https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v29n1p190-218
Vol. 29, n. 1, jan/jun, 2023
ISSN: 2179-6807 (online)
Revista Desenvolvimento Social, vol. 29, n. 1, jan/jun, 2023
PPGDS/Unimontes-MG
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PLURALIDADE FAMILIAR NO BRASIL E A LEGITIMAÇÃO JURÍDICA
CONQUISTADA COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Cyntia Mirella Cangussu Fernandes Sales
1
Roberto do Nascimento Rodrigues
2
Recebido em: 19/01/2023
Aprovado em: 03/11/2023
Resumo: A forma como as pessoas se organizam em família se altera em consonância com a
sociedade em que estão assentadas. No Brasil as transformações na organização familiar se
evidenciam por diversos fatores e tem motivado alteração na concepção social e jurídica acerca
desse organismo social. Atenta às mudanças sociais a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 reconheceu como entidade familiar modelos diversos de constituir família o que
eliminou a exclusividade do casamento estabelecida na legislação brasileira. Esse
reconhecimento propiciou a conquista de direitos por vários arranjos familiares que antes eram
relegados à invisibilidade pelo ordenamento jurídico pátrio. Dessa forma, o presente estudo tem
como objetivo apresentar uma breve descrição dos principais aspectos jurídicos aportados aos
diferentes tipos de arranjos familiares no Brasil contemporâneo, iniciando com uma delimitação
dos aspectos gerais do reconhecimento jurídico da família plural no país, para na sequência
abordar os modelos de família que tem ganhado relevância no ordenamento jurídico e a
conquista de direitos por cada uma dessas formas de organização familiar. Para tanto o trabalho
é pautado na pesquisa bibliográfica, o qual utiliza-se da legislação brasileira bem como da
literatura jurídica e decisões judiciais.
Palavras-chave: Famílias plurais. Direitos. Garantias. Legislação. Jurisprudência.
FAMILY PLURALITY IN BRAZIL AND LEGAL LEGITIMATION ACHIEVED WITH THE CONSTITUTION
OF 1988
Abstract: The way people organize themselves into families changes in line with the society in
which they are based. In Brazil, transformations in family organization are evidenced by several
factors and have motivated changes in the social and legal conception of this social organism.
Aware of social changes, the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil recognized
as a family entity different models of forming a family, which eliminated the exclusivity of
marriage established in Brazilian legislation. This recognition enabled the conquest of rights by
several family arrangements that were previously relegated to invisibility by the national legal
1
Mestre em Sociedade, Ambiente e Território pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Professora no curso de
Direito da Uninomtes e do Centro Universitário FIPMoc (UNIFIPMOC). ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-0899-0112. E-mail: cyntia.mirella@hotmail.com
2
PH.D. em Demografia pela Australian National University. Professor Titular Aposentado da UFMG.
Docente do Programa de Pós-graduação em Sociedade, Ambiente e Território da UFMG/UNIMONTES.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7874-2659. E-mail: beto.cedeplar@gmail.com
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system. Thus, the present study aims to present a brief description of the main legal aspects
contributed to the different types of family arrangements in contemporary Brazil, starting with
a delimitation of the general aspects of the legal recognition of the plural family in the country,
to then address the models family that has gained relevance in the legal system and the
conquest of rights by each of these forms of family organization. For this purpose, the work is
based on bibliographic research, which uses Brazilian legislation as well as legal literature and
judicial decisions.
Keywords: Plural families. Rights. Guarantees. Legislation. Jurisprudence.
LA PLURALIDAD FAMILIAR EN BRASIL Y LA LEGITIMACIÓN JURÍDICA LOGRADA CON LA
CONSTITUCIÓN DE 1988
Resumen: La forma en que las personas se organizan en familia cambia en consonancia con la
sociedad en que están asentadas. En Brasil las transformaciones en la organización familiar se
evidencian por diversos factores y han motivado alteraciones en la concepción social y jurídica
acerca de ese organismo social. Atenta a los cambios sociales la Constitución de la República
Federativa de Brasil de 1988 reconoció como entidad familiar modelos diversos de constituir
familia lo que eliminó la exclusividad del matrimonio establecida en la legislación brasileña. Este
reconocimiento propició la conquista de derechos por varios arreglos familiares que antes eran
relegados a la invisibilidad por el ordenamiento jurídico patrio. De esa forma, el presente estudio
tiene como objetivo presentar una breve descripción de los principales aspectos jurídicos
aportados a los diferentes tipos de arreglos familiares en el Brasil contemporáneo, iniciando con
una delimitación de los aspectos generales del reconocimiento jurídico de la familia plural en el
país, para luego abordar los modelos de familia que han ganado relevancia en el ordenamiento
jurídico y la conquista de derechos por cada una de esas formas de organización familiar. Para
tanto, el trabajo está pautado en la investigación bibliográfica, el cual se utiliza de la legislación
brasileña así como de la literatura jurídica y decisiones judiciales.
Palabras-clave: Familias plurals. Derechos. Garantias. Legislación. Jurisprudência.
INTRODUÇÃO
No Brasil contemporâneo tem havido transformações constantes na forma
como as pessoas se organizam em família, seja pelo número de integrantes, seja pela
composição ou estruturação do que se entende como família. Essas transformações têm
refletido, por conseguinte, na definição social e jurídica do termo família, que cada vez
mais abarca novos formatos.
A industrialização, a urbanização, a inserção da mulher no mercado de trabalho,
o movimento feminista, a aprovação do divórcio, a liberdade sexual, dentre tantos
outros fenômenos sociais, contribuiu para a mudança do comportamento das pessoas
em família e na forma de sua organização. A concorrência da mulher para a manutenção
do núcleo familiar fragilizou a lógica patriarcal na qual o homem era provedor e a mulher
submissa, sistema predominante nas relações familiares no Brasil. Dessa forma, fatores
sociais, econômicos, culturais e religiosos ditaram a mudança na dinâmica da família na
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sociedade contemporânea brasileira. Papéis que antes eram desempenhados
exclusivamente por homens passaram a ser também executados por mulheres. Na
organização familiar na contemporaneidade se observam algumas funções
compartilhadas por ambos os sexos e, por vezes, em função da dinâmica do trabalho
por eles adotada se tem até mesmo a “inversão” das obrigações de cada um dos
membros responsáveis pela família. Todos esses fatores fortaleceram as famílias
compostas por um dos genitores e sua prole, como também facultou o nascimento ou
a consolidação de tantos outros modelos ou arranjos familiares.
Todas essas dinâmicas propiciaram o reconhecimento social e jurídico das
múltiplas formas de organização e estruturação familiar no país. As transformações
sociais impulsionaram as pessoas a perceberem novas formas de convivência familiar,
na medida de suas necessidades e interesses, e desmistificaram, em alguma medida, o
casamento como a única forma legítima de constituir família. Na esteira das mudanças
sociais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) reconheceu
como entidade familiar não apenas a família nuclear formada pelo casamento
heterossexual, mas também passou a conceber formas diversas de estruturação como
aptas a receber a proteção do Estado.
Este estudo tem como objetivo apresentar uma breve descrição dos principais
aspectos jurídicos aportados aos diferentes tipos de arranjos familiares no Brasil
contemporâneo, iniciando com uma delimitação de aspectos gerais do reconhecimento
jurídico da família plural no país, para na sequência abordar os modelos de família que
têm ganhado relevância no ordenamento jurídico e a conquista de direitos por cada uma
dessas formas de organização familiar. Para tanto o trabalho é pautado na pesquisa
bibliográfica, o qual utiliza-se da legislação brasileira bem como da literatura jurídica e
decisões judiciais.
