https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v28n1p66-83
Vol. 28, n. 1, jan/jun, 2022
ISSN: 2179-6807 (online)
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DOBRAS INCÔMODAS: ENTRE CORPOS GORDOS E PRÁTICAS ESPORTIVAS
Cláudia Samuel Kessler
1
Viviane Teixeira Silveira
2
Aprovado em: 13/08/2022
Resumo: O presente ensaio reflete sobre corpos gordos no esporte moderno, que extrapolam
os padrões impostos por um sistema capitalista altamente regulador das subjetividades. Os
corpos desejáveis não são apenas produtivos, mas também vendáveis e carregam consigo
representações classistas e racializadas. Analisamos as pressões relacionadas à estética e à
performance impostas a atletas na atualidade, questionando a ideia de performance ligada ao
corpo magro e jovem. Consideramos que o corpo gordo historicamente passou não apenas por
julgamentos morais relacionados à forma física, mas também relacionados a status social, sendo
até o século XIX considerado símbolo de poder financeiro e político. A partir de casos
amplamente divulgados na mídia, parte-se da análise de críticas a três futebolistas da seleção
brasileira e, posteriormente, reflete-se sobre modalidades em que a gordura corporal pode ser
considerada positiva ou até mesmo aceitável, como no handebol e jiu-jitsu.
Palavras-chave: Esporte. Corpo. Futebol. Gênero.
UNCOMFORTABLE FOLDS: BETWEEN FAT BODIES AND SPORTS PRACTICES
Abstract: This essay reflects on issues related to fat bodies in modern sport, with the
presentation of bodies that go beyond the standards imposed by a capitalist system that highly
regulates subjectivities. Desirable bodies are not only productive, but also salable and carry class
and racialized representations. We analyze the pressures related to aesthetics, and performance
that are imposed on athletes today and question the idea of performance linked to a thin and
young body. We consider that the fat body has historically passed not only through moral
judgments related to physical shape, but also related to social status, being until the 19th
century considered a symbol of financial and political power. Based on cases widely publicized
in the media, we initially analyzed the criticisms of three footballers from the Brazilian national
team and, later, we reflected on modalities in which body fat can be considered positive or even
acceptable, such as for handball and jiu-jitsu.
Keywords: Sport. Body. Soccer. Gender.
PLIEGUES INCÓMODOS: ENTRE CUERPOS GORDOS Y PRÁCTICAS DEPORTIVAS
Resumen: Este ensayo reflexiona sobre cuestiones relacionadas con los cuerpos gordos en el
deporte moderno, con cuerpos que extrapolan los estándares señalados por un sistema
1
Doutora em Antropologia Social pela UFRGS. Professora na Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:
jornalista24h@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1292-6914.
2
Professora na Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: viviane.silveira@unemat.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-43837412.
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capitalista altamente regulador de las subjetividades. Se analizan las presiones estéticas y de
rendimiento que sufren los deportistas en la actualidad, además de cuestionar la idea de
rendimiento. Consideramos que el cuerpo gordo ha pasado históricamente no solo por juicios
morales relacionados con la forma física, sino también relacionados con el estatus social, siendo
hasta el siglo XIX considerado un símbolo de poder económico y político. A partir de casos
ampliamente difundidos en los medios, analizamos inicialmente los casos de tres futbolistas y,
posteriormente, reflexionamos sobre modalidades en los que la grasa corporal puede
considerarse positiva o incluso aceptable, como en el balonmano y en el jiu-jitsu.
Palabras-clave: Deporte. Cuerpo. Fútbol. Género.
INTRODUÇÃO
O ideal de corpo na atualidade é resultado de diversas construções
sociohistóricas. De acordo com Andrade (2003), o ideal de corpo belo e saudável que
passa a ser construído principalmente a partir da segunda metade do século XX está
associado ao autocontrole, ao sacrifício e à vigília contínua. Acima de tudo, atribui-se ao
indivíduo a responsabilidade individual de uma constante busca pela saúde, queima de
gordura, prática de exercícios e prevenção de doenças. Neste sentido, entende que "A
mídia, a publicidade, a indústria (cosmetológica, da moda, do fitness,...) tornaram o
corpo um artefato do mercado econômico/social/cultural" (ANDRADE, 2003, p. 121).
Santolin e Rigo (2015) chamam de "presente lipofóbico" este mundo de
imposição de medida de massa corpórea ou de tecidos adiposos. Os autores datam o
nascimento histórico da obesidade entre os séculos XVII e XIX, a partir de princípios
baseados na ética (do corpo produtivo), na estética (sem deformações/fealdade) e na
moral religiosa (em que o pecado da gula, conforme os princípios cristãos, deveria ser
combatido). Ao longo do século XIX foram desenvolvidos os fundamentos biopolíticos
de controle dos corpos e a sustentação científica patologizante da gordura. Percebe-se,
portanto, o desenvolvimento e sustentação de uma ciência, sobretudo biomédica, que
se torna capaz de medir e, a partir disso, moralizar os corpos e condutas.
