menor acesso à computador ou internet, a
prática do teletrabalho ou home office é menos provável. Além disso, constatou-se que
a incidência de comorbidades (doenças crônicas associadas a casos mais graves de
Covid-19) entre brasileiro que frequentaram o ensino fundamental é quase 10%
maior do que nos demais grupos (PIRES; CARVALHO; XAVIER, 2020). Em suma,
Demenech et al. (2020) destacam que a desigualdade e a vulnerabilização dos mais
pobres evidencia-se através de uma exposição, uma susceptibilidade e uma
consequência diferencial:
Pessoas em maior desvantagem socioeconômica tendem a ter exposição
diferencial ao vírus (por terem habitações de pior qualidade, viverem em
maior número de pessoas em residências menores, usarem transporte
público com maior aglomeração e terem insegurança laboral, que dificulta o
distanciamento social), susceptibilidade diferencial (por causa de
insegurança alimentar e alimentação com pior qualidade nutricional,
aumento no estresse psicológico e dificuldade no acesso a profissionais de
saúde) e consequência diferencial (menor capital social e reduzidas opções
de prevenção primária e tratamento). Juntas, exposição, susceptibilidade e
consequência diferenciais podem produzir taxas de adoecimento e óbitos
maiores nesses subgrupos. (p. 9-10).
Observa-se, portanto, que as pessoas de piores condições socioeconômicas e
educacionais do país estão sendo ainda mais vulnerabilizadas com a chegada da
pandemia. Elas são susceptíveis a um maior risco a curto prazo (risco de contaminação
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e morte), e também a médio e longo prazo (pela piora de suas condições
socioeconômicas).
De acordo com conclusões apresentadas pelo IBGE (2020b), Ministério da Saúde
(BRASIL, 2020) e Souza (2021), pessoas negras, pardas, pobres e de baixa escolarização
têm riscos ainda maiores de serem infectadas e de sofrerem os impactos da pandemia.
Gomes (2020) sublinha que a maior exposição do público negro ao coronavírus está
associada ao seu maior quantitativo em muitas das condições que mencionamos
anteriormente: pobreza, desemprego, trabalho informal, moradias sem saneamento
básico, além da dificuldade de acesso a informações adequadas e a recursos financeiros
para compra de produtos de higienização e para o custeio de uma alimentação
adequada que os torne menos vulneráveis a doenças em geral.
Vale notar que a taxa de mortalidade é maior entre os homens, mas a pandemia
tem sido devastadora também para as mulheres, em especial para as mulheres negras.
Elas são a maioria do público brasileiro que trabalha na informalidade e no setor de
serviços o mais afetado pela Covid-19. Destaca-se o setor de profissionais domésticas
e diaristas, onde 70% das profissionais atua sem carteira assinada; muitas dessas
trabalhadoras foram dispensadas sem nenhuma garantia trabalhista durante o período
da pandemia, por receio de contaminação dos contratantes; a maior parte delas é
composta de mulheres negras (ONU, 2020).
Como é possível concluir, a Covid-19 tem afetado mais pessoas em situação de
pobreza e extrema pobreza no Brasil, em especial homens e mulheres negras, de baixa
escolaridade. Essas pessoas estão mais expostas ao contágio e morte pela doença, e
também são mais vulneráveis ao desemprego e aos agravos socioeconômicos. O
desemprego e ausência de renda, aliado a um aumento no preço de itens essenciais,
através da subida das taxas de juros, também tem lançado novas famílias à situação de
pobreza no país. As políticas sociais precisam adaptar-se para lidar com esse novo
cenário. No caso do SUAS voltado para o atendimento de pessoas em situação de
pobreza e vulnerabilidade social ele vem enfrentando desafios que exigem iniciativas
do governo federal para lidar com a realidade do momento.
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O número de atendimentos e a solicitação de benefícios aumentaram
consideravelmente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS)
7
com a
chegada da pandemia (BRASIL, 2021b). Cresceu o mero de atendimentos - tanto para
inclusão no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal (pré-requisito para a
concessão de benefícios socioassistenciais), quanto para a solicitação desses mesmos
benefícios. Muitas famílias que já faziam parte do CadÚnico agravaram sua situação de
vulnerabilidade, recorrendo aos serviços dos CRAS em busca de auxílio. Somados a elas,
novos indivíduos e famílias passaram também a necessitar desse atendimento.
