https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v28n2p150-161
Vol. 28, n. 2, jul/dez, 2022
ISSN: 2179-6807 (online)
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POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS
HUMANOS: O CASO DAS COTAS RACIAIS BRASILEIRAS
Gustavo Henrique Camargo Eufrásio
1
Carmem Lúcia Costa
2
Resumo: Na tentativa de apresentar uma articulação entre direitos humanos e a educação, este
artigo visa promover um debate em torno da importância das políticas de ação afirmativa no
reconhecimento de desigualdades e na promoção de acesso à universidade, com destaque para
o viés das cotas raciais. Para esta escrita foi realizada uma pesquisa, cuja metodologia de cunho
qualitativo recorreu em bibliografias que discutem direitos humanos, relações étnico-raciais e
políticas de ação afirmativa, tendo como foco central entender que a política de cotas é um
mecanismo fundamental na promoção de justiça social e de diversidade em espaços
historicamente marcados por desigualdades, como a universidade pública brasileira.
Palavras-chave: Políticas de Cotas. Direitos Humanos. Universidade. Ação Afirmativa.
AFFIRMATIVE ACTION POLICIES FROM A HUMAN RIGHTS PERSPECTIVE: THE CASE OF
BRAZILIAN RACIAL QUOTAS
Abstract: In an attempt to present a link between human rights and education, this article aims
to promote a debate about the importance of affirmative action policies in the recognition of
inequalities and the promotion of access to the university, with emphasis on the bias of racial
quotas. For this writing, research was conducted, whose qualitative methodology used
bibliographies that discuss human rights, ethnic-racial relations, and affirmative action policies,
with the central focus of understanding that the policy of quotas is a fundamental mechanism
for promoting social justice and diversity in spaces historically marked by inequality, such as the
Brazilian public university.
Keywords: Quota Policies. Human Rights. University. Affirmative Action.
LAS POLÍTICAS DE ACCIÓN AFIRMATIVA DESDE LA PERSPECTIVA DE LOS DERECHOS HUMANOS:
EL CASO DE LAS CUOTAS RACIALES BRASILEÑAS
Resumen: En un intento de presentar un vínculo entre los derechos humanos y la educación,
este artículo pretende promover un debate sobre la importancia de las políticas de acción
afirmativa en el reconocimiento de las desigualdades y la promoción del acceso a la universidad,
con énfasis en el sesgo de las cuotas raciales. Para este escrito se realizó una investigación, cuya
metodología cualitativa utilibibliografías que discuten los derechos humanos, las relaciones
étnico-raciales y las políticas de acción afirmativa, con el enfoque central de entender que la
1
Mestrado em Direitos Humanos, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos
(UFG). ORCID: orcid.org/0000-0001-7551-9980. E-mail: guscmg@discente.ufg.br.
2
Doutora em Geografia, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG),
Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFCAT). ORCID: orcid.org/0000-0002-6629-1512. E-mail:
clcgeo@gmail.com.
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política de cuotas es un mecanismo fundamental en la promoción de la justicia social y la
diversidad en espacios históricamente marcados por la desigualdad, como la universidad pública
brasileña.
Palabras-clave: Políticas de cuotas. Derechos Humanos. Universidad. Acción afirmativa.
INTRODUÇÃO
A realidade brasileira se apresenta em constante transformação, séculos
relações sociais e espaciais se realizam e resultam no cotidiano atual. Através disto e
buscando compreender as políticas de ação afirmativa no espectro brasileiro dos
direitos humanos, a proposta de artigo apresentada busca responder o seguinte
questionamento: as cotas raciais são um instrumento capaz de assegurar o direito à
universidade?
Respondendo à pergunta, é esperado que se compreenda a importância de
políticas de ação afirmativa capazes de assegurar o princípio da igualdade em uma
sociedade marcada pela desigualdade, inclusive racial. Deste modo, o caminho
metodológico é calcado nas proposições de Minayo (1994), que ressalta a importância
do caráter qualitativo na pesquisa social, enfocando na qualidade de informações e na
busca por assegurar um rigor teórico-prático no objeto em análise, além disso espera-
se que as contribuições da interseccionalidade sejam representadas no artigo,
sobretudo para articular diferentes eixos de recorte na realidade socioespacial, para
além de um viés único (CRENSHAW, 2002, p. 177).
Logo, a pesquisa qualitativa realizada segue por um caminho de revisão
bibliográfica em estudiosas(os) que articulam, de algum modo, temas ligados à política
de cotas, relações étnico-raciais e direitos humanos, especialmente com recorte
brasileiro. A necessidade da realização deste artigo é uma articulação com a pesquisa
em desenvolvimento no nível de mestrado no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH), pela Universidade Federal de Goiás
(UFG).