A gordofobia
3
, também chamada violência com os corpos gordos, é assunto
recente nas pesquisas acadêmicas com um olhar mais social e interdisciplinar (JIMENEZ,
3
“Esse ódio e pavor é denominado de gordofobia. É uma discriminação que leva à exclusão social e,
consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa estigmatização é estrutural e cultural,
transmitida em muitos e diversos espaços e contextos na sociedade contemporânea. O prejulgamento
acontece por meio de desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensa e restrição dos corpos gordos
de modo geral” (JIMENEZ, 2020, p. 147)
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SILVA, 2021). A maioria das investigações que envolvem essa temática advém da área
médica e produz um discurso que liga a obesidade ou o excesso de peso a fatores de
risco e diminuição da qualidade de vida.
Souza e Gonçalves (2021, p. 3) apresentam a visão sócio-histórica de mudança
de percepção da gordura corporal, em que "ora o corpo gordo é tido como o modelo
ideal, representação de riqueza, fartura e boa saúde, ora visto como problema a ser
combatido, sinal de doença e deformidade". De acordo com Souza e Gonçalves (2021),
o binônimo magreza/saúde é fundamentado pela biomedicina, a partir de valores
presentes e ressaltados pelo sistema capitalista, que constantemente coage os corpos a
se enquadrarem em uma ideia específica de corpo saudável, padronizado e produtor
(de lucro, de movimento, de atividade).
Souza e Gonçalves (2021) afirmam que na Idade Média o alimento era escasso e
demonstrar um corpo avantajado era sinônimo de fartura, prosperidade e riqueza. A
configuração corpórea volumosa passou a ser mal vista principalmente a partir da
Revolução Industrial, quando os corpos passaram a ter uma inspeção corporal mais
rígida. O corpo ideal deveria se enquadrar num modelo de vida mais ágil. No
pensamento capitalista, o corpo é entendido como um empreendimento individual e
que deve seguir um padrão baseado em uma dieta entendida como saudável, que
contemple boas escolhas e autocontrole (SOUZA; GONÇALVES, 2021).
A partir dos discursos biomédicos, nos quais as pesquisas geralmente são
baseadas em dados epidemiológicos, o corpo gordo (obeso ou com sobrepeso)
transformou-se em uma questão de saúde pública e, com isso, tornou-se alvo de
políticas de prevenção e de medicalização (ALVES; GUILHERME; SANTOS, 2021). A
gordura passa a ser vista como um problema, com o apoio da utilização de parâmetros
que auxiliam à detecção dos corpos considerados saudáveis/normais e aqueles que são
considerados como doentes/obesos. Dessa forma, os corpos gordos transgridem,
porque “(...) eles parecem violar constantemente as regras que governam o comer, o
prazer, o trabalho e o esforço, a vontade e o controle de si” (FISCHLER, 1995, p. 74).
O corpo gordo transgride uma lógica de consumo presente no sistema
neoliberal, em que: “Alimentos, atividade física, cirurgias plásticas, drogas
farmacêuticas, equipamentos especiais, veículos de informação especializados e um
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sem fim de produtos estão á (sic) sua disposição nas prateleiras do mercado do corpo”
(MATOS; ZOBOLI; MEZZAROBA, 2012, p. 13).
Conforme Jimenez e Silva (2021) é preciso romper com a lógica de patologização
da corporeidade das mulheres gordas. As demandas sociais exigidas para corpos serem
considerados desejáveis ou aceitáveis são diversas, e devemos pensar em alguns
privilégios conferidos à branquitude, corpos enquadrados na cisheteronormatividade,
corpos malhados, jovens ou sem deficiências e deformidades.
[...] o corpo gordo é negado, pois admitir sua existência favorece a tolerância
de uma diversidade física que não é atrativa ao olhar heteropatriarcal, que
não contribui significativamente para o sistema econômico, pois se baseia na
noção do organismo doente que precisa ser atendido e, portanto, não tem
capacidade suficiente para atender às demandas produtivas atuais [...]
(SÁNCHEZ, 2021, p. 6).
4
Sánchez (2021) ressalta a rígida estrutura da estética influenciando na
autopercepção corporal principalmente de mulheres, a partir de uma visão negativa
sobre a gordura corporal que culmina em pensamentos de desvalorização (como
depressão, pensamentos suicidas, sentimentos de vergonha ou culpa). Esta autora
também atenta para o caráter social da visão negativa sobre a gordura corporal, com
construções simbólicas que carregam mensagens depreciativas, como: piadas, silêncios,
olhares, etc. Dessa forma, o disciplinamento do corpo e o treinamento físico
frequentemente fazem parte dos instrumentos para alcançar um padrão estético
corporal que contenha representações sociais positivas.