ASPECTOS GERAIS DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DA FAMÍLIA PLURAL
A ruptura com a exclusividade do modelo familiar matrimonializado propiciou o
reconhecimento jurídico de vários arranjos como entidade familiar. A lógica
constitucional vigente tem por princípio fundamental a promoção da dignidade da
pessoa humana e por esse prisma todo o ordenamento jurídico brasileiro deve se
conformar, inclusive as regras que regulamentam as relações familiares. Ao adotar o
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consenso, a solidariedade e o respeito à dignidade das pessoas que integram a família
como fundamentos, a CRFB/88 operou grande mudança na regulamentação das
relações familiares no Brasil. O Estado tomou para si, no plano constitucional, a proteção
da família nas diversas relações sociais que empreende, bem como regulamentou novos
arranjos, e, com isso, retirou do modelo patriarcal o privilégio da unicidade que
mantinha até então (LOBO, 2017).
Sob a ótica constitucional a família brasileira sofreu mudanças estruturais
acentuadas, passou de apenas matrimonializada a plural; de patriarcal a democrática;
de hierarquizada a substancialmente igualitária; de heteroparental a hetero ou
homoparental; de exclusivamente biológica a biológica ou socioafetiva; e, de unidade
de produção e reprodução a unidade socioafetiva. Por conseguinte, a família substituiu
o aspecto institucional que desempenhava e passou a assimilar um caráter instrumental,
um meio para a busca da realização individual e formação de seus membros (FARIAS;
ROSENVALD, 2014).
A mudança de perspectiva jurídica, no que concerne à família, se deu quando a
CRFB/1988 entendeu o termo família como sinônimo de entidade familiar e conferiu a
ela um significado plural e democrático. A família patriarcal originária da colônia, na qual
o patriarca era a autoridade máxima, deu lugar à família democrática, na qual todos
podem manifestar suas opiniões e desejos, e o poder de decisão restou diluído entre os
componentes que detêm o poder familiar.
O reconhecimento da igualdade no núcleo familiar flexibilizou o entendimento
de que família era constituída somente por laços sanguíneos e permitiu a ampliação da
consideração do parentesco, não apenas por vínculos biológicos, mas também pela
vinculação socioafetiva. A imposição da igualdade nos vínculos estabelecidos nas
relações familiares facultou a elevação do afeto como princípio a ser observado na
configuração da entidade familiar. Assim, os laços afetivos e a solidariedade entre os
membros se firmam na convivência das pessoas em família e propiciam o nascimento
de arranjos familiares com relações igualitárias entre seus integrantes, no que concerne
a idade e sexo. Por isso, os novos valores incorporados à família promoveram uma
percepção distinta acerca da sexualidade, bem como firmou preceitos que
impossibilitam a distinção entre os filhos (DIAS, 2009).
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Na contemporaneidade, as vinculações pelo afeto se tornam a essência do
núcleo familiar e requisito essencial para o reconhecimento jurídico dos arranjos
familiares. Com a nova ordem instalada, a família tomou para si outras funções, distintas
das anteriormente estabelecidas. No entanto, como destaca Bulos (2014), nas duas
primeiras constituições do país, a de 1824 e a de 1891, não constam qualquer alusão a
nenhuma espécie de família. A família passou a ser tema constitucional no país somente
nas constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967. Nelas estava referendada exclusivamente
a legalmente constituída pelo casamento, sem, contudo, se ocupar de outras
considerações acerca do tema.
Segundo Fernandes (2014) a CRFB/88 entende a família como categoria
sociocultural e espiritual, que não pode ser conceituada de maneira ortodoxa, e pode
ser constituída a partir de uma lógica não reducionista, pela formalização ouo de sua
organização, independentemente de sua composição, mas que na pluralidade de suas
formas merece especial proteção do Estado. Nesse sentido, as considerações acerca da
compreensão de família postas por Farias e Rosenvald (2014, p. 41) atendem à lógica
dessa ampliação. Apregoam que a união de pessoas “ligadas por traços biológicos ou
socioafetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da
personalidade de cada um”, seria a expressão ampliada do conceito de família.
Diante disso, a CRFB/88 reconhece, além da família constituída pelo matrimônio,
pela união estável e a família monoparental, diversas outras formas fundamentadas nas
relações afetivas desenvolvidas pelos seus integrantes. Os modelos de família
mencionados na CRFB/88 não excluem, por não terem sido tratados de forma expressa,
os múltiplos arranjos familiares constituídos a partir do afeto. Nessa perspectiva, com a
realidade social entendida como realidade jurídica, os direitos são conferidos a núcleos
familiares não contemplados anteriormente na tutela do Estado.
Além dos textos específicos da CRFB/88 que contemplam a proteção da família,
restou impregnado também nesse contexto o princípio da igualdade, instituído no seu
artigo 5°, o qual determina que homens e mulheres sejam iguais perante a lei,
inadmitindo distinções de qualquer natureza. Além disso, o Código Civil Brasileiro de
2002 (CCB/02), bem como as leis ordinárias que lhe sucederam, como também o
Estatuto da Criança e Adolescente de 1990 (ECA), que lhe precedeu, incorporaram a
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mentalidade constitucional, o que desconstituiu paulatinamente o modelo patriarcal e
deu visibilidade aos demais membros da família.
A CRFB/88, para fins de proteção, criou, no seu artigo 226, a tipificação genérica
de Entidade Familiar, sob a qual especificou três espécies: a família matrimonializada,
firmada no casamento civil ou religioso com efeitos civis; a família informal, formada
pela união estável; e a família monoparental, composta por um dos pais e seus
descendentes. Nesta concepção, a entidade familiar tornou-se a base da sociedade
brasileira, ensejando a proteção integral do Estado (FARIAS; ROSENVALD, 2014).
Por esse prisma, o entendimento de que constituir família e a escolha da
forma pela qual ela será estruturada passa pela autonomia da vontade individualmente
posta. Não se pode obrigar ninguém a escolher modelo único, visto que as relações de
natureza privada, como são os vínculos de afeto estabelecidos na família, não podem
ser fixados pelo Estado, senão pela própria pessoa. Nesse sentido, pronuncia Fernandes
(2014, p. 1266): “não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de
proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade”, e a forma pela
qual alguém institui e estrutura o seu núcleo familiar diz respeito apenas a seus
membros.
Ainda que pese a autonomia da vontade na constituição de família, nem todo
arranjo será considerado como entidade familiar, detentor de direitos. restrições
expressas e principiológicas que impedem o reconhecimento jurídico no Brasil de
formações incestuosas, como também as relações poligâmicas, legitimadas em outros
ordenamentos.
Tanto os arranjos familiares expressamente regulamentados, como também
alguns modelos de família reconhecidos como titulares de direitos pelos tribunais
brasileiros ou por outros órgãos do Estado enquanto entidades familiares serão objetos
de análise nos itens subsequentes. Para a apresentação dos múltiplos modelos de
família reconhecidos juridicamente serão tomados como parâmetro os direitos
estabelecidos para a relação matrimonial, por ser a vinculação mais regulada no sistema
jurídico nacional, de forma pormenorizada, ante a tradição e predominância com a qual
o casamento se mantém país. Contudo, o casamento e os direitos de natureza pessoal
e patrimonial dele decorrentes não serão especificados neste artigo, por ser a forma
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tradicional, conhecida e reconhecida por todos como apta a permitir que seus membros
titularizem direitos e deveres na ordem jurídica brasileira.
UNIÃO ESTÁVEL: DA REJEIÇÃO À LEGITIMAÇÃO JURÍDICA
Com a CRFB/88 abriu-se a possibilidade para o reconhecimento da família
constituída pelo afeto, consenso, liberdade e sem a formalização instituída pelo
matrimônio, até então a única possibilidade de constituição de família com
reconhecimento jurídico e atribuição de direitos no Brasil.
