https://doi.org/10.46551/issn2179-6807v29n2p78-93
Vol. 29, n. 2, jul/dez, 2023
ISSN: 2179-6807 (online)
POVOS INDÍGENAS E MEIO AMBIENTE: UMA RELAÇÃO ENTRE
PRECONCEITOS E O INTERESSE NACIONAL
Fábio Antunes Vieira1
Leandro de Aquino Mendes2
Leila de Souza Almeida3
Recebido em: 26/10/2023
Aprovado em: 20/12/2023
Resumo: Nos últimos anos, sobretudo durante o governo Bolsonaro, o Brasil caminhou no
sentido contrário a valorização de seu capital natural. Em relação à floresta amazônica, por
exemplo, o desmatamento ameaça sua existência enquanto floresta tropical e tem ocasionado
desequilíbrio da regulação das chuvas, além de danos ambientais em nível global. Diante de tal
perspectiva fatalista, cumpre ao poder público e a sociedade civil organizada buscarem
alternativas que garantam o usufruto sustenvel do capital natural nacional, de modo a
viabilizar a continuidade da vida em suas múltiplas dimensões. Para tanto, nenhuma discussão
poderia prescindir o conhecimento dos povos indígenas que, pautados por uma relação mais
harmoniosa com a “mãe terra”, evidenciam ser possível conciliar preservação ambiental com
exploração econômica. Contudo, vítimas de preconceitos, violências e cobiça por suas terras,
eles têm sido alijados do processo decisório. Considerando o contexto apresentado, o objetivo
deste artigo consiste em inscrever os povos indígenas em meio ao debate ambiental no Brasil,
sobretudo no que tange a economia verde, de modo a evidenciar que, contrariamente ao
senso comum, os ditos “homens brancos” precisam mais deles, que o oposto.
Palavras-chave: Indígena. Respeito. Meio ambiente. Economia verde. Brasil.
INDIGENOUS PEOPLES AND THE ENVIRONMENT: A RELATIONSHIP BETWEEN PREJUDICES AND
NATIONAL INTEREST
Abstract: In recent years, especially during the Bolsonaro government, Brazil has moved in the
opposite direction to the appreciation of its natural capital. In relation to the Amazon forest,
for example, deforestation threatens its existence as a tropical forest and has caused an
3Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Docente do
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - IFNMG, Campus Januária. Integrante do Núcleo de Estudos,
Pesquisa e Extensão Afro-brasileiros e Indígenas - NEABI / IFNMG - Campus Januária. E-mail:
leila.souza@ifnmg.edu.br.
2Mestre em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Docente do Instituto Federal
do Norte de Minas Gerais - IFNMG, Campus Januária. Integrante do Núcleo de Estudos, Pesquisa e
Extensão Afro-brasileiros e Indígenas - NEABI / IFNMG - Campus Januária. E-mail:
leandro.mendes@ifnmg.edu.br.
1Doutor em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Docente
do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - IFNMG, Campus Januária. Integrante do Núcleo de
Estudos, Pesquisa e Extensão Afro-brasileiros e Indígenas - NEABI / IFNMG - Campus Januária. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0001-7682-010X. E-mail: fabio.vieira@ifnmg.edu.br.
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imbalance in rainfall regulation, in addition to environmental damage at a global level. Faced
with such a fatalistic perspective, it is up to public authorities and organized civil society to seek
alternatives that guarantee the sustainable enjoyment of the national natural capital, in order
to enable the continuity of life in its multiple dimensions. To this end, no discussion could do
without the knowledge of indigenous peoples who, guided by a more harmonious relationship
with “mother earth”, demonstrate that it is possible to reconcile environmental preservation
with economic exploitation. However, victims of prejudice, violence and greed for their land,
they have been excluded from the decision-making process. Considering the context
presented, the objective of this article is to include indigenous peoples in the midst of the
environmental debate in Brazil, especially with regard to the green economy, in order to
highlight that, contrary to common sense, the so-called “white men” need more of them, than
the opposite.
Keywords: Indigenous. Respect. Environment. Green economy. Brazil.
LOS PUEBLOS INDÍGENAS Y EL MEDIO AMBIENTE: UNA RELACIÓN ENTRE PREJUICIOS E INTERÉS
NACIONAL
Resumen: En los últimos años, especialmente durante el gobierno de Bolsonaro, Brasil ha
avanzado en la dirección opuesta a la apreciación de su capital natural. En relación con la selva
amazónica, por ejemplo, la deforestación amenaza su existencia como selva tropical y ha
provocado un desequilibrio en la regulación de las precipitaciones, además de daños
ambientales a nivel global. Ante una perspectiva tan fatalista, corresponde a las autoridades
públicas y a la sociedad civil organizada buscar alternativas que garanticen el disfrute
sostenible del capital natural nacional, con el fin de posibilitar la continuidad de la vida en sus
múltiples dimensiones. Para ello, ningún debate podría prescindir del conocimiento de los
pueblos indígenas que, guiados por una relación más armoniosa con la “madre tierra”,
demuestran que es posible conciliar la preservación del medio ambiente con la explotación
económica. Sin embargo, víctimas de prejuicios, violencia y codicia por sus tierras, los pueblos
indígenas fueron excluidos del proceso de toma de decisiones. Considerando el contexto
presentado, el objetivo de este artículo es incluir a los pueblos indígenas en medio del debate
ambiental en Brasil, especialmente en lo que respecta a la economía verde, con el fin de
resaltar que, contrariamente al sentido común, los llamados “hombres blancos” necesitan más
de ellos que lo contrario.