Conforme Oraka et al. (2020), deve-se atentar que a obesidade, embora presente
em toda a sociedade contemporânea, possui mais incidências em determinados grupos
raciais (como mulheres pretas) e "embora a obesidade não se restrinja a um segmento
populacional, ela é mais frequente nos estratos com menor renda e escolaridade,
estando associada ao consumo alimentar, à inatividade física e ao status
socioeconômico" (ORAKA et al., 2020, p. 2).
4
Tradução do original: “[...] el cuerpo gordo es negado, pues admitir su existencia propicia la tolerancia
de una diversidad sica que no es atractiva a la mirada heteropatriarcal, que no aporta significativamente
al sistema económico, pues se parte de la noción del organismo enfermo que necesita ser atendido y que
por ende, no es suficientemente capaz de cumplir con las exigencias productivas actuales [...]” (SÁNCHEZ,
2021, p. 6).
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O corpo, visto desde esta perspectiva, é um construto social e cultural alvo
de diferentes e múltiplos marcadores identitários. É nele que
marcas/símbolos culturais são inscritos e funcionam como um modo de
classificar, agrupar, ordenar, qualificar, diferenciar, etc. Essas marcas
posicionam de diferentes modos os sujeitos na escala social, determinando
quem pertence ou não a certas classificações de corpo: magro, alto, belo,
branco, jovem, heterossexual, saudável, entre outros. Esses marcadores
identitários não são fixos ou estáveis, são objetos de uma contínua
construção (ANDRADE, 2003, p. 123).
Os protocolos biomédicos estigmatizam os corpos, tentando defini-los a partir
de bases de pesquisa que não conseguem abranger a diversidade de corpos. Medidas
como o IMC (Índice de Massa Corporal) podem ser consideradas como padrões
universais que servem como auxiliares nas pesquisas estatísticas epidemiológicas, mas
que não representam a saúde particular de uma pessoa e nem o bom funcionamento
de seu metabolismo. O IMC, por exemplo, realiza um cálculo por peso que desconsidera
a percentagem referente a gordura, músculos ou ossos (CALLAHAN, 2021).
Neste ensaio pretendemos ponderar sobre alguns/algumas atletas de
modalidades esportivas de alto rendimento que apresentaram na mídia corpos mais
volumosos que os esperados para sua atividade profissional. Para isso, como forma
ilustrativa, trazemos episódios envolvendo atletas que foram lidos/as pela mídia como
corpos fora da norma, em relação ao excesso de peso. Propomos olhar para os corpos
desses/as atletas para mostrar como, em algum momento, a presença deles/delas no
âmbito esportivo pode propor um novo lugar para pensar o esporte de alto rendimento.
Todavia, também refletimos sobre como muitos preconceitos são associados em relação
a esses corpos, principalmente quando se refere a mulheres atletas.
Nas próximas páginas ocupamo-nos de analisar episódios em torno dos discursos
negativos da obesidade e/ou excesso de peso em futebolistas, interrelacionados com
outros marcadores, como: raça/etnia, gênero e classe. Também, analisamos a influência
da gordura corporal na trajetória de uma goleira de handebol e de uma lutadora de jiu-
jitsu. Para a nossa reflexão, utilizamos um conjunto de discursos veiculados na imprensa
sobre os casos dos/das atletas, porque eles nos levam a pensar possibilidades de
compreensão do esporte enquanto um espaço possível de desconstrução dos discursos
biomédicos sobre obesidade e/ou excesso de peso, bem como contribuem no debate
sobre gordofobia no esporte.
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GORDOFOBIA NO FUTEBOL: A GORDURA COMO UM PROBLEMA
Os anônimos que passeiam pelas ruas não são os únicos que sofrem com a
gordofobia. Celebridades das mais diversas áreas passam por pressões estéticas e
recriminações em relação à aparência. Principalmente no meio esportivo, onde a
performance é valorada a partir de resultados, o medo da perda de contratos ou do
risco que pode existir à continuidade da carreira esportiva. Dessa forma, atletas
precisam lidar cotidianamente com questões pessoais (desejos alimentares, saúde física
e mental) e demandas vindas de padrões sociais impostos. Aqui apresentamos três
casos de futebolistas que jogaram na seleção brasileira: os ex-atacantes Ronaldo
“Fenômeno” e Adriano “Imperador” e a goleira Bárbara Michelini Barbosa.
Ronaldo Nazário, brasileiro nascido em 1976, é um ex-futebolista que fez uma
brilhante carreira em equipes como o time holandês PSV, as equipes espanholas
Barcelona e Real Madrid, bem como na equipe italiana da Inter de Milão e no time
brasileiro do Corinthians (onde encerrou sua carreira em 2011). Ronaldo ganhou três
vezes o prêmio de melhor jogador do mundo: em 1996, 1997 e 2002. Ainda, em 1997,
com apenas 21 anos, foi o jogador mais jovem a receber o título de Bola de Ouro.