A união livre entre homem e mulher (união estável), firmada no consenso e no
afeto mútuo, sem a chancela do Estado, ficou conhecida no Brasil em período anterior
à CRFB/88 como união concubinária. O concubinato, além da rejeição social, traduzia a
restrição legal ao reconhecimento de direitos às pessoas que optavam por constituir
famílias nesse formato, bem como aos filhos dele decorrentes (FARIAS; ROSENVALD,
2014). O ordenamento jurídico brasileiro, apesar da tradição, passou a entender a união
estável como umas das formas de constituir famílias, sem desconsiderar a importância
do casamento, instituto consolidado nos mais diversos regimes políticos, inclusive nos
regimes socialistas, nos quais a propriedade privada é limitada. Equiparada em
importância e pela grande incidência na vida social brasileira, a união estável passou a
ser reconhecida como um arranjo familiar digno da proteção do Estado (GANGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2014).
Correa (1981, p. 7) quando se propôs a repensar a família patriarcal no Brasil
afirmou que “a sociedade colonial nestes 300 anos esteve composta de duas partes: a
familiar (a família patriarcal) e outra não familiar, que reunia a maioria da população, a
‘massa anônima dos socialmente degradados’”. A realidade retratada pela autora
ultrapassou os limites do período colonial e perdurou até a história recente do Brasil.
Por muito tempo as uniões livres não foram consideradas como família, e, em dado
momento, a consideradas como ilícitas, fato que se perpetuou até o advento da
CRFB/88, quando o ordenamento jurídico brasileiro se abriu para proteger as ‘não
famílias’ socialmente constituídas, sobretudo pelas camadas menos abastadas.
Até se chegar ao reconhecimento jurídico da união estável, a família constituída
de forma livre recebeu várias nomenclaturas, o que a colocava em situação de exclusão
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perante a sociedade brasileira. Várias foram as formas pejorativas pelas quais era
tratada. Concubinato, união livre, união de fato e união consensual eram as formas de
tratamento social destinadas aos núcleos informais de família, até que o termo atual foi
cunhado constitucionalmente na intenção de afastar a discriminação que pairava até
então sobre as uniões não matrimoniais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
A Lei 8.971, de 29 de janeiro de 1994 foi a primeira regra infraconstitucional que
desencadeou a regulação do novo modelo de família reconhecido pela ordem
constitucional vigente. Chamou de companheiros os integrantes da união estável, e
estabeleceu que fosse reconhecida quando o homem e a mulher mantivessem a união
na qualidade de solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, que se
vinculassem por mais de cinco anos ou que tivessem filhos dessa união (GONÇALVES,
2009). Essa lei regulamentou o dispositivo constitucional, trazendo efetividade aos
direitos reconhecidos na CRFB/88. No artigo permitiu alimentos aos companheiros.
No artigo descreveu a forma de participação dos companheiros definidos, na
sucessão do companheiro falecido, além de garantir no artigo a meação dos bens
adquiridos no período da convivência de ambos, quando houvesse o esforço comum
para a sua aquisição.
Em 1996, nova lei foi editada com o mesmo objetivo de regulamentar a norma
constitucional que previa a união estável como entidade familiar. Alterou dispositivos
da lei anterior e ampliou direitos aos membros da união estável. A Lei 9.278, de 10 de
maio daquele ano, modificou a denominação de companheiros para conviventes,
qualificação que o prosperou com o Código Civil Brasileiro de 2002, que preferiu
manter a denominação de companheiros para designar as pessoas integrantes da união
estável. A Lei 9.278/96 apregoava a existência de entidade familiar quando fosse
configurada a convivência pública, contínua e duradoura de homem e mulher com o
objetivo de constituir família. Dispôs sobre a meação dos bens adquiridos de forma
onerosa no período de convivência, salvo se os conviventes houvessem estipulado de
forma diversa em contrato escrito, em consonância ao que já vinha sendo decidido nos
tribunais brasileiros.
Em 2002 o Código Civil Brasileiro (CCB/02) revogou as duas normas anteriores e
inseriu a união estável no livro dedicado à regulamentação das famílias. Disciplinou a
matéria nos artigos 1723 a 1727, inseriu no artigo 1694 o dever de prestar alimentos
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entre os companheiros, e no artigo 1790 regulamentou os direitos sucessórios
decorrentes da união estável. Nos moldes da legislação que o antecedeu, o art. 1723 do
CCB/02 reconheceu a união estável como entidade familiar e traçou os requisitos para
sua configuração ao assegurar que “é reconhecida como entidade familiar a união
estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família”. O mesmo artigo
estabeleceu ainda a impossibilidade de reconhecimento da união estável quando
configurados os impedimentos para o casamento (§1° do art. 1723).
O legislador brasileiro em 2002 impôs às uniões fáticas reconhecidas como
entidade familiar deveres similares aos impostos ao casamento, reafirmando a
equiparação dos dois institutos. Na dicção do art. 1724 do CCB/02 “as relações pessoais
entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de
guarda, sustento e educação dos filhos”. A distinção de deveres impostos aos cônjuges
no matrimônio, em relação aos companheiros na união estável, se manifesta
principalmente no dever de fidelidade definida para o casamento e o dever de lealdade
estabelecido na união estável. Para alguns, a lealdade é gênero do qual fidelidade é
espécie e, por isso, a fidelidade recíproca seria também exigida na união estável como
um dever a ser observado pelos companheiros (GONÇALVES, 2009).
A equiparação da união estável ao casamento propiciou que vários direitos
pessoais e patrimoniais que eram próprios da relação matrimonial fossem estendidos
aos companheiros. Como exemplo, o dever de mútua assistência imposto aos cônjuges
é também considerado na união estável. Assim, os companheiros podem exigir um do
outro, alimentos para a sua manutenção e em conformidade com a necessidade de
quem solicita e a possibilidade de quem paga, quando da ruptura da união entre eles
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
As questões patrimoniais, na união estável, foram normatizadas com as mesmas
regras estabelecidas para o casamento. O CCB/02 regulamentou, nos artigos 1639
ao1688, os regimes de bens que são aplicados ao casamento, normas também utilizadas
na união estável. Conforme disposto no art. 1725, os companheiros poderão escolher
para reger a relação entre eles qualquer regime de bens previsto no próprio CCB/02,
mediante contrato escrito. Como acontece no casamento, caso não façam a escolha do
regime de bens que norteará a união estável, serão aplicadas as regras do regime da
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comunhão parcial, considerado como o regime legal, aplicável às circunstâncias em que
não houver escolha pelos cônjuges ou companheiros (Art. 1640 do CCB/02).
A CRFB/88 dispõe em seu art. 226, § 3°, que “para efeito da proteção do Estado,
é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.” Com essa regulamentação as
uniões livres, até então conhecidas como concubinárias, passaram a ser reconhecidas
como uniões estáveis e puderam, a partir de então, contar com a obtenção de vários
direitos. Como no casamento, a união estável implica na fixação de direitos sucessórios
aos companheiros. Não obstante a equiparação que a CRFB/88 estabeleceu entre os
dois institutos, e contrário ao princípio da igualdade nela instituído, o CCB/02 alterou o
sistema sucessório implantado com as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que era semelhante à
sucessão estabelecida no casamento, e implantou regras desiguais e prejudiciais aos
companheiros na mesma situação.
O artigo 1790 CCB/02 definiu que o companheiro participaria da sucessão do
outro somente dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e em
condições muito desfavoráveis em relação ao cônjuge quando concorresse na herança
com outros parentes do falecido. Nesse contexto, quando a união fosse constituída com
alguém com vasto patrimônio e em caso de morte após anos da formação da família, a
companheira sobreviva não herdaria nenhuma parte dos bens deixados pelo
companheiro falecido (FARIAS; ROSENVALD, 2014).