A partir de abril de 2020, o governo federal autorizou a abertura de créditos
extraordinários de em favor do Ministério da Cidadania (atual responsável pela gestão
do SUAS). Esses recursos deveriam ser destinados, em especial, para:
adaptação, (re)organização e intensificação das ofertas socioassistenciais;
alimentação e outros itens básicos à população; e aquisição de provisões
necessárias ao funcionamento das unidades de atendimento do SUAS em
condições de segurança a trabalhadores e usuários no contexto da COVID-
19” (BRASIL, 2021b, p. 13-14).
Entretanto, como vimos, mesmo com os novos recursos, no final de 2020, os
créditos repassados ao SUAS nesse ano somavam o menor montante de repasses para
a política de assistência desde o ano de 2004 (IPEA, 2021).
Na sessão seguinte, veremos outras medidas do governo federal como resposta
à chegada da pandemia, medidas essas que afetaram diretamente o SUAS.
TENTATIVAS DE MITIGAR OS DESAFIOS IMPOSTOS PELA PANDEMIA
O quadro a seguir descreve alguns esforços do governo federal para mitigar os
impactos da pandemia através de ações no âmbito do Sistema Único de Assistência
Social. Os critérios utilizados para a seleção do material são: ser publicação do ano de
7
O CRAS é a unidade de referência da Proteção Social Básica do SUAS. Dentre suas muitas atribuições, o
CRAS constitui a “porta de entrada” para a inclusão de famílias no Cadastro Único do governo federal.
Costuma também ser no CRAS que esses benefícios são solicitados.
Cabe esclarecer que o SUAS oferta atendimento em dois níveis de proteção: a Proteção Social Básica (PSB)
e a Proteção Social Especial (PSE). Na PSB, são atendidos indivíduos e famílias em vulnerabilidade social
(ausência de renda, fragilização de vínculos afetivos, precário ou nulo acesso a serviços etc.), visando
prevenir situações de risco social e violação de direitos. Na PSE, são atendidos casos onde o risco social
está presente, podendo configurar violação de direitos e rompimento de vínculos familiares e
comunitários. Em alguns desses casos, o Estado assume a tutela das pessoas atendidas, com o objetivo
de salvaguardar sua vida e segurança, como ocorre no caso de crianças e adolescentes abrigados em
serviços de acolhimento (BRASIL, 2005, 2014).
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2020, referente ao SUAS ou nele impactando diretamente devido à pandemia do
coronavírus. O quadro utiliza como fonte de dados o blog da Rede SUAS
8
, por se tratar
de um canal oficial de comunicação do Ministério da Cidadania que apresenta uma
compilação organizada das publicações no período. Os decretos, leis e medidas
provisórias que aparecem no quadro foram medidas sancionadas pelo poder executivo
federal (assinadas pelo Presidente da República), enquanto que as portarias são
publicações do Ministério da Cidadania (sob responsabilidade do Ministro da
Cidadania).
QUADRO 1. PUBLICAÇÕES DO PODER EXECUTIVO FEDERAL E DO MINISTÉRIO DA CIDADANIA
COM IMPACTOS NO SUAS NO ANO DE 2020
9
PUBLICAÇÃO
DELIBERAÇÕES
Decreto
10.282, de 20 de
março de 2020
Define os serviços públicos e as atividades essenciais cujo funcionamento deve ser
mantido no decorrer da pandemia, incluindo neles a assistência social.
Medida provisória
929, de 25 de
março de 2020
Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações, das Relações Exteriores, da Defesa e da Cidadania, no
valor de R$ 3.419.598.000,00.
Medida provisória
941, de 2 de
abril de 2020
Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Educação, da Saúde e da
Cidadania, no valor de R$ 2.113.789.466,00.