Inicialmente chamado de "Ronaldo Fenômeno", após um longo período
apresentando excesso de peso, Ronaldo passou a ser chamado de "Gordo" e recebeu
apelidos satíricos como "Gordonaldo" ou "Ronalduxo". Ronaldo era interpretado desde
a Copa de 1998 pelo ator Bussunda (nome artístico de Cláudio Besserman Viana), sendo
alvo de brincadeiras por parte do programa humorístico televisivo “Casseta & Planeta,
Urgente!”. Os discursos sobre o peso apareceram de forma mais positiva quando ele
jogava no PSV (1994/1996) e passou por um processo de fortalecimento muscular,
ganhando "força/músculos" (peso).
Em 2000, no auge da sua carreira, com 23 anos, Ronaldo sofreu uma lesão no
tendão patelar e nos ligamentos do joelho, tendo que ficar afastado do futebol por mais
de um ano. Nos anos seguintes à lesão e à Copa de 2002, especialistas diziam que estava
mais pesado e mais lento, embora suas habilidades técnicas e criatividade em campo
fossem inquestionáveis. A estética de Ronaldo gerou desconforto na mídia e ao longo
de sua carreira lhe rendeu muitos questionamentos e pressões. Principalmente depois
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das lesões, Ronaldo passou a apresentar uma forma física fora dos padrões que
apresentava antes.
Em 2009, ao jogar pelo Corinthians, o jogador chegou à equipe com 115 quilos
e eliminou 30 quilos com planos elaborados pela equipe médica. Em 2012, participou
de um programa da Rede Globo chamado Medida Certa, em que apresentou uma perda
de 17 quilos (passou de 118 a 101 quilos) (MÉDICO AFIRMA QUE..., 2016).
O ex-atleta e atual dono da equipe brasileira do Cruzeiro e da espanhola Real
Valladolid Club de Fútbol atribui sua mudança de peso ao hipotireoidismo, descoberto
em 2007. Ronaldo nunca havia se posicionado sobre as pressões que sofreu por estar
mais gordo. Em 2019, em uma entrevista ao jornal britânico Financial Times, Ronaldo
disse o seguinte: “Eu vejo muitos ativistas para muitas coisas. Se você é negro, se você
é gay . . . [mas as pessoas] chamam o Ronaldo de gordo? Eu nunca ouvi alguém me
defendendo”
5
(AHMED, 2019). Ronaldo se expressou sorrindo e depois
complementando que não se importava, porém esta foi a primeira vez em que revelou
o quanto também gostaria que alguém o defendesse e que suas demandas subjetivas
fossem ouvidas.
Outro atleta que sofreu com discursos gordofóbicos durante a carreira foi
Adriano Leite Ribeiro, conhecido também como "O Imperador" (em alusão ao imperador
romano). Ele foi jogador da seleção brasileira (entre 2000 e 2010) e sua carreira foi
constituída em clubes como Flamengo, Internazionale, Roma e Miami United. Após a
morte do pai, em 2004, o jogador entrou em depressão (IMPERADOR, 2021) e passou a
utilizar álcool e a frequentar casas noturnas, abandonou os treinamentos e começou a
apresentar baixo rendimento em jogos. Antes admirado por seu vigor físico e fortes
chutes, o jogador passou a ser considerado como um problema para os dirigentes de
equipes, devido a seu comportamento inadequado para uma carreira profissional.
Dos esportistas são esperadas rotinas de exercícios, disciplina e dieta
balanceada. Em 2014, após publicar uma foto sem camisa em um churrasco com amigos,
Adriano foi criticado nas redes sociais com comentários como "gordo", "pelancudo" e
indagações como "Tá com quantos meses (de gravidez)?". Sua barriga avantajada
demonstrava um porte físico que o diferenciava dos demais atletas. Entre altos e baixos,
5
Tradução do original: “I see many activists for many things. If you are black, if you are gay.. . [but people]
call Ronaldo fat? I never heard somebody defending me”.
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Adriano afastou-se do futebol, principalmente por não conseguir recuperar sua saúde
mental para um retorno vitorioso aos gramados.
Também com excesso de peso, em julho de 2021, a goleira brasileira Bárbara
Michelini foi criticada pelo jornalista holandês Johan Derksen após uma falha ao
defender um lance que resultou em gol da Holanda nos Jogos Olímpicos. Bárbara
ganhou medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos (2007) e medalha de prata em
Pequim (2008). Ela participou de quatro Mundiais e jogou por equipes brasileiras como
Sport Clube Recife, Kindermann e pela equipe sueca Sunnana SK.