Entretanto, a regra disposta no referido artigo foi declarada inconstitucional
pelo STF, em 10 de maio de 2017, em decisão proferida nos Recursos Extraordinários
646721 e 878694, e a sucessão entre companheiros acontecerá nos mesmos moldes
instituídos para o casamento, cuja repercussão geral da decisão se deu nos seguintes
termos: “no sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime
sucessório entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o
regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil”
3
.
Em obediência à igualdade conferida aos dois institutos jurídicos, tem sido
deferido aos companheiros, em caso de morte de um deles, o direito real de habitação
nos termos do art. 1831 do CCB/02. Apesar de o referido dispositivo não mencionar
3
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=342982. Acesso em: 03 set.2018.
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expressamente o companheiro como detentor desse direito, tem sido reconhecida na
união estável a possibilidade de o companheiro sobrevivo continuar residindo no imóvel
destinado à moradia do casal, nas mesmas condições de proteção concedida aos
cônjuges no casamento. Com isso, os juristas pátrios têm conferido ao artigo em
referência interpretação conforme o que apregoa a CRFB/88 no sentido de equiparação
da união estável ao casamento, garantindo os mesmos direitos aos componentes de
ambas os modelos familiares, mesmo quando houver omissão do legislador ordinário
(FARIAS; ROSENVALD, 2014).
A mudança cultural do país acerca da percepção do que constitui família vem
garantindo, a partir da ordem constitucional não restritiva, o reconhecimento de
direitos até então observados de forma exclusiva para a relação matrimonial. Esse
processo se edifica paulatinamente em busca do tratamento igualitário dos arranjos
cada vez mais plurais que se estabelecem na sociedade brasileira, foco de consideração
nos itens que se seguem.
FAMÍLIA HOMOAFETIVA: LEGITIMAÇÃO JURÍDICA AINDA QUE TARDIA
Não obstante a incidência na sociedade brasileira de uniões entre pessoas do
mesmo sexo, que se unem pelo afeto, em busca da felicidade e da consecução de
objetivos comuns, no intuito de formar família, o reconhecimento jurídico dessas
relações não veio com a CRFB/88, visto que ela estabeleceu como entidade familiar a
“união estável entre o homem e a mulher” (art. 226, § 3°), o que excluiu por muito
tempo a possibilidade de se entender a união homoafetiva como família no Brasil. A
legitimação da união estável de pessoas do mesmo sexo foi tema de debates na
Assembleia Constituinte de 1987 e 1988, mas não houve a previsão na constituição
(CRFB/88) que lhe seguira e na legislação infraconstitucional posterior também não
houve qualquer avanço para o reconhecimento jurídico dessa união como entidade
familiar (NOVELINO, 2018).
Em 1995 tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.151, com o objetivo
de regulamentar as uniões entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, a tramitação
restou frustrada ante a falta de interesse dos congressistas brasileiros na
regulamentação do tema (PEREIRA, 2003). Tramita no Congresso Nacional desde 2007
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o Projeto de Lei (PL) número 2.285/2007, denominado Estatuto das Famílias, que
contém um capítulo destinado à união homoafetiva, reconhecendo-a como entidade
familiar e conferindo os mesmos direitos estabelecidos para a união heterossexual.
Todavia, as discussões não avançam para que o projeto seja apreciado e aprovado pelos
congressistas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). Clara é a resistência do Poder
Legislativo em regular a família homoafetiva, pois na tramitação do PL 2.285/2007
houve sua aprovação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados,
mas naquela ocasião foi retirado do texto o artigo que regulamentava os direitos
relativos à união homoafetiva e, por conseguinte, frustrou-se a possibilidade do seu
reconhecimento como entidade familiar pelos legisladores brasileiros (TARTUCE;
SIMÃO, 2012).
Apesar da falta de legislação, a existência de uniões de pessoas do mesmo sexo
é realidade no Brasil e como relação social que é, gera para as pessoas nelas envolvidas
vínculos jurídicos que, se não equacionados, podem ocasionar efeitos negativos para
uma das partes integrantes dessas relações. Sem a regulação própria do poder
legislativo, coube aos tribunais equacionar as questões pertinentes aos vínculos afetivos
de pessoas do mesmo sexo que geram efeitos patrimoniais. Inicialmente, os tribunais
brasileiros, por não considerar como família a união homoafetiva, tratavam de forma
peculiar os efeitos patrimoniais dessas relações. Quando da dissolução da união, o
patrimônio era distribuído entre os conviventes, na medida de sua participação para a
aquisição dos bens comuns. As questões de afeto e interesses coletivos, próprios das
relações familiares, eram desconsideradas em relação às pessoas que optavam por esse
modo de constituição de família (FACHIN, 2003).
Com a mudança de perspectiva da sociedade brasileira sobre as uniões
homoafetivas, houve também alteração no entendimento jurídico acerca dessas
relações. Com isso, o judiciário modificou os fundamentos para considerá-la como
entidade familiar e passou a utilizar-se de princípios e fundamentos constitucionais para
não deixar desassistidas as pessoas que conviviam em família e sustentavam suas
relações no afeto e solidariedade (NOVELINO, 2018). Lobo (2017) cita como
fundamentos para o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, os
princípios da não discriminação, da vedação ao preconceito, da liberdade de escolha da
entidade familiar, da igualdade de direitos, da laicidade do Estado brasileiro, do
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pluralismo, todos eles princípios constitucionais. Considera também o princípio da
autonomia da vontade, qualificado como balizador das relações de natureza privada, e
o princípio da proteção à intimidade e à vida privada.
A utilização desses fundamentos pelos tribunais passou a garantir vários direitos
à união de pessoas do mesmo sexo. Dentre eles os direitos sucessórios, direitos
provenientes da Previdência Privada e benefícios da Previdência Social. Contudo, nos
tribunais as decisões proferidas variavam em conformidade com o pensamento dos
julgadores. Enquanto alguns se negavam a reconhecer direitos aos integrantes das
uniões homoafetivas, outros primavam pelo reconhecimento jurídico de algumas das
questões por eles postas em juízo. Até que o Supremo Tribunal Federal se pronunciou
sobre a questão, e proferiu decisão vinculativa sobre o tema, impondo obediência a
todos os tribunais do país para que garantissem direitos às uniões homoafetivas
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014). Com esse entendimento do STF a união de
pessoas do mesmo sexo integrou o conceito de entidade familiar, ao reunir os requisitos
de convivência pública, contínua e duradoura e com a finalidade de constituição de
família. Com isso, impôs aos companheiros a observância dos deveres de mútua
assistência, respeito e lealdade, previstos no CCB/02 para as uniões estáveis
heteroafetivas.
Como a legislação brasileira não avançou para permitir a união ou casamento de
pessoas do mesmo sexo, como se verifica em países como Bélgica, Canadá, Espanha,
África do Sul e Argentina, os tribunais brasileiros desempenharam o papel do legislador,
permitindo o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, sua
conversão em casamento, ou a celebração de casamento independentemente da união
prévia, conformando o modelo à permissão constitucional. Para garantia desse direito,
o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 14 de maio de 2013, editou a Resolução n°
175/2013, que “veda às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração
de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do
mesmo sexo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, P. 487).
Assim, todos os direitos conferidos às uniões heterossexuais foram estendidos
às uniões homoafetivas, reconhecidas como entidades familiares. Apesar das
discordâncias de entendimentos entre os tribunais e o Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS) acerca da concessão de benefícios previdenciários a pessoas do mesmo
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sexo que integravam entidades familiares, por conta da interpretação restritiva então
efetivada acerca do disposto no § 3°, do art. 226 da CRFB/88, o qual dispõe que a união
estável se entre homem e mulher, o STF pacificou a questão, sob o argumento de
que a constituição não admite discriminação de nenhuma natureza e como o regime da
previdência é contributivo, e garante o direito a pensão por morte do cônjuge ou
companheiro do segurado, não havia porque prevalecer a distinção do companheiro do
mesmo sexo como beneficiário (BULOS, 2014).