Lei nº 13.982, de 2
de abril de 2020
Altera a Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros
adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de
elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC) e estabelece medidas
excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de
enfrentamento da Covid-19.
Instituído o Auxílio Emergencial.
Decreto
10.316, de 7 de
abril de 2020
Regulamenta a Lei 13.982, de 2 de abril de 2020, que estabelece medidas
excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período da pandemia.
8
A Rede SUAS é parte da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), responsável pelo SUAS dentro
do Ministério da Cidadania. Trata-se de um sistema nacional que realiza a divulgação de informações a
respeito da gestão, funcionamento e financiamento do SUAS. O blog da Rede SUAS tem como objetivo
“manter as pessoas que trabalham na política pública de assistência social atualizadas quanto aos
principais conteúdos técnicos produzidos pela SNAS”, subsidiando suas atividades técnicas no SUAS
(http://blog.mds.gov.br/redesuas/rede-suas/).
9
FONTE: Blog Rede SUAS. Links: Orientações, Resoluções e Portarias do SUAS relativas à Covid-19 (com
última atualização em 29/04/20): http://blog.mds.gov.br/redesuas/orientacoes-resolucoes-e-portarias-
do-suas-relativos-a-covid-19/. Atos normativos do SUAS na pandemia de Covid-19 (com última
atualização em 27/04/20): http://blog.mds.gov.br/redesuas/atos-normativos-do-suas-na-pandemia-de-
covid-19/
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Regulamenta o Auxílio Emergencial, detalhamento critérios de elegibilidade e formas
de pagamento do benefício.
Medida provisória
953, de 15 de
abril de 2020
Abre crédito extraordinário em favor do Ministério da Cidadania, no valor de R$
2.550.000.000,00.
Medida provisória
956, de 24 de
abril de 2020
Abre crédito extraordinário no valor de R$ 25.720.000.000,00 para o Auxílio
Emergencial de proteção social a pessoas em situação de vulnerabilidade, devido à
Pandemia da COVID-19.
Medida provisória
957, de 24 de
abril de 2020
Abre crédito extraordinário no valor de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de
reais) para o enfrentamento da pandemia.
Portaria 330,
de 18 de março de
2020
Estabelece o adiamento dos procedimentos em razão do não cumprimento do
cronograma de inscrição no CADÚnico, para fortalecer o enfrentamento da
pandemia.
Portaria 337,
de 24 de março de
2020
Dispõe acerca de medidas para o enfrentamento do coronavírus no âmbito específico
do SUAS.
Portaria 54, de
1 de abril de 2020
Aprova recomendações gerais aos gestores e trabalhadores do SUAS, com o objetivo
de garantir a continuidade da oferta de serviços e atividades essenciais da Assistência
Social, incluindo medidas e condições que garantam a segurança e a saúde dos
usuários e profissionais do SUAS.
Portaria conjunta
1, de 2 de abril
de 2020
Dispõe acerca da utilização de recursos do cofinanciamento federal no atendimento
às demandas emergenciais de enfrentamento da COVID-19 no âmbito do SUAS.
Fundamenta as possibilidades de utilização desses recursos, independentemente da
data em que foram transferidos pelo Fundo Nacional de Assistência Social.
Portaria 351,
de 7 de abril de
2020
Regulamenta os procedimentos de que trata o Decreto nº 10.316/2020, a respeito do
Auxílio Emergencial.
Portaria SNAS º
58, de 15 de abril
de 2020
Aprova a Nota Técnica 20/2020, que traz orientações gerais acerca da
regulamentação, gestão e oferta de benefícios eventuais no contexto de
enfrentamento aos impactos da pandemia da COVID-19 no âmbito do SUAS.
Portaria SNAS
59, de 22 de abril
de 2020
Aprova orientações e recomendações gerais aos gestores e trabalhadores do SUAS
quanto ao atendimento nos serviços de acolhimento de crianças e adolescente, no
contexto de emergência da Covid-19.
Portaria conjunta
7, de 22 de abril
de 2020
Dispõe sobre a prorrogação do prazo para o registro de visitas do Programa Criança
Feliz, no âmbito do SUAS, e dá outras providências.