Depois de uma falha da goleira nas Olimpíadas, Derksen disse: "Essa goleira está
acima do peso não? É uma porca com um suéter" (GORDOFOBIA..., 2021, s.p.). A pressão
estética e ridicularização da jogadora foram também reproduzidas pela atleta
paralímpica Andréa Pontes, que em meio a uma discussão no Instagram expressou: "(...)
quer fazer um tiro 200m de velocidade comigo? Você aguenta? ‘Cheinha’ como você
está, o arrasto do caiaque vai ser grande!". Complementar a esta discussão, postou na
legenda da foto “Ao invés de ficar discutindo no Instagram, vai treinar para ver se
emagrece” (MIRANDA, 2021, s.p.). A polêmica rendeu, principalmente porque Bárbara
respondeu à atleta com comentários capacitistas, criticando a deficiência física da
atleta. Sem querer estender a discussão sobre as farpas trocadas entre as atletas, cabe
ressaltar que ficaram explícitos preconceitos por ambas as partes, os quais são
reproduzidos não apenas no meio esportivo, mas também socialmente.
Dos casos acima relatados, pode-se perceber que os três futebolistas (Ronaldo,
Adriano e Bárbara) sofreram críticas quanto ao seu peso em idades que podem ser
consideradas mais avançadas na vida profissional, em torno dos 30 anos. Nenhum deles
estava em início de carreira e passaram durante muito tempo por rígidas rotinas de
padronização do corpo, com pouca liberdade quanto a treinamentos e dietas. Em seus
casos percebe-se que a quebra de padrões aciona mecanismos de controle, hoje
mobilizados pelas redes sociais. Em relação ao esporte, percebe-se que a gordura pode
ser vista como positiva em algumas modalidades, sendo que "existem algumas versões
ocidentais secularizadas com os esportistas 'pesados' (halterofilistas, lançadores de
peso, lutadores de catch, boxeadores de peso pesado, etc.)" (FISCHLER, 1995, p. 75).
No caso de Adriano, ele revela que “(...) como não tínhamos muito dinheiro,
minha avó costumava fazer pipoca pra gente comer. Ou, de vez em quando, ela cortava
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um pedaço de pão e botava um pouco de açúcar no meio. Coisas simples. Era o que
tinha” (IMPERADOR, 2021, s.p.). Devido à falta de recursos financeiros, o jogador
acostumou-se a comer aquilo que a família poderia comprar e que era mais barato ou
que fornecesse mais energia, como os carboidratos e açúcares. Adriano também revelou
que quando saía dos treinos era “hora de tomar um querosene” (IMPERADOR, 2021,
s.p.), indicando a predileção pelo consumo do álcool. A ingestão de alimentos e bebidas
que extrapolam a dieta recomendada aos atletas profissionais, tinham muito a ver com
o seu entorno comunitário e com a história familiar de Adriano.
Em relação às questões étnico-raciais, pode-se evidenciar que tanto Adriano
quanto Bárbara são negros
6
. Em termos culturais e históricos, o corpo negro durante
muito tempo foi voltado ao trabalho braçal e apresentou corpos mais volumosos e com
ingestão de alimentos hipercalóricos. Histórias como a da sul africana Saartjie “Sarah”
Baartman, que no século XIX era exibida em apresentações na França como a “Vênus
Hotentote”, demonstram os resultados da expansão do racismo na sociedade europeia,
reproduzindo desde os anos 1700 ideias de que as mulheres negras eram "encorpadas"
e que este aspecto corporal seria um sinônimo de selvageria (STRINGS, 2020).
O corpo gordo é um corpo ambivalente, considerado como maligno ou benigno
(FISHLER, 1995). É um corpo que ora é considerado egoísta, por quebrar a regra de
divisão igualitária dos alimentos ou de cuidado próprio, ora é considerado divertido,
carismático ou alvo de piadas. O corpo “gordinho” é aquele que pode ser símbolo de
alegria, de alguém que desfruta da comida sem culpa ou que simplesmente tem um
metabolismo que lida de forma diversa com a ingestão calórica.
Apesar de ser visto como inapto ao trabalho, o corpo gordo pode ser também
um corpo forte e potente. A corpulência pode ser positivada a partir de um olhar que
utilize critérios sociais que não culpabilizem a gordura, mas que procurem entender suas
causas e repercussões nos diferentes corpos.
6
Em 2005, Ronaldo se autodeclarou branco (CAPRIGLIONE, 2008) e gerou críticas principalmente da
comunidade negra em relação à dificuldade de algumas pessoas em assumir sua negritude e com isso
contribuírem para a omissão dos debates em relação à questão racial.
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EXCESSO DE PESO X PERFORMANCE ESPORTIVA
A goleira Teresa Patrícia Almeida, angolana nascida em 1988, representou seu
país no Campeonato Mundial Feminino de Handebol em 2013 (na Sérvia) e nos Jogos
Olímpicos Rio 2016. Mais conhecida como Bá, ela ficou bastante popular na época dos
Jogos no Rio por seu carisma e atuação, apesar das críticas recebidas por estar acima do
peso considerado ideal para uma atleta de handebol.