Com a aplicação analógica das regras pertinentes à união estável como definido
pelo STF, os efeitos jurídicos de natureza pessoal, como os direitos e deveres recíprocos
de lealdade/fidelidade, respeito e assistência mútua, guarda, sustento e educação dos
filhos, quando tiverem, foram conferidos igualmente às uniões homoafetivas. Também
foram reconhecidos os direitos de natureza patrimonial como alimentos, regime de
bens e direitos sucessórios, os quais produzirão os mesmos efeitos nas relações
homoafetivas, quando comprovada a existência do núcleo familiar, como prevê o
CCB/02 para a união estável, agora sem qualquer distinção em hétero ou homoafetiva.
FAMÍLIAS PARALELAS: REALIDADE INVISÍVEL QUE SE DESCORTINA NOS TRIBUNAIS
BRASILEIROS
No Brasil, desde sua colonização, embora não reconhecidas social e
juridicamente, são comuns as relações afetivas duradouras paralelas ao casamento.
Mantinha-se naquela época a família matrimonializada e outras constituídas com
escravas ou índias com as quais os senhores tinham filhos, considerados como ilegítimos
ou bastardos (SALES, 2019). Gagliano e Pamplona Filho (2014) asseguram que a
infidelidade e os amores paralelos estiveram sempre presentes na história da
humanidade, e no Brasil demonstram que entre os homens essa realidade se apresenta
com maior representatividade. Segundo os autores, por ser essa realidade tão frequente
é possível concluir pela existência de inúmeras famílias constituídas de forma paralela e
concomitante ao casamento e à união estável.
Pelas tradições religiosas das sociedades ocidentais, inclusive no Brasil, adotou-
se a monogamia por princípio nas relações familiares. Todavia, “o princípio da
monogamia é apenas aplicável ao casamento” e implica no impedimento da realização
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de outro matrimônio concomitante e não configura vedação à constituição de outra
entidade familiar simultânea a ele (LOBO, 2017, P. 178). Corrobora nesse aspecto a
norma disposta no Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de
1940 (CPB/1940). No Título VII, disciplina os crimes contra a família, e no seu artigo 235
considera como crime contrair matrimônio com pessoa casada. E não menção na
norma penal acerca de conduta delitiva quando se constitui família simultânea por
forma distinta do casamento.
Em que pesem as discussões se monogamia é princípio ou valor, na consideração
de família no Brasil ela sempre esteve presente, promovendo a invisibilidade de
qualquer outra forma que a ameaçasse. Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 108)
amenizam a consideração da monogamia como princípio, mas acentuam a sua
importância no sistema jurídico brasileiro. Por seu turno, Farias e Rosenvald (2014)
destacam que, para análise das uniões paralelas é necessário o retorno ao conceito e
peculiaridades do concubinato e união estável, constituídas por uniões livres, sem a
chancela do Estado mediante o casamento.
Entretanto, nem todas as uniões concubinárias puderam ser reconhecias como
união estável. Para fins de legitimação jurídica, o ordenamento brasileiro distinguiu o
concubinato puro do impuro. O concubinato puro seria aquele em que houvesse a
convivência como marido e mulher, sem impedimentos para o casamento decorrentes
de outra união, o que poderia ser reconhecido como união estável. Assim, se
estabeleceria entre pessoas solteiras, divorciadas, separadas ou viúvas (GONÇALVES,
2009). o concubinato impuro ou simplesmente concubinato se firma nas “relações
não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos
legalmente de se casar.” São, como regra, constituídos na clandestinidade como
destacado por Diniz (2010, p. 395). Neste aspecto, a clandestinidade apontada pela
autora não implica necessariamente no desconhecimento público da relação
estabelecida. A mera concomitância das relações, ou a nova vinculação sem a dissolução
da relação anterior, já levaria a união paralela à clandestinidade pela dissonância com o
ordenamento jurídico.
Assim, poderia ser considerado o concubinato impuro como a possibilidade de
alguém casado conviver simultaneamente no matrimônio e manter a concubina, de
forma paralela, ou a situação de quem mantém uma união estável e uma relação
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concubinária simultânea. Ou ainda a circunstância em que não se dissolveu uma relação
matrimonial e instituiu uma nova vinculação familiar. Relações dessa natureza são
consideradas como afronta direta à forma monogâmica de constituição de família,
apesar de não configurar o ilícito penal da bigamia.
Para o CCB/02, art. 1727, “as relações não eventuais entre o homem e a mulher,
impedidos de se casar, constituem concubinato.” O dispositivo em epígrafe cuidou de
distinguir o concubinato da união estável com o objetivo de negar-lhe direitos. Com ele
resta claro o não reconhecimento do concubinato como entidade familiar, visto que os
dispositivos que lhe precedem (Arts. 1723 a 1726) tratam da regulamentação e proteção
da união estável enquanto família (FARIAS; ROSENVALD, 2014).
Lobo (2017) destaca que três correntes foram firmadas entre os juristas e nos
tribunais brasileiros acerca das famílias paralelas a partir da CRFB/88. Segundo o autor,
a primeira corrente entende que as uniões paralelas ao casamento ou à união estável
seriam ilícitas e, portanto, deveriam ser desconsideradas quanto à concessão de direitos
a quem as mantém. A segunda considera as relações simultâneas como mera sociedade
de fato, resolvendo as questões patrimoniais delas decorrentes com a consideração do
esforço comum para a aquisição patrimonial e pela concessão de indenizações por
serviços prestados. A terceira julga a família paralela como verdadeira entidade familiar,
atribuindo-lhe todos os direitos conferidos à união estável.
A distinção a essa forma de constituir família se fundamenta na preservação da
monogamia. Não a instituída por lei, que impede apenas novos casamentos para quem
já é casado, mas como forma de preservação da moralidade social de que só é possível
manter um único núcleo familiar por vez. Proteger o concubinato como família resulta
em aceitar as relações múltiplas e simultâneas no ordenamento jurídico brasileiro, que
tem o casamento como a principal forma de sua constituição, o qual é firmado em regras
monogâmicas. As correntes que desconsideram a família paralela como entidade
familiar, além de resolver as questões patrimoniais como se sociedade de fato fosse,
sem considerar os vínculos afetivos nelas desenvolvidos, propõem qualificar o núcleo
constituído de forma simultânea como família monoparental, com a presença da
parceira e dos filhos, quando houver, sem qualquer responsabilização do companheiro
pelo núcleo paralelo que mantém (LOBO, 2017).
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Por mais reprovável, social e juridicamente, que seja a formação de famílias em
concomitância com outras, por questões morais ou religiosas, ou pela deslealdade como
se perfazem em muitos dos casos, pelo não conhecimento e/ou reconhecimento da
outra família pré-constituída, não há como ignorar a existência delas, e, por isso, não
como não lhes assegurar direitos. O núcleo paralelo desempenha a mesma função de
formação dos seus membros e desenvolvimento de suas potencialidades em busca da
felicidade como qualquer outro arranjo familiar. Negar-lhes o reconhecimento jurídico
é descumprir o preceito constitucional da igualdade, pois se configuram e se estruturam
com os mesmos requisitos de outras entidades familiares.