Palabras clave: Indígena. Respeto. Medio ambiente. Economía verde. Brasil.
INDÍGENA NÃO É ÍNDIO: HISTÓRIA, ETIMOLOGIA E PRECONCEITOS
Tratar de uma temática tão abrangente e complexa, quanto a ligada aos povos
indígenas, não é tarefa fácil. Apesar de alguns avanços vinculados a Lei 11645 de 2008
e da recente criação de um Ministério específico no ano corrente, não é difícil
constatar que as publicações, bem como a disseminação das discussões nos meios
acadêmicos, escolares e midiáticos, estão aquém da necessidade e do respeito que os
povos indígenas, originários do Brasil, requerem. Desta feita, a perpetuação de uma
série de preconceitos em relação a eles e as decorrentes expressões de violências
simbólica e física, estão dentre os efeitos nocivos mais notórios na sociedade brasileira.
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Acerca dos preconceitos, a própria denominação índio, atribuída pelos
colonizadores portugueses aos povos originários da Pindorama, é uma de suas formas
de expressão. Proveniente do gentílico em espanhol para uma pessoa nascida na Índia,
a palavra índio foi erroneamente utilizada em terras que atualmente compõem as
Bahamas na América Caribenha, por Cristóvão Colombo no final do século XV.
Buscando uma rota marítima para a Índia a oeste, pautado por cálculos inadequados
acerca do raio da terra e desconhecendo a existência de outro continente, Colombo
interpretou ter chegado ao destino pretendido, em 1492. Assim, tratou os habitantes
locais com quem teve contato, nativos integrantes dos povos taínos falantes do
aruaque, equivocadamente como índios.
Replicada no Brasil desde o período colonial, a palavra índio é um termo
genérico, que não considera as especificidades que existem entre os povos indígenas,
como as linguísticas e mesmo a especificidade de tempo de contato com a sociedade
não indígena”. Trata-se de um termo colonizador, que reproduz um pejorativo que
remete à ideia eurocêntrica” de que os povos indígenas são atrasados” e “todos
iguais”, explica Márcia Mura, integrante do povo mura e doutora em História Social
pela USP4.
Para Maria Vitória Berlink, mestre em Linguística Aplicada pela PUC-SP, os
colonizadores ibéricos “usavam a palavra índio”, termo “raso”, para qualquer povo
originário que encontravam pelo território”, desconsiderando qualquer traço
individual”. Portanto, o que os povos indígenas “tentam fazer agora é tomar para si o
direito de se definirem e de mostrar que são mais do que o termo exprime”5.
Corroborando com a discussão, basta mencionar que a Secretaria de
Comunicação Social do Senado Federal, baseado no censo do IBGE de 2010, descreveu
o nome de mais de 320 povos indígenas espalhados pelo país6. Além disso, em
território nacional perduram desde a conquista” portuguesa, quatro grandes grupos
linguísticos”, a saber, “arauque, caribe, tupi e jê”, dentre outros menores distribuídos
de forma mais compacta no mapa (MARCHIORO, 2018). Desta feita, não por acaso,
após muita mobilização das representações a eles vinculadas, o dito “Dia do Índio”
celebrado em 19 de abril, estabelecido enquanto tal pelo Decreto-Lei 5540 de 1943, ter
6Conforme consulta pública realizada pelo portal do Senado Federal (2023).
5Conforme reportagem do Portal G1 em Santos (2022).
4Conforme reportagem do Portal G1 em Santos (2022).
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sido adequadamente alterado, em função da instituição do “Dia dos Povos Indígenas”
pela Lei 14402 de 20227, decorrente do Projeto de Lei 5566 de 2019, de autoria da
então deputada federal pelo Rede de Roraima, Joenia Wapichana8.
Ainda sobre o assunto, segundo Daniel Munduruku, doutor em educação pela
USP, integrante do povo de mesmo nome, a palavra indígena diz mais sobre eles que
índio, inclusive em sua acepção de originário, aquele que está ali antes dos outros”.
Para ele, a palavra índio reporta a duas ideias preconceituosas. A primeira, “folclórica”,
ainda simbolizada principalmente no dia 19 de abril, diz respeito a representação
estereotipada de um ser do passado”, com duas pinturas no rosto, uma pena na
cabeça” e que “mora em uma oca em formato triangular. a segunda,
“ideologizada”, está quase sempre “ligada a preguiça, a selvageria, ao atraso
tecnológico, a uma visão de que o índio tem muita terra e não sabe o que fazer com
ela. A ideia de que o índio acabou virando um empecilho para o desenvolvimento
brasileiro” (ROSSI, 2019), principal aspecto de interesse a ser contestado aqui.