Bá, por meio dos discursos da mídia na época dos Jogos Olímpicos Rio 2016, teve
sua imagem ligada à aparência de seu corpo, negro e gordo, mais do que por sua boa
performance e seus anos de treinamentos. Em uma de suas entrevistas ela desabafou
sobre as pessoas não acreditarem em seu potencial, mas afirmou que ela própria
acreditava ser capaz de demonstrar que é possível fugir dos padrões desejados para um
corpo atlético:
‘Todos dizem que sou muito fofinha. Muita gente não acredita que com o
corpo que tenho possa praticar um esporte como este. Mas com trabalho
tudo é possível. Quero mostrar que as gordinhas também podem se dar bem
no esporte’, afirmou sem nenhum constrangimento (GOLEIRA... 2016,
s.p.).
Denise Sant’anna (2016), no livro “Gordos, magros e obesos: uma história do
peso no Brasil”, mostra como do século XIX ao XXI a passagem histórica do corpo no
Brasil simboliza também as transformações culturais, comportamentais e alimentares
da população, e como o corpo rechonchudo passa de lindo e saudável para reprimido e
adoecido. Segundo Sant'anna (2016), no final da década de 1920, com o surgimento de
propagandas que buscavam comercializar remédios para emagrecimento associados
especificamente a gordura feminina e a um corpo descuidado, buscava-se “[...]
desvalorizar as silhuetas rechonchudas [...] e afinar a cintura das jovens em busca do
casamento” (SANT’ANNA, 2016, p. 70). Foi assim que os discursos sobre o excesso de
peso se disseminaram. Com o boom dos produtos de beleza e cosméticos no mercado
estético, ressoavam discursos nos quais “engordar era sinônimo de perder a elegância”
(SANT’ANNA, 2016, p. 72), e assim a exclusão do corpo gordo e a modificação nos
padrões de beleza foram se solidificando por meio de propagandas em diferentes
mídias. Nestas propagandas, as mulheres exibiam a vergonha de serem gordas e a
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preocupação na busca por apresentarem silhuetas esguias que agradassem aos homens.
Percebe-se, portanto, não apenas um discurso ligado à estética, mas também à
reprodução de uma heterossexualidade compulsória (RICH, 2010).
A todo momento o nome de Teresa estava ligado ao seu peso e seu corpo,
questionando, por meio dos discursos da mídia analisados, se ela estaria contente com
o seu físico. Percebemos, desse modo, que o corpo de se torna publicamente alvo de
julgamentos. Em várias reportagens sobre a atleta Teresa Almeida, encontramos
referências sobre o seu corpo fora dos padrões atléticos, colocando seu corpo robusto
permanentemente em discussão, em detrimento de sua boa performance.
Em uma das reportagens, uma nutricionista foi entrevistada e afirmou que é
possível ser uma atleta de elite obesa, mas que “no caso da goleira Bá, provavelmente
o excesso de peso não é desejável do ponto de vista da saúde, mas ela, apesar disso,
tem um desempenho que a levou ao mais elevado nível de competição” (GORDINHOS
OLÍMPICOS…, 2016, s.p.). Observa-se que, apesar de associar a gordura à ideia de saúde,
a nutricionista não pôde deixar de considerar que o desempenho de estava de acordo
com o nível esperado.
Em nenhuma das matérias jornalísticas foi possível perceber os questionamentos
ou reflexões sobre a possibilidade de corpos acima do peso, por vezes, estarem mais
saudáveis e/ou “menos sedentários”
7
. A gordura traz à tona discursos sobre transtornos
alimentares, por meio dos quais o corpo gordo é relacionado a pessoas que possuem
problemas emocionais, “descontando” na comida suas tristezas, causando a obesidade
e/ou a compulsão alimentar (SANT’ANNA, 2016).
Em uma das reportagens que circulou em sites de notícias dos Jogos Olímpicos
Rio 2016, é possível perceber que, mais uma vez, o corpo de Teresa não passava
despercebido. Novamente, a forma física dela foi referenciada como atípica para uma
atleta de handebol, e assim como em outras reportagens, o peso da atleta foi citado,
indicando que estava acima do indicado. A matéria: “Gordinha sensação do handebol
admite que sobrepeso atrapalha, mas ignora regime” (GORDINHA…, 2016) traz em seu
conteúdo uma série de perguntas feitas à atleta, sobre o quanto seu sobrepeso poderia
7
Conforme Fraga (2016), o termo “sedentário” é impreciso, pois não há parâmetros concretos para medir
o que poderia ser considerado como sedentarismo. Talvez se possa mais relacioná-lo a um conjunto de
comportamentos considerados negativos pelo saber médico, tal como não realizar atividade física e um
imaginário ligado à depressão, gordura e falta de cuidado.
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atrapalhar na hora da partida. Ainda que, em momento algum, a atleta dissesse que
seus quilos atrapalhavam sua performance, a reportagem questionava o estilo de vida
da atleta, incentivando-a a tentar uma dieta para facilitar sua mobilidade.