Admite-se como solução viável para as questões patrimoniais e pessoais
relativas à família concubinária constituídas de forma paralela ou simultânea, que sejam
qualificadas como uma espécie do gênero da união estável, utilizando-se dos mesmos
princípios que foram utilizados pelo STF ao legitimar a família homoafetiva, conferindo-
lhes os mesmos direitos e deveres atribuídos às demais entidades familiares (LOBO,
2017). Assim, para a configuração da família paralela enquanto entidade familiar é
necessário que se observem os mesmos requisitos fixados para a configuração da união
estável: laços de afeto, com relação prolongada, pública e duradoura, com intenção de
se constituir família (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
Além disso, a CRFB/88 determina no § do artigo 226 que é livre o
planejamento familiar, e o artigo 1.513 do CCB/02 impede qualquer entidade pública ou
privada de interferir na comunhão plena formada pela família. Desse modo, cada pessoa
estará livre para planejar a família como desejar, desde que obedeça aos limites
impostos pela legislação, com as vedações por ela estabelecidas, da qual não consta a
constituição de família em concomitância com outra. Pacificada está, entretanto, a
questão quanto aos benefícios previdenciários conferidos à concubina. A seguridade
social tem adotado o entendimento de que devem ser partilhados os valores financeiros
e benefícios entre o cônjuge sobrevivo e o concubino do segurado, o que atende ao
princípio da solidariedade apregoado pela CRFB/88, constante no inciso I do seu art. 3°
(LOBO, 2017).
Ainda que não haja conformidade entre os tribunais brasileiros quanto ao
reconhecimento jurídico das famílias paralelas, aos poucos se tem sedimentado o
entendimento de que são entidades familiares como qualquer outra e merecem a
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proteção do Estado como família que são, e se tem garantido aos seus membros direitos
similares aos direitos conferidos ao outro núcleo familiar com existência concomitante.
FAMÍLIAS POLIAMORÍSTICAS: NOVIDADE EVIDENCIADA PELOS CANAIS DE
COMUNICAÇÃO
As transformações sociais cada vez mais velozes, associadas a mecanismos de
informação e comunicação igualmente céleres, vêm trazendo à tona formas de vida em
família que embora não sejam exatamente novidade na sociedade brasileira se tornam
cada vez mais visíveis na vida social. É o caso, por exemplo, dos arranjos familiares
poliamorísticos. Com o entendimento de que o amor não pode ser imposto ou
conduzido em determinada direção ou a determinada pessoa e não admite regras
impositivas na sua configuração, o poliamor dissemina a ideia de que se pode manter
relações sexuais múltiplas, frequentes e consentidas entre várias pessoas,
simultaneamente.
Surgido nos Estados Unidos nos anos 1990 no Glossário de Terminologias
Relacionais da Igreja de Todos os Mundos, instituição neo-pagã, o termo poliamor
chegou ao Brasil em 2000, através de blogs na internet que discutiam formas não
monogâmicas de convivência afetiva (PEREZ; PALMA, 2018). O poliamorismo, poliamor,
ou as relações poliafetivas como têm sido denominadas pelos juristas, “admite a
possibilidade de coexistirem duas ou mais relações paralelas, em que os seus partícipes
conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, P. 463).
Em 2012 foi lavrada, no interior do Estado de São Paulo, na cidade de Tupã, a
primeira escritura pública na qual se declarou a existência de família formada por um
homem e duas mulheres, que demonstraram naquela ocasião o desejo de constituir
família
4
. Almejavam os integrantes desse núcleo poliafetivo regulamentar as relações
de natureza pessoal e patrimonial que pudessem surgir a partir da união que
estabeleciam. Com esse registro, vários outros lhe sucederam com a mesma finalidade:
tornar pública a relação e resguardar direitos aos membros do arranjo familiar. No
4
http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres-pessoas-e-
oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html. Acesso em 29 out. 2018.
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entanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu, em 26 de junho de 2018, o
registro de uniões poliafetivas
5
. A proibição do CNJ não foi bem recebida pelos juristas
brasileiros, notadamente pelos integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família
6
(IBDFAM), para os quais o órgão administrativo maior do poder judiciário está ignorando
a existência fática desse modelo familiar e a decisão que tomaram não evitará que os
problemas decorrentes desse arranjo cheguem aos tribunais em busca de respostas
para suas questões.
A difusão desse modelo de família tem sido cada vez mais frequente nos meios
de comunicação no país, o que tem facilitado o conhecimento das pessoas acerca desse
modo de vida e a troca de experiências entre os que optam por viver livremente o amor
múltiplo. O canal de televisão por assinatura, GNT
7
, exibiu uma série documental
denominada “Amores Livres”, dirigida por João Jardim e produzida por Gabriela Weeks,
na qual retrataram diversos arranjos poliafetivos e como as pessoas se organizavam e
estruturavam as suas relações familiares nesse formato. No documentário demonstrou-
se que a família poliafetiva comporta vários arranjos distintos. modelos em que as
pessoas se relacionam sexualmente e afetivamente com todos os membros do núcleo
familiar. Há outros em que as pessoas se relacionam sexualmente com apenas uma das
pessoas envolvidas no arranjo, mas nutrem sentimentos de afeto mútuo por todos os
demais membros do mesmo núcleo familiar. Assim, valerá no modelo poliafetivo a
estrutura e organização fixada pelos que integrarem o núcleo familiar específico.
O poliamor não se confunde com as famílias paralelas ou simultâneas. No
poliamor, todos os integrantes da relação poliafetiva se conhecem, convivem, se
relacionam, mantêm vínculos afetivos entre si e se reconhecem como família. Na família
paralela não há, como regra, o conhecimento e o reconhecimento de todos os
envolvidos. Na maior parte dos casos, as famílias só tomam conhecimento da existência
da outra quando do falecimento do elemento que é comum a ambos os núcleos ou
quando ocorre a dissolução dos vínculos em uma das famílias por ele mantidas.
5
http://www.cnj.jus.br/busca?termo=registro+de+uni%C3%B5es+poliafetivas. Acesso em: 07 set. 2018.
6
http://www.ibdfam.org.br/noticias/6674/Fam%C3%ADlia+poliafetiva+e+especialistas+reagem+%C3%A
0+decis%C3%A3o+do+CNJ. Acesso em 07 set. 2018.
7
http://gnt.globo.com/series/amores-livres/. Acesso em 07 set. 2018.
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Arranjos familiares com relações múltiplas entre seus integrantes não é
novidade na história da civilização e nem foi inventado com o poliamor. Engels (1984),
quando se dispôs a estudar a origem das famílias, e Strauss (1983), nos estudos sobre
os diversos modelos que encontrou nas civilizações africanas, relatam vários modelos
semelhantes ao que se tem discutido enquanto família poliafetiva. Talvez os elementos
de distinção, das formas demonstradas pelos autores ora referenciados e o que se tem
percebido do arranjo poliafetivo, seja justamente a união das pessoas em torno do
afeto, do amor que nutrem umas pelas outras, sem qualquer liame impositivo. Esses
elementos não foram descritos por Engels (1984) ou Strauss (1983) nos mais diversos
formatos de família que estudaram.
Impertinente seria o questionamento acerca da conformação da relação
poliamorística enquanto entidade familiar. Se o conceito de família se molda nos
princípios constitucionais da afetividade, solidariedade, igualdade, liberdade, inclusive
no planejamento familiar, e tantos outros citados, para demonstrar a existência de
família e, se reúnem as exigências da continuidade, publicidade e durabilidade da
convivência, mais o objetivo de constituir família, previstos na legislação civil e
constitucional como anteriormente exposto, não como não identificar como
entidade familiar as relações poliafetivas que se subsumam a todos esses requisitos.
Inúmeras questões podem ser suscitadas acerca das famílias poliafetivas no
âmbito do direito, principalmente no que concerne às questões de natureza
patrimonial. Indaga-se, por exemplo: Como o patrimônio poderia ser partilhado no caso
de dissolução das uniões poliafetivas? Como restaria dividida a herança, no caso de
morte de qualquer dos componentes dessas relações? Todos os membros poderiam
exigir de todos, alimentos, ante o dever de assistência mútua definida para o casamento
e união estável? E a quem caberiam os benefícios previdenciários constituídos por
algum de seus membros? No que concerne aos direitos dos filhos das relações
poliafetivas, a questão já encontra solução nas decisões dos tribunais que reconhecem
o fenômeno como “multiparentalidade”. Nesse cenário, permite-se o reconhecimento
e a inscrição no Registro blico de vários pais ou várias mães, e isso implica para todos
os mesmos direitos e deveres, em relação aos filhos comuns (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2014).