Portaria 336,
de 22 de abril de
2020
Dispõe acerca de medidas para o enfrentamento da Covid-19, no âmbito do Programa
Criança Feliz/Primeira Infância no SUAS.
Portaria conjunta
1, de 27 de abril
de 2020
Aprova recomendações gerais aos gestores, supervisores e visitadores dos estados,
municípios e Distrito Federal quanto à execução do Programa Criança Feliz/Primeira
Infância no SUAS.
Portaria 369,
de 29 de abril de
2020
Dispõe acerca do atendimento do CadÚnico para Programas Sociais do Governo, no
distrito federal e nos municípios que estejam em estado de calamidade pública ou em
situação de emergência reconhecidos pelos governos estadual, municipal ou do
Distrito Federal, inclusive calamidade e emergência ocasionada pelo coronavírus.
Das medidas publicadas que são decorrentes dos novos desafios impostos pela
pandemia e que impactam diretamente no SUAS, é possível perceber que algumas se
referem a abertura de crédito extraordinário. Uma parte dessa verba, entretanto, é para
o pagamento do Auxílio Emergencial instituído em lei pelo Presidente da República em
2 de abril de 2020, sob responsabilidade de gestão do Ministério da Cidadania.
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Além disso, outras normativas se referem ao funcionamento do próprio SUAS,
decretado como essencial em março de 2020, no início do surto. Isso significa que todo
o Sistema - com seus órgãos de atendimento, programas e serviços ofertados à
comunidade deve se manter aberto para atender a população. Outras publicações
foram realizadas com orientações sobre tal atendimento, que deveria estar de acordo
com as medidas sanitárias recomendadas pelo Ministério da Saúde à época.
Percebe-se que parte dessas publicações versa também sobre a necessidade de
adaptação da oferta de alguns serviços, diante das limitações impostas pelo contexto
pandêmico. Em especial, foram sugeridas modificações na execução do Programa
Criança Feliz, nos serviços de acolhimento a crianças e adolescentes e no atendimento
no âmbito do CadÚnico. Nota-se que esses serviços representam apenas uma ínfima
parte de toda a complexa cadeia de programas e atendimentos ofertados pelo SUAS,
tanto no âmbito na proteção básica quanto da proteção especial.
Outra parte das publicações presentes no quadro versa sobre critérios de
elegibilidade do Auxílio Emergencial e sobre ajustes de critérios para concessão do BPC
e de benefícios eventuais. Essas medidas tendem a ampliar o número de pessoas
contempladas pelos benefícios socioassistenciais gerenciados pelo SUAS. A Portaria nº
1, de 2 de abril de 2020, por sua vez, flexibiliza as regras para uso da verba de
cofinanciamento repassada do governo federal aos estados e municípios. Em conjunto,
essas estratégias disponibilizam recursos ao SUAS seja para assegurar seu
funcionamento diante do aumento da demanda por atendimento e dos novos desafios
colocados a gestores e trabalhadores da política, seja para garantir o repasse de
benefícios a seus usuários (com adição do Auxílio Emergencial, criado por ocasião da
pandemia). Entretanto, de acordo com as medidas sintetizadas no quadro 1, podemos
afirmar que as ações adotadas no âmbito do SUAS contribuíram para mitigar os
problemas surgidos/acentuados com a pandemia?
Sozinha, a política de Assistência Social pouco pode fazer para amenizar os
impactos da Covid-19. Conforme exposto aqui, o coronavírus trouxe consigo
problemas em diversos campos, desde o contágio e a morte de milhares de pessoas, até
uma crise econômica que extrapola as fronteiras nacionais. Em se tratando da grande e
persistente desigualdade de renda no Brasil a pandemia ocasionou a perda repentina
de emprego e renda de uma massa populacional anteriormente ocupada. Foram
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atingidos tanto os trabalhadores informais (que perderam suas fontes de rendimentos),
quanto os trabalhadores formais (muitos perderam seus empregos e outros tiveram,
ainda, sua jornada de trabalho reduzida ou seus contratos suspensos). Nas palavras de
Trovão (2020, p. 29), “a realidade é uma só: a perda enquanto classe da sua renda
agregada e seu poder de barganha, já reduzido pela Reforma Trabalhista de 2017”.