O artigo segue dividido em duas partes. A primeira se dedica ao resgate
conceitual em torno dos direitos humanos, das políticas de ação afirmativa e do embate
entre o princípio da igualdade e as desigualdades existentes na sociedade brasileira. Na
segunda parte, busca-se apresentar um histórico das políticas de ação afirmativa, com
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destaque as cotas raciais, divulgando dados que asseguram um caminho de reparação
ao acesso nas universidades públicas brasileiras.
O que se espera é promover um debate que reconheça a educação e o acesso a
ela como um direito humano. Nos dizeres de Rodrigues seria reconhecer que “a
educação se torna uma das possibilidades de enfrentamento e resistência às mazelas
postas pela sociedade” (2019, p. 32), em que as cotas raciais podem vir a ser meios
necessários para promover uma justiça social na atualidade, apesar haver precisado de
anos para ser reconhecida e implementada.
DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA: CONCEITOS E FINALIDADES
O termo “direitos humanos” tem se popularizado cada vez mais, de pessoas
reacionárias aos “defensores” se escuta algum comentário que, a contragosto ou não,
se efetiva em um debate atual. O termo em si carrega seu peso jurídico, mas está para
além, sendo transversal e tocante à realidade diária de todas as pessoas. Logo, a própria
conceituação se torna múltipla, ao mesmo tempo que necessária, afinal de contas seu
caráter subjetivo agrega pensar em vivências impactadas pelo regime social que faz
necessário fundamentar e declarar direitos, enquanto humanamente necessários
(DOUZINAS, 2021, p. 11).
O teórico Norberto Bobbio (2004) em A Era dos Direitos vai apresentar que a
Revolução Francesa é um marco para começar a se pensar, inclusive
constitucionalmente, em direitos que são inatos ao ser humano, de modo que precedem
qualquer diferença que venha a surgir entre as pessoas. O ideal liberal que advém com
as Revoluções Francesa e Americana endossa a necessidade de pensar que pessoas
nascem livres e iguais e, portanto, carecem de fundamentos idênticos. Todavia, esse
caráter paradoxal, na visão de Douzinas (2021), é o que sustenta o avanço histórico e
legal dos direitos humanos enquanto um tema pertinente à sociedade, especialmente a
capitalista.
Essa controvérsia é confirmada através de Bobbio (1979) e Douzinas (2021), pois
ambos concordam que o Estado está aliado à classe dominante e busca efetivar seu
exercício em afinidade à sua gênese, no caso burguesa. Assim, a concepção
individualista da sociedade, demarcada pela propriedade privada, conforme Engels
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(1884; 2017), corrobora para se pensar que os direitos que precedem qualquer norma
jurídica e estão muito mais alinhados ao cunho essencialista e moral, apresenta um
caráter dúbio pois, ao mesmo tempo que pauta algo que nasce e se consolida com aval
burguês, é por ele que muitas possibilidades de reivindicação se efetivam, como é visto
a seguir:
as proclamações dos direitos do homem e do cidadão não desapareceram,
mesmo na era do positivismo jurídico, como ainda continuaram a se
enriquecer com exigências sempre novas, até chegarem a englobar os
direitos sociais e a fragmentar o homem abstrato em todas as suas possíveis
especificações, de homem e mulher, criança e velho, sadio e doente, dando
lugar a uma proliferação de cartas de direitos que fazem parecer estreita e
inteiramente inadequada a afirmação dos quatro direitos da Declaração de
1789 (BOBBIO, 2004, p. 55).
A Constituição Federal de 1988, documento magno brasileiro, é um exemplo que
caminha neste sentido, buscando evidenciar e fundamentar direitos a sua população,
alinhando contrato social e democracia como elementos que levam ao compromisso
prático. O princípio da igualdade na Constituição está em seu prelúdio, coadunando para
que sejam reconhecidas as desigualdades e estas necessitam de redução e erradicação
(BRASIL, 1988).
Isto dialoga com o que escreve Douzinas, “os direitos humanos tanto escondem
quanto afirmam a estrutura dominante, mas também podem revelar a desigualdade e
a opressão, e ajudar a desafiá-las” (2021, p. 12). Deste modo, reconhecer o princípio da
igualdade como elemento fundamental para construção social e política é também dar
tom aos alicerces desiguais da vida cotidiana, especialmente quando atinge grupos
sociais minoritários. O movimento negro é um exemplo pois, “a ação do movimento
negro, não só no combate ao racismo, mas também na proposição de alternativas para
a correção das desigualdades raciais, vivenciou uma trajetória de amadurecimento
político” (GOMES; SILVA; BRITO, 2021, p. 3), como dizem, durante anos, trilham
caminhos de tensionamento e reinvindicação em prol da denúncia de desigualdades,
além de proposições de ações.