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Dias (2009, p. 55) reforça que a família é identificada “pela comunhão de vida,
de amor, e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da
responsabilidade recíproca” de seus membros. Acentua que quando esse espaço se
tornou democratizado, as relações se tornaram igualitárias e com respeito mútuo, cujo
traço fundamental é a lealdade e, por isso, as razões morais, religiosas ou políticas não
devem intervir na instituição e organização do cleo familiar. Dessa forma, não
como ignorar a existência de famílias que fogem ao modelo monogâmico tradicional.
Embora se estruturem e se organizem de forma distinta, todas almejam o bem-estar de
seus membros, e merecem, por conseguinte, a proteção do Estado, enquanto entidade
familiar. Ignorá-las não as farão desaparecer. Ao contrário, pelo espaço que têm
ganhado na mídia, a tendência é que se tornem cada vez mais visíveis e ávidas pelo
reconhecimento jurídico dos seus direitos.
FAMÍLIA MONOPARENTAL: CONSEQUÊNCIA E OU ESCOLHA PESSOAL
A família monoparental pode originar-se da dissolução do vínculo matrimonial
quando do falecimento de um dos genitores ou pelo divórcio ou separação dos pais.
Pode também ser originária da dissolução da união estável dos genitores. Deriva ainda
da adoção por uma única pessoa ou quando se utiliza de técnicas de reprodução
assistida sem a presença de um parceiro, ou ainda de pessoas solteiras com filhos (DIAS,
2009).
Nessa perspectiva, a família monoparental pode ser classificada como originária
ou superveniente. Será originária quando decorrente da adoção, inseminação artificial,
ou quando a gravidez é proveniente de uma relação fortuita e o pai não se interessa
pelo resultado. Será superveniente quando decorrente da dissolução do casamento ou
da união estável, por morte ou vontade de um dos genitores (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2014).
A família monoparental está presente desde sempre na sociedade brasileira.
na colônia era noticiada essa forma de constituição de família entre as mulheres viúvas
ou abandonadas, entre solteiros que cuidavam de seus filhos sem a presença do outro
genitor (PRIORE, 1999). Mas somente com a CRFB/88 esse modelo de família ganhou
relevância jurídica. A CRFB/88 estabeleceu como entidade familiar, no art. 226, § 4°, a
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família monoparental que é formada por um dos genitores e sua prole, arranjo
constituído pelas mais diversas circunstâncias. A sua constituição pode derivar de ato
de vontade, ou poderá se configurar por imposição em determinada conjuntura.
Antes a família monoparental era vista como uma decorrência da dissolução dos
vínculos matrimoniais e, por conseguinte, como resultado de uma família desfeita. Além
disso, foi considerada como modelo reprovável socialmente quando resultante de uma
gravidez sem o casamento. Todavia, a família monoparental passou a ser concebida
como de livre escolha de vida para aqueles que não querem parceiros, mas desejam ter
filhos. Nesse arranjo familiar se observa a constituição, na sua maioria, por mulheres
que arcam sozinhas com seu sustento e o sustento de seus filhos (DIAS, 2009).
Considera-se a monoparentalidade não apenas com a presença do genitor e seus
descendentes, mas também quando diferença de gerações entre os membros do
núcleo familiar, como no caso de avós e netos, o que alguns juristas estão denominando
de famílias monoparentais atípicas, visto que na CRFB/88 o conceito desse arranjo é
limitado aos genitores (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014).
Não benefícios ou direitos específicos para a família assim constituída. Ao
contrário, deveres ampliados suportados por apenas uma pessoa, motivo pelo qual
há uma insistência entre os juristas para que políticas públicas sejam destinadas a esse
arranjo familiar, para aliviar a carga de responsabilidades suportada por apenas um dos
genitores (DIAS, 2009). Não obstante, todos os direitos relativos à família são garantidos
aos integrantes da família monoparental. Assim, são conferidos direitos relativos ao
parentesco, a alimentos e direitos sucessórios, como o são nos demais arranjos
familiares. Basta que se tenha o reconhecimento do genitor no registro de nascimento
para que assuma deveres de natureza pessoal e patrimonial correspondentes à
paternidade ou maternidade.
FAMÍLIA RECONSTITUÍDA: PLURALIDADE DE VÍNCULOS
As famílias constituídas a partir da dissolução do casamento, pelo divórcio ou
viuvez ou ainda pela dissolução de uniões estáveis têm sido realidade cada vez mais
frequente na vida social brasileira, impulsionadas pela possibilidade do divórcio no país.
Segundo Lobo (2017, p. 86), famílias reconstituídas ou recompostas podem ser
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entendidas como as que “se constituem entre um cônjuge ou companheiro e os filhos
do outro, vindos de relacionamentos anteriores”, os quais podem se unir por novas
núpcias ou por uniões informais. Esse modelo tem recebido dos estudiosos
denominações diversas. Famílias reconfiguradas, sequenciadas, mosaico, compostas,
são algumas das nomenclaturas atribuídas a esse arranjo familiar, mas não há consenso
e todas elas recebem críticas. Dias (2009) sustenta que a expressão que melhor define
esse modelo familiar é a família pluriparental ou mosaico, pela multiplicidade de
relações que enseja. A organização e estruturação desse modelo é complexa, pois
contará com pessoas que provêm de relações anteriores com hábitos e culturas
solidificados, seus filhos individuais e os filhos comuns a eles.
Nesse arranjo talvez a maior dificuldade de adaptação seja para as crianças
frutos de relacionamentos anteriores, pois manterão com o novo marido ou
companheiro da mãe, ou com a nova esposa ou companheira do pai, convivência regular
e essas pessoas poderão exercer, dependendo da organização do núcleo familiar, papel
típico de pais e mães. Além disso, as crianças, em alguns casos, estarão obrigadas a
inserir em suas relações cotidianas a convivência com os filhos do novo membro da
família (cônjuge ou companheiro de seus pais).
Dias (2009, p. 50) identifica a família reconstituída na multiplicidade de vínculos,
relações e funções que os seus membros desempenham. Para a autora, as famílias
pluriparentais possuem estrutura complexa devido à multiplicidade de vínculos,
ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de interdependência. Lobo
(2017) destaca que nas relações da família reconstituída vínculos de parentalidade
que se entrelaçam principalmente em relação aos filhos. Ainda que o poder familiar
fique restrito aos pais, com a figura concomitante do padrasto ou madrasta as funções
podem se confundir. Ao genitor não presente na nova relação é assegurado o direito à
convivência com a criança mediante as visitas regulamentadas e a manutenção do poder
familiar, ainda que não haja convivência regular. Ao padrasto ou madrasta que convivem
diariamente resta o auxílio ao cônjuge ou companheiro no exercício do poder familiar
que lhe cabe na medida em que ele permitir.
É possível aos cônjuges ou companheiros dos pais adotarem, de forma
unilateral, o seu filho, como regulamenta o parágrafo único do artigo 1.626 CCB/02. Essa
medida dependerá de autorização expressa do genitor que consta no registro da
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criança, mas se for do seu interesse possibilidade de o padrasto ou madrasta se
tornar pai ou mãe dos filhos do seu cônjuge ou companheiro. Nessa circunstância,
deixarão o parentesco por afinidade e passarão ao exercício da
paternidade/maternidade.