Quanto à questão específica da transferência de renda via instituição do Auxílio
Emergencial, os dados preexistentes no CadÚnico e a existência de uma estrutura de
cadastramento previamente organizada via sistema descentralizado do SUAS foram
importantes para que o benefício começasse a ser pago logo no mês seguinte à sua
criação. Analisando os efeitos da liberação do auxílio no ano de 2020, Nassif-Pires,
Cardoso e Oliveira (2021), concluem que o benefício aliviou a queda da renda de muitas
famílias, contribuindo para que a taxa de pobreza com base na renda
10
atingisse níveis
historicamente baixos no Brasil. Entretanto, projeções de acordo com os novos valores
para o benefício em 2021 mostram que esse repasse não é capaz de se contrapor ao
vertiginoso aumento da pobreza, provocado pela crise econômica e agravado pela
pandemia.
Estudo conduzido por Komatsu e Menezes Filho (2021) chega a conclusão
semelhante. Também simulando o recebimento do benefício em 2021, com valores por
indivíduo que podem chegar até a 25% menos daquele recebido em 2020, percebeu-se
que o Auxílio Emergencial diminui pouco a pobreza, a pobreza extrema e a desigualdade
de renda. Em termos comparativos, o crescimento da pobreza para 2021 atingiria os
seguintes percentuais, muito mais altos do que no período pré-pandemia.
QUADRO 2. ESTIMATIVA DO CRESCIMENTO DA POBREZA EM 2021, DE ACORDO COM OS
VALORES DO AUXÍLIO EMERGENCIAL ESTABELECIDOS PARA O PERÍODO
(NASSIF et al., 2021)
GRUPO
COM AUXÍLIO EMERGENCIAL
SEM AUXÍLIO EMERGENCIAL
Mulheres negras
41%
38%
Homens negros
39%
36%
Mulheres brancas
21%
19%
Homens brancos
21%
19%
10
Critérios de pobreza com base na renda per capita ou renda familiar são utilizados nesse sentido.
Entretanto, é válido notar que esses critérios não consideram fatores mais amplos que caracterizam a
multidimensionalidade da pobreza, tais como: lugar de residência, falta de capital social e cultural,
etnia/cor da pele, gênero, idade, composição e estrutura familiar, dentre outros (REGO; PINZANI, 2015).
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Observa-se que, de acordo com os valores previstos para 2021, a maior diferença
é de três pontos percentuais na redução da pobreza entre o não recebimento e o
recebimento do benefício.
Não se subestima o impacto favorável do Auxílio Emergencial em famílias que
dependem dele para assegurar sua sobrevivência. Ao invés disso, destaca-se o fato de
que a pobreza cresce em ritmo acelerado no país, sendo que o número de benefícios
concedidos e o valor do repasse não tem sido capaz de conter seu crescimento. Com o
aumento da pobreza e o aumento dos dividendos dos super ricos, a desigualdade
também cresce rapidamente. Para conter o avanço da desigualdade de renda, é preciso
que outras estratégias sejam implementadas.
Como exemplo de estratégia nesse sentido, quem defenda a adoção de um
imposto sobre lucros excedentes durante a pandemia. Advogando essa ideia, boletim
da OXFAM (2020), estima que, considerando as 32 empresas globais mais lucrativas
analisadas na publicação, US$104 bilhões poderiam ter sido arrecadados apenas em
2020 para auxiliar em projetos envolvendo a crise ocasionada pela Covid-19.
No caso do Brasil, Fernandes e Gassen (2016) acreditam que é essencial a
adoção de uma tributação com objetivos sociais, não apenas econômicos. Os autores
propõem que seja rompido o “círculo vicioso”, para dar lugar a um “círculo virtuoso” (p.
360) da matriz tributária brasileira. A proposta é reduzir a carga tributária das famílias
com menos recursos, como é o caso da redução de impostos sobre bens de consumo.