Uma outra relação bastante vinculada aos discursos produzidos sobre é que
saúde se o corpo for magro. E o conceito de saúde atualmente difundido é
impregnado de preconceitos e de aversão a corpos gordos. Em um trecho o profissional
da saúde entrevistado afirma:
Em outras palavras, o fato de ser atleta não anula completamente as
desvantagens do excesso de peso. O motivo para o pessimismo está baseado
em estatísticas médicas - um indivíduo mais pesado, mesmo que ativo
fisicamente, vive menos (na média) do que uma pessoa com índice de massa
corpórea (IMC) normal. Os problemas geralmente aparecem no médio ou
longo prazo. Se todo o peso extra fosse músculo, não teria esse problema,
mas a gente sabe que não é o caso (GORDINHA…, 2016, s.p.).
Propomos pensar que a própria definição de saúde não é unívoca para pensar os
corpos. Da forma como a mídia vem construindo discursos, o corpo adiposo está
destinado à aniquilação e funciona como um lembrete de que tipos de corpos que
estão sob risco de fracasso e são culpados, deformados e abjetos. Dessa forma, percebe-
se que: “a imagem do corpo de um gordo é visceralmente rejeitada e serve para
caracterizar todo tipo de identidade social ou do comportamento negativo do ponto de
vista moral” (SCHPUN, 1997, p. 104).
De um lado, na atualidade percebe-se um forte apelo por uma sociedade mais
ativa em relação à saúde e à busca de resultados. O controle dos corpos é
constantemente reforçado por meio de inúmeros discursos jornalísticos ou biomédicos
que apontam a necessidade de se exercitar continuamente, fazer caminhadas, corridas,
bem como frequentar academias de ginástica. Por outro lado, encontram-se as
expansões de lanchonetes, praças de alimentação repletas de fast food, que pouco
oferecem em termos nutricionais. Ao mesmo tempo, dados estatísticos vêm mostrando
que a obesidade atinge proporções epidêmicas, principalmente entre as famílias com
menos condições econômicas (SANT’ANNA, 2016).
Neste contexto, o corpo obeso ou com excesso de peso torna-se o diferente, o
fora do padrão, e causa estranheza a quem tem o olhar impregnado com preconceito e
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que repete a exclusão em outros espaços sociais. No campo esportivo, essa exclusão
não seria diferente, pois se apresenta como um lócus no qual o cumprimento de regras
é fundamental para que permaneça funcionando como tal. Assim, o corpo obeso é
percebido como aquele que viola determinadas normas de treinamento e alimentação.
O corpo opulento afeta o ideal de saúde vinculado a corpos atléticos. Os corpos dos/as
atletas de alto rendimento se apresentam como um modelo de saúde e moral
hegemônica e higienista para o restante da população, instada a todo o momento à
prática de esportes e aos cuidados corporais.
Há um vínculo estreito com a difusão dos discursos em relação ao esporte como
produtor de saúde física e moral para a população; e os atletas são vistos como aqueles
que devem servir como exemplos a serem seguidos. Ao compreendermos a gordofobia
como um preconceito que tem como alvo a imagem de um corpo, percebe-se que a
representação de pessoas gordas, especialmente de mulheres, extrapola a reprodução
das críticas e preconceitos em diferentes contextos sociais.
QUANDO A GORDURA “VIRA” MÚSCULOS
Gabi Garcia, de 37 anos, 1,87 metros de altura e 111 quilos é considerada uma
lenda do jiu-jitsu e possui uma carreira repleta de conquistas, incluindo múltiplas
medalhas de ouro nas principais competições da modalidade. Ela foi nove vezes campeã
mundial de jiu-jitsu e onze vezes campeã em Jogos Pan Americanos, dentre outros
títulos. No campeonato de MMA (Mixed Martial Arts), a atleta até julho de 2022
permanecia invicta, com cinco vitórias nas seis lutas que fez como profissional, cinco
delas no evento japonês RIZIN e uma no americano ROAD, e uma luta sem resultado.
Todas as suas vitórias foram por nocaute ou finalização.
Além de toda a preparação para lutar MMA, Gabi Garcia passou por uma grande
transformação física. A lutadora perdeu 40 quilos para estrear no campeonato, em
2015. Esta mudança física causou, na mídia, muito debate sobre seu corpo, que passou
do excesso de peso para uma musculatura bastante avantajada.
Em sua página do Instagram, Gabi postou duas fotos anteriores e posteriores ao
seu processo de emagrecimento. Na foto ela publicou uma legenda em que explicava o
porquê da mudança e mostrava que a escolha do corpo ideal deve ser feita por quem
mora dentro dele e não por quem está do outro lado. A atleta escreveu: “Na foto da
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esquerda eu era campeã mundial de Jiu-Jitsu e as pessoas falavam que eu estava
gorda. Na foto da direita, 30 dias atrás as pessoas falam que estou muito forte [...]
desculpa se minha felicidade e meu corpo não estão no padrão. Eu nasci pra ser fora
dele” (GABI GARCIA, 2015, s.p.).