Não regulação específica para a família recomposta no Brasil, apesar da sua
grande incidência no país e dos conflitos e questões que possam suscitar. Segundo
pesquisa do IBGE, realizada em 2010, no Brasil 4,5 milhões de famílias reconstituídas,
com metade delas com filhos comuns e filhos provenientes de uniões anteriores (LOBO,
2017). Assim, inúmeras questões podem ser suscitadas nesse contexto, como, por
exemplo, em caso de dissolução dessa união, o padrasto ou madrasta têm o dever de
prestar alimentos aos filhos do ex-cônjuge ou ex-companheiro? Teriam eles direito à
regulamentação de visitas, ante os vínculos afetivos que desenvolveram com a criança
quando da convivência afetiva de seus pais?
Como não há no país legislação que esclareça essas questões, quando surgirem,
terão que ser resolvidas pelos tribunais. Sob o argumento de prestígio do princípio da
solidariedade, instituído pela CRFB/88, alguns tribunais têm conferido o direito de visita
ao padrasto ou madrasta que tenha se desvinculado dos pais, mas que mantiveram
vínculos afetivos com seus filhos (DIAS, 2009). Tem sido conferido também aos
enteados, nas famílias reconstituídas, o direito à inclusão do nome do padrasto ou
madrasta em seus registros, sem que desconstituam os vínculos com os pais ou excluam
seus nomes dos registros originários. Permitida será, entretanto, a exclusão da
paternidade e consolidação da paternidade/maternidade socioafetiva do padrasto ou
madrasta, somente em caso excepcional de abandono dos filhos pelos pais (LOBO,
2017).
Em razão dos vínculos afetivos estabelecidos nessas relações de complexidade
cada vez maior, não tardará o tempo em que a legislação cuidará de regulamentá-las. O
próprio judiciário, a partir da unificação de suas decisões, poderá pender pela
equiparação das relações familiares e de parentesco aos modelos de famílias
regulamentados, inclusive impondo direitos e deveres semelhantes, ainda que a
vinculação entre seus membros não se perfaça da mesma maneira.
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FAMÍLIA ANAPARENTAL: FALTA DE REGULAMENTAÇÃO QUE IMPLICA EM PREJUÍZOS
Em que pese a falta de regulamentação específica, como aconteceu com a
família monoparental na CRFB/88, a convivência sob o mesmo teto, de parentes que
não tenham vinculação de ascendência e descendência, mas que provenham de um
tronco comum, tem sido entendida como um modelo específico de família. Esse
entendimento é compartilhado por Dias (2009, p. 48), que acrescenta que essa estrutura
“impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de
família anaparental”.
Quando a CRFB/88 regulou a família monoparental, constituída por um dos
genitores e seus filhos, esqueceu-se de outras possibilidades que com ela se
assemelham, que podem ocorrer por simples opção das pessoas ou, por vezes, pelos
imprevistos e necessidades que a vida impõe em algumas circunstâncias. Nesse sentido,
Gagliano e Pamplona Filho (2014) questionam se não se configura família, quando do
falecimento dos pais, os filhos que continuam a conviver na mesma casa, sob os
cuidados de um deles que tenha atingido a maioridade. E ainda, se não seria um núcleo
familiar distinto a tia que cuida dos sobrinhos na falta dos pais, ou o padrinho que venha
a cuidar dos afilhados, por um infortúnio ocasionado na vida dos afilhados.
Esses arranjos da família anaparental clamam pelo reconhecimento de direitos
específicos. Algumas situações a eles pertinentes, se aplicadas as regras gerais
estabelecidas para as famílias tradicionais reguladas, por vezes, se mostrarão
inadequadas, para não dizer injustas. Dias (2009), por exemplo, entende que na
convivência de duas irmãs por longo período na mesma residência e que conjuguem
esforços para a aquisição de patrimônio comum, no falecimento de uma delas, a
herança não poderia ser distribuída igualmente entre todos os irmãos, como dispõe a
legislação civil vigente. Para a autora, todos os bens nesse contexto deveriam ser
entregues à irmã que conviveu com a falecida compondo uma família anaparental. Os
vínculos afetivos desenvolvidos nesse ambiente e a conjugação de esforços para uma
vida comum autorizariam a supressão dos demais herdeiros definidos no CCB/02.
Em alguns países, com a falta de regulação específica, irmãos que convivem no
modelo anaparental têm buscado amparo para resguardar direitos com a promoção no
registro de sua convivência como união civil. Há nos noticiários a informação de que no
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Reino Unido tem ocorrido um ativismo social nesse sentido, visando justamente
assegurar partilha exclusiva de bens em favor daquele que sobreviver ao outro no
modelo anaparental
8
. No Brasil, ainda não relatos de solicitações em registros.
Entretanto, os mesmos problemas serão enfrentados nos tribunais brasileiros. Não há
na legislação qualquer regulação para as famílias anaparentais e os efeitos jurídicos
advindos dessa forma de convivência familiar específica ficará à merdas decisões
controversas expedidas pelo judiciário, que pela multiplicidade de órgãos costuma dar
diferentes decisões para um mesmo contexto, até que haja uma uniformização
proferida pelo STF.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil contemporâneo a família ganhou característica multifacetada. A união
de pessoas que se vinculam pelo parentesco e pelo afeto com a finalidade de, juntas,
produzirem o crescimento individual e buscar a felicidade e o bem-estar de todos foi
reconhecida juridicamente como entidade familiar. Com esse reconhecimento, foram
legitimados diversos modelos de família até então ignorados pela legislação brasileira.
Dentre eles destacam-se as famílias formadas pelo casamento; união estável; com a
presença de um dos genitores e sua prole; ou sem a presença de genitores; unidas pelo
parentesco; pessoas em nova união que constituem novas famílias, pessoas que
convivem com outros arranjos familiares ainda não naturalizados; assim como as uniões
de pessoas do mesmo sexo, as famílias paralelas e o poliamor.
Os novos arranjos familiares têm ganhado relevância no país a partir da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Com a dignidade da pessoa
humana como princípio fundamental permeando as relações, repercutiu inclusive no
modo de vida em família. Os princípios constitucionais da igualdade, liberdade, do
consenso, solidariedade e afetividade introjetados pelos brasileiros facultaram maior
autonomia para constituição das famílias no país e possibilitaram às pessoas buscarem
direitos relativos à forma como se organizam em família.
8
https://universa.uol.com.br/noticias/bbc/2018/10/04/a-mulher-que-quer-registrar-uma-uniao-civil-
com-a-irma.htm. Acesso em 05 out. 2018.
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Os ideais trazidos pela CRFB/88 formataram as regras do direito privado para a
constituição de família no país, construindo uma nova concepção para os direitos
pertinentes a organização familiar. A nova perspectiva fomenta a conquista e
reconhecimento de direitos às mais diversas formas de se organizar em família e
facultam a desmistificação de direitos seculares estabelecidos como regra irrefutável.
A título de exemplo se tem os questionamentos atuais acerca da norma que
regulamenta a distribuição patrimonial após a morte, para a qual restava estabelecida
uma cadeia sequenciada de herdeiros, inafastável pela vontade dos envolvidos.
Contudo, com a consolidação da família anaparental essa regra tem sido questionada,
pois as pessoas que estabelecem esse modelo familiar se encontram em desvantagem
no rol dos que estão legitimados a receber a herança, mesmo estando próximos na
vinculação familiar desse modelo.
Esses e outros direitos secularmente assentados devem ser questionados e
acomodados no âmbito dos modelos plurais de família que tendem à consolidação cada
vez mais rápida na sociedade brasileira. Assim, o ordenamento jurídico deve flexibilizar
e ampliar seu espectro de proteção para abarcar a pluralidade de arranjos familiares
cada vez mais inovadores, que são realidade no país, para que os direitos a eles
destinados se consolidem na mesma rapidez com que os arranjos são firmados entre as
pessoas.
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