Isso geraria um aumento indireto da renda das famílias mais pobres, que,
consequentemente, teriam mais chances de investirem em estratégias para manterem
ou evoluírem sua condição social a longo prazo (através da educação, por exemplo).
Esse processo culminaria num ciclo de retroalimentação positiva sobre a renda de
famílias carentes: tendo mais renda disponível, maior a probabilidade dessas famílias
investirem em estratégias que lhes gerem ainda mais renda.
Exemplificando a possibilidade de redução da carga tributária com impactos
positivos para pessoas de menor renda, é possível citar a reforma tributária proposta
pelo atual Ministério da Economia (PEC 45/2019). Uma das propostas apresentadas por
essa reforma é justamente a redução de impostos sobre bens e serviços, com um
impacto potencialmente benéfico para as famílias mais pobres aquelas que têm seu
orçamento proporcionalmente mais afetado pela tributação do que famílias abastadas.
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Contudo, Higgins e Lustig (2016) e Lustig (2015) alertam para o fato de que não
adianta alterar a carga tributária e aumentar o investimento federal em gastos sociais;
é preciso zelar para que eles sejam implantados através de medidas que, efetivamente
tenham potencial redistributivo. De acordo com eles, políticas fiscais, em geral, reduzem
a desigualdade de renda, mas não necessariamente a pobreza. Para um impacto efetivo
na redução da pobreza, é preciso que haja, em paralelo, transferências diretas (não
diferidas) de renda, com alcance e valor capaz de superar o crescimento da pobreza um
determinado momento. Eis um desafio colocado pelo aumento vertiginoso da pobreza
e desigualdade de renda em nível global, e também no Brasil.
O QUE AINDA PODE SER FEITO?
Diante do exposto, percebemos que o SUAS política pública que lida
diretamente com o público afetado pelo aumento da pobreza e da desigualdade de
renda ocasionadas pela pandemia tem necessitado se adaptar para lidar com os
desafios surgidos dessa nova realidade. A procura por atendimento aumentou em todas
as suas instâncias, tanto no cadastramento, quanto na solicitação de benefícios e no
maior número de casos de violação de direitos.
Em contraste, a Covid-19 chegou ao Brasil num momento em que o SUAS se
encontra em meio a uma sequência de anos de retração no repasse de verbas para a
Assistência. De acordo com as publicações que vimos no Quadro 1, nota-se uma
abertura de créditos extraordinários para a Assistência parte substancial deles,
todavia, voltada para o custeio do Auxílio Emergencial, criando em abril de 2020.
Percebe-se que alguns recursos e orientações ofertadas pelo executivo e o
Ministério da Cidadania são para que o SUAS possa continuar ofertando seus serviços e
para atender as novas solicitações de atendimento surgidas com o coronavírus. Em
suma, nas publicações federais no período da pandemia que versam sobre o SUAS, a
Assistência Social é solicitada a ofertar paliativos para os indivíduos e famílias atingidos
pelo drama da pobreza e das inúmeras desigualdades presentes no país (incluindo a de
renda), e não para atuar na busca de soluções a longo prazo para o problema.
É possível que outras políticas públicas estejam implicadas mais diretamente em
planejar medidas que atuem na causa do aumento da pobreza e da desigualdade nesse
período políticas fiscais, econômicas, de trabalho e renda etc. Porém, sem uma ação
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integrada entre essas diferentes esferas do governo, engajadas em encontrar soluções
efetivamente duradouras, o problema da desigualdade de renda tende a se perpetuar -
seguindo sua tendência histórica de inércia em altos índices no país, agravando-se ainda
mais por ocasião da pandemia.
Defende-se, aqui, que a Assistência Social e o SUAS são preciosos avanços no
campo das políticas públicas brasileiras para lidar com as consequências nefastas da
desigualdade de renda no país. Entretanto, seus esforços não devem substituir aqueles
que visem soluções efetivas para esse problema. A pandemia tem exposto ainda mais a
necessidade de que reformas sejam colocadas em prática no campo econômico e
tributário, desonerando os mais pobres e possibilitando-lhes uma escalada social
progressiva e consistente ao longo do tempo.
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