Uma dessas propostas são as políticas de ação afirmativa, compreendidas por
Joaquim Barbosa, jurista brasileiro, como:
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políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio
constitucional da igualdade material e neutralização dos efeitos da
discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de
compleição física [...] visam combater não somente as manifestações
flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo
cultural, estrutural, enraizada na sociedade (GOMES, 2003, p. 90).
Como o próprio conceito já diz, é por meio do reconhecimento de desigualdades
que se faz necessário a implementação de tais políticas. Logo, enunciar o racismo e seus
desdobramentos é um dos primeiros caminhos para buscar pensar em cotas raciais
como meio de ação afirmativa. Todavia, Freyre (1933; 2003) tornou dificultoso pensar
nesta superação, visto que suas análises resultaram no pensamento social de que a
identidade nacional brasileira foi construída em um espectro multirracial e, de certo
modo, miscigenado, culminando em uma suposta democracia racial, que seria: “a
crença de que somos uma nação onde pessoas de todas as raças vivem em harmonia,
sem conflitos ou segregações” (IBASE, 2008, p. 14).
Deste modo, os mecanismos cotidianos racistas passam a ser reconhecidos como
algo “mítico”, apesar dos dados e das realidades mostrarem o contrário. Em 2011, o
Censo do Ensino Superior mostrou que, dos oito milhões de matrículas em cursos de
graduação, somente 11% foram realizadas por pessoas pretas ou pardas (BRITO, 2018,
online). Assim, reconhecer o racismo é fundamental para trilhar um novo caminho e é
isto que, de algum modo, pessoas negras vêm realizando, como dizem Gomes, Silva e
Brito (2021), denunciando realidades e provocando transformações.
Doravante, conforme Gomes e Silva (2003, p. 95), reduzir a desigualdade
perpassa pela ação do Estado e dos demais atores sociais na busca por conscientização
e resultados materiais, sobretudo no plano educacional através das cotas raciais,
enquanto mecanismo legal de ação afirmativa.
AS COTAS RACIAIS NO BRASIL: IMPLEMENTAÇÃO E IMPACTOS
O caminho conturbado até a realidade atual com políticas de ação afirmativa
implementadas, inclusive as cotas raciais, é marcado por apagamento de epistemologias
e referências negras e, além disso, por um conflito de reações, como pode ser
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visualizado em 2008, quando favoráveis e contrários às cotas raciais endereçaram seus
respectivos manifestos ao Supremo Tribunal Federal (STF), além do reconhecimento
tardio do Brasil ser um país racista e até mesmo da implementação efetiva das cotas.
Como mencionado, somente em 1995 que o então presidente Fernando
Henrique Cardoso reconheceu o Brasil enquanto um país racista, sendo que anos
intelectuais e movimentos sociais vinham denunciando desigualdades marcadas pelo
viés racial (GOMES; SILVA; BRITO, 2021). Mas, é a partir deste momento que avanços
começam a se efetivar, sobretudo pela participação do Brasil, em 2001, na
Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em
Durban (África do Sul).
Em 2003, com a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da república
surge a Secretaria de Política Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), a
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e a Lei
10.639/03, pautando questões raciais na agenda do estado brasileiro. Ainda assim,
políticas de ação afirmativa, sobretudo para ingresso nas universidades, não foram
implementadas neste primeiro momento.
O contexto da educação brasileira sempre foi marcado por desigualdades,
tornando necessária tal lei. O jurista Joaquim Barbosa pontua que, “a educação é o mais
importante dentre as diversas prestações que o indivíduo recebe ou tem legítima
expectativa de receber do Estado” (GOMES; SILVA, 2003, p. 99), todavia é o mesmo
Estado que constrói mecanismos de dificuldade em garantia de direitos, inclusive à
educação. Como o mesmo jurista expõe a respeito da educação superior brasileira:
O ensino superior de qualidade no Brasil está quase inteiramente nas mãos
do Estado. E o que faz o Estado nesse domínio? Institui um mecanismo de
seleção que vai justamente propiciar a exclusividade do acesso, sobretudo
aos cursos de maior prestígio e aptos a assegurar um bom futuro profissional,
àqueles que se beneficiaram do processo de exclusão [...] esta é, pois, a
chave para se entender por que existem tão poucos negros nas universidades
públicas brasileiras, e quase nenhum nos cursos de maior prestígio (GOMES;
SILVA, 2003, p. 100).