As postagens de Gabi em seu Instagram, bem como a maioria das notícias
disponíveis sobre a atleta, fortalecem sua mudança física, os hábitos de vida que
acarretaram a perda de peso, bem como, a beleza da atleta. Gabi compartilha muitas
fotos sensuais e reitera, por meio de suas postagens, que é possível ser uma atleta
vitoriosa, sensual e forte.
Um determinado padrão de beleza é construído por meio de discursos em
diferentes âmbitos sociais, inclusive, e fortemente, na mídia. A padronização dos corpos
de mulheres (atletas ou não), o reforço da imagem de corpos atraentes em revistas,
sites e propagandas lançam e incentivam uma busca incansável da aparência física
idealizada como "bela" (RUSSO, 2005), criando diferentes padrões de feminilidades,
para que as mulheres não deixem de lado as características ditas femininas. Na busca
de uma beleza mais torneada e marcante, no caso das atletas de alto rendimento, a
feminilidade se aproxima de alguns padrões de masculinidades, que têm como uma das
principais características a força, porém, “a suposta ferocidade dos homens deixou de
ser vista como um atributo exclusivo a seu sexo” (SANT’ANNA, 2014, p. 150). E Gabi
assume alguns rótulos com orgulho, citando suas conquistas e sendo chamada pela
mídia como "She-Hulk", "Gogzila" ou "La gigante" (LA MUTACIÓN..., 2021, s.p.).
Le Breton (2003, p. 26) explica que o corpo é hoje um “desafio político
importante — um analista fundamental das sociedades contemporâneas” e esse corpo
deve ser construído, arquitetado em suas formas, encobrindo fragilidades e seus
excessos. No caso esportivo, o corpo é a ferramenta com a qual se busca uma aparência
aliada à performance. Nos casos de e de Gabi, são figuras que positivam atributos
que são considerados como fora do padrão hegemônico do corpo atlético.
Segundo Knijnik e Simões (2000), juntamente com sua imagem corporal, as
atletas são moldadas pelo “mito do belo”, traduzido no “discurso da beleza do corpo
feminino, um discurso pronto para construir um corpo feminino num tamanho
específico, com gestos e movimentos restritos, diferentes e sedutores” (KNIJNIK,
SIMÕES, 2000, p. 199). É esse corpo atlético que é admirado, idolatrado e desejado pelo
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imaginário social e esportivo. “Essencial enquanto veículo do ser (atleta) no mundo, o
corpo também é estampa viva dos estereótipos de beleza e feiura(KNIJNIK, SIMÕES,
2000, p. 198). Gabi Garcia era campeã mesmo com seus 150 quilos, então o que pode
ter levado a atleta a buscar um outro padrão de apresentação de seu corpo?
Sabe-se que as categorias sociais se adaptam a cada tempo histórico e possuem
diferentes significados, construídos em cada sociedade. O corpo “belo”, “atlético” ou
“saudável” é resultado de adequações a atributos e formatos de apresentação que com
o passar do tempo, podem ser positivados ou negativados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Utilizamos os discursos da mídia para pensar como ela constrói e passa a
influenciar nos estereótipos, preconceitos e construções culturais acerca de corpos que
apresentam dobras ou excessos de gordura, bem como esses mesmos discursos podem
modificar o entendimento da performance de esportistas atuantes no esporte de alto
rendimento. A partir dos exemplos trazidos ao longo deste ensaio, vimos que nem
sempre a gordura/obesidade ou excesso de peso põem em xeque o desempenho de
atletas. Ao contrário, refletimos sobre como é possível, mesmo a corpos que fogem dos
padrões de um biótipo considerado atlético, demonstrar uma boa performance. Tereza
e Gabi, servem como exemplos.
Claramente, existe uma lacuna nos estudos da obesidade (gordura e/ou excesso
de peso) no caminho oposto ao que os estudos biomédicos vêm apresentando,
geralmente fundamentados nos argumentos de bem-estar e vida saudável (o corpo
gordo é tratado como doente, anormal e sem saúde). A gica gordofóbica construída
pelo discurso biomédico nos parece empurrar os/as gordos/as para a margem da
sociedade com base em um discurso sobre a saúde, desconsiderando a potencialidade
dos corpos gordos.
Nossa intenção aqui é ampliar as possibilidades de pensar o esporte de alto
rendimento, reivindicando que os corpos gordos podem e devem ser entendidos por
vieses que não carreguem tantos estigmas, preconceitos, estereótipos e exclusão. As
críticas voltadas ao corpo gordo não carregam apenas aspectos de valorização da
produtividade, mas também carregam ideais sobre o que é considerado um corpo
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atrativo (principalmente por um viés heteronormativo), a partir de estudos que muitas
vezes desconsideram a raça/etnia, regionalidade e nível socioeconômico na construção
dos ideais corporais.
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