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Isto posto, para se pensar em reverter tal situação se mostra importante a
implementação das políticas de ação afirmativa, especialmente como meio de
realmente garantir o princípio constitucional da igualdade, além do artigo terceiro da
constituição, Joaquim Barbosa apresenta outras frações da Constituição Federal que
reverberam a necessidade de o Estado agir afirmativamente em prol da redução de
desigualdades e da promoção de justiça social no território brasileiro, como o mesmo
pontua:
(...)-se, portanto, que a Constituição Brasileira de 1988 não se limita a
proibir a discriminação, afirmando a igualdade, mas permite, também, a
utilização de medidas que efetivamente implementem a igualdade material
[...] o princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros
acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado
(GOMES, SILVA, 2003, p. 103).
Neste sentido que a luta se acirra, em prol de políticas que garantam tal
princípio, além de reparações, inclusive ao povo negro. Através de Gomes, Silva e Brito
(2021), entende-se que em certos estados e municípios as cotas raciais surgiram
anteriormente ao plano nacional, com destaque à Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), à Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e à Universidade
do Estado da Bahia (UNEB), três instituições que entre 2002 e 2003 aprovaram a
institucionalização das cotas raciais. A primeira universidade federal a aderir às cotas
raciais foi a Universidade de Brasília (UnB), em 2004. Através deste movimento que
outras Instituições de Ensino Superior (IES) estaduais e federais aderem ao sistema de
cotas, ao mesmo tempo que reacionários levantavam questionamentos quanto à
validade e às consequências deste acesso, como o caso emblemático ocorrido na UnB,
em 2007
3
.
O avanço da discussão em torno da implementação da política de cotas aguçou
o debate em torno da sua constitucionalidade, levando ao STF tal questionamento, em
2008. Dois manifestos marcam este episódio, um favorável e outro contrário, cujos
3
Vide reportagem realizada pelo G1, intitulada “Cotas na UnB: gêmeo idêntico é barrado”. Disponível em:
https://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL43786-5604,00-
COTAS+NA+UNB+GEMEO+IDENTICO+E+BARRADO.html. Acesso em: 04 jul. 2022.
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argumentos contrários se concentravam em uma nova hierarquização entre pessoas
4
,
enquanto que os argumentos favoráveis se destinavam a necessidade das cotas raciais
para combater desigualdades historicamente dedicadas ao povo negro
5
.
Este acalorado debate culmina em 2012, no reconhecimento constitucional das
cotas raciais e, em seguida, a presidenta Dilma Rousseff sanciona a Lei 12.711/12:
que dispõe sobre o ingresso nas universidades e institutos federais de ensino
técnico de nível médio e superior. Conforme o texto da Lei, 50% das vagas
passam a ser preenchidas, por curso e turno, por estudantes oriundos de
escolas públicas; autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção
no mínimo igual à representação dos grupos na população da unidade da
federação em que a instituição se encontra situada (IBGE, 2019); candidatos
com renda per capita menor ou igual a um salário mínimo e meio. Em 2016,
a Lei 13.409, altera a Lei de Cotas, para dispor sobre a reserva de vagas
para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior
nas instituições federais de ensino (GOMES; SILVA; BRITO, 2021, p. 6-7).
Nas notas de seu artigo, o jurista Joaquim Barbosa, no início do século XXI,
expunha que, no Brasil, as faculdades de direito de boa qualidade eram redutos da elite
branca, onde dificilmente se encontravam pessoas negras (GOMES; SILVA, 2003, p. 121).
Mas, a partir de 2012 a realidade universitária começa a ganhar um novo caminho pois,
juntamente com as políticas de ação afirmativa, em especial as cotas raciais, e os
incentivos de reestruturação das universidades, torna possível uma maior diversidade
de pessoas ingressando nos espaços acadêmicos (RODRIGUES, 2019, p. 15).
A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em
2019, comprova isto:
estudantes pretos ou pardos passaram a compor maioria nas instituições de
ensino superior da rede pública do País (50,3%), em 2018. Entretanto,
seguiam sub- representados, visto que constituíam 55,8% da população, o
que respalda a existência das medidas que ampliam e democratizam o
acesso à rede pública de ensino superior (IBGE, 2019, p. 9).
4
Vide reportagem da Folha de São Paulo, intitulada “Confira íntegra de manifesto contra cotas e quem o
assinou”. Disponível em: https://folha-online.jusbrasil.com.br/noticias/9211/confira-integra-de-
manifesto-contra-cotas-e-quem-o-assinou. Acesso em: 04 jul. 2022.
5
Vide reportagem da Folha de São Paulo, intitulada “Manifesto em defesa da justiça e constitucionalidade
das cotas”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1405200808.htm. Acesso em:
04 jul. 2022.
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Um avanço de pessoas negras nas universidades públicas brasileiras é um fato
comprovado na pesquisa do IBGE e também em outras pesquisas, como a realizada pela
UERJ, envolvendo outras três universidades, onde é possível identificar ganhos
satisfatórios em termos de qualidade de ensino:
Perguntados sobre o desempenho de estudantes cotistas, quase 74% dos(as)
docentes considerou bom ou muito bom o desenvolvimento acadêmico
desses(as) estudantes. Em relação ao desenvolvimento das universidades,
mais de 90% avaliaram como igual ou melhor com a utilização do sistema de
cotas (IBASE, 2008, p. 33).
Pensando sobre uma instituição específica, Oliva (2020) apresenta dados sobre
a UnB, cujo:
período estipulado de 2014/1 a 2018/2, a pesquisa identificou 46.939
ingressantes na Universidade de Brasília. Esse total dividiu-se entre 15.292
alunos que ingressaram pelas cotas para escola pública, 2.320 ingressantes
pelas cotas para negros e 29.327 que ingressaram pelo sistema universal.
Foram analisados 89 cursos de graduação (diurnos e noturnos) da UnB no
mesmo período (OLIVA, 2020, p. 65).
Este crescimento é positivo entre cotistas, aumentando consideravelmente nos
cinco anos analisados por Oliva (2020), em especial por evidenciar que os anti-cotas
estavam enganados que haveria uma nova desigualdade pois, no entendimento deles,
negros seriam beneficiados com mais vagas, mas o que se é um número elevado de
ingressantes oriundos das escolas públicas, cujo modelo de cota é social.
Para se ter ideia, nos cursos de graduação ligados às ciências humanas da UnB,
a qualidade de ensino se manteve entre cotistas e não-cotistas:
Ao compararmos os índices de rendimento dos alunos cotistas de escola
pública e dos não-cotistas a maior variação encontrada foi de 0,42 a mais
para os não-cotistas no curso de Psicologia. A menor variação encontrada foi
para os cursos de Filosofia e Geografia, nos quais, de acordo com os dados
disponibilizados, os índices de rendimento ficaram praticamente empatados
entre os alunos cotistas de escola pública e os o-cotistas (OLIVA, 2020, p.
80).
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Os dados demonstram que a universidade ao invés de perder qualidade,
manteve-a sem prejuízo. O mesmo é visualizado em estudo de Vilela, Menezes-Filho e
Tachibana (2016), que apresentam informações sobre as notas dos ingressantes à UFG
através do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), para eles “a inclusão das cotas, em
qualquer um dos casos, não tem impactos significativos sobre a nota média” (op. cit., p.
15). Assim como Rodrigues (2019) atesta, o avanço de políticas públicas para a educação
possibilitou um crescente número de ingressantes com perfil socioeconômico de até um
salário mínimo e meio.
Proporcionando um avanço de diversidade de vivências e teorias, tanto em
acesso como no ensino, sem contar com a futura atuação profissional, é importante
reconhecer que as políticas de ação afirmativa, especialmente as cotas raciais, são meios
fundamentais para promover o enriquecimento do ambiente universitário e impulsionar
a dimensão pública do ensino superior, como diz Gomes, Silva e Brito (2021, p. 10-11).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade brasileira, apesar de ser marcada pela pluralidade cultural e étnico-
racial, mantém enraizada dispositivos desiguais que alijam, de modo mais complexo,
pessoas não-brancas, como negras e indígenas. Este resquício colonial é o que torna
necessário a implementação de políticas de ação afirmativa, como meio para reparar
desigualdades e proporcionar um Brasil mais justo.
Deste modo, é imprescindível que haja políticas capazes de assegurar meios de
acesso e permanência em certos espaços e posições que anteriormente eram negados
ou dificultados, sobretudo para pessoas negras. A política de cotas raciais caminha para
isso, em seus anos de debate, desde a década de 1940, até sua implementação federal,
em 2012, como forma de proporcionar acesso às instituições públicas de ensino
superior.
Realizando uma revisão bibliográfica é possível identificar que a garantia de
direitos básicos, como a educação, é uma tarefa que demanda conflitos e lutas de anos
para conquistas que se dão somente no século XXI. As cotas na Universidade de Brasília,
pioneira na implementação, assim como em outras instituições apresentadas,
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demonstram por intermédio de pesquisas que a diversidade de pessoas e a manutenção
da qualidade de ensino encorajam a permanência de meios de acesso justos aos
diversos grupos sociais.
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