Este imaginário do “índio" como indolente, também é objeto de críticas de Ailton
Krenak, indígena integrante do povo de mesmo nome, considerado um dos mais
influentes pensadores indigenistas da atualidade e recentemente eleito para a
Academia Brasileira de Letras. Para ele, face ao “sentido utilitarista da vida”, os
“brancos” perpetuam o discurso dos indígenas como “preguiçosos” e incivilizados, de
modo a justificarem “um pisar duro sobre a terra” (KRENAK, 2020, p. 112).
Contudo, apesar de suas boas reflexões, sobretudo as destinadas ao limiar de
uma consciência coletiva que possa adiar o fim do mundo”, pautada por uma visão
não utilitarista da vida e respeito a “mãe terra” como um organismo vivo” (KRENAK,
2020, p. 69), não é possível incorrer na utopia de que o capitalismo parar de
devorá-la. Neste sentido, o próprio Krenak reconhece que estamos devastando o
planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades”
(KRENAK, 2020, p. 80).
Acerca da lógica capitalista em sua fase globalizada, Milton Santos salientava que
a necessidade de buscar mais dinheiro tem conduzido uma competição cada vez mais
voraz entre nações, empresas, cidades e se tornado também a regra de convivência
8Conforme informação da Agência Senado em "Dia dos Povos Indígenas, em 19 de Abril, Substitui Dia
do Índio Após Derrubada de Veto" (2022).
7De acordo com a Lei 14402 de 8 de julho de 2022.
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entre as pessoas, favorecendo o uso da força, o emprego da violência
(institucionalizada ou não), bem como a constituição de diversos medos que têm
ocupado corações e mentes de bilhões de pessoas mundo afora (SANTOS, 2000).
Para Violeta Loureiro, a “forma atual e predominante como se estabeleceu nos
últimos séculos o contrato social nas sociedades ocidentais, imposto pelo sistema
democrático-liberal, visando apenas a reprodução do capital, gerou uma grave crise no
sistema-mundo”, de que trata Immanuel Wallerstein (ZUIN, 2017). No mais, dialogando
teoricamente com Boaventura de Sousa Santos, Loureiro compreende que tal crise
decorre do predomínio, cada vez mais forte, do processo de exclusão social sobre os
processos de inclusão” (ZUIN, 2017, p. 210).
Adequando tal debate à questão ambiental, de modo a viabilizar a passagem ao
próximo tópico de discussões, no caso da Amazônia, por exemplo, o impacto maior
dessa exclusão recai sobre as populações tradicionais e, dentre elas, os povos
indígenas. Concebidos como “povos atrasados, primitivos, portadores de uma cultura
inferior que obstaculiza o desenvolvimento”, tais povos têm sido pressionados a
desocuparem suas terras em prol de atividades ditas modernas” (LOUREIRO, 2010).
Assim, sob a ótica do discurso integracionista e civilizacional, dentre outros, as
terras indígenas tendem a desaparecer em benefício do grande capital e prejuízo de
toda a sociedade. Todavia, como “ninguém come dinheiro” (KRENAK, 2020, p. 13), para
além do exposto, os últimos anos também vêm sendo marcados pelo aumento das
discussões acerca daquilo que tem sido denominado como economia verde, “pautada
em baixa emissão de carbono, eficiência no uso dos recursos [naturais] e socialmente
inclusiva”, em conformidade com um relatório lançado pelo Programa das Nações
Unidas Para o Meio Ambiente (PNUMA) da ONU, em 2011 (KIRCHNER, 2018).
ECONOMIA VERDE, O NEFASTO CONTEXTO BRASILEIRO E EXPERTISE INDÍGENA
Pertinente às discussões envolvendo economia verde, talvez seja apropriado
iniciar discorrendo que, embora importantes, elas não são (e nem deveriam ser)
desprovidas de ressalvas. Para Zacarias (2012, p. 13), embora as propostas inscritas na
economia verde possam ser compreendidas como alternativas para enfrentamento da
atual crise do capital e ambiental em curso, também não deixam de ser “uma
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representação, em nova embalagem, das estratégias defendidas pelo [próprio]
capitalismo”.
Em outros termos, tais alternativas se inscrevem “principalmente no âmbito da
lógica econômica, conferindo ao mercado a capacidade institucional de resolver a
degradação ambiental, sob a lógica de economizar o meio ambiente e abrir
perspectivas de ganhos a partir de “novas tecnologias ditas limpas” (KIRCHNER, 2018).
Nessa linha, segundo o Diretor Executivo do PNUMA, Achim Steiner, embora a
economia verde não implique favorecimento a uma ou outra perspectiva política, é
“relevante a todas as economias, sejam elas controladas pelo estado ou pelo mercado”,
mas sem prescindir práticas de desenvolvimento sustenvel (PNUMA, 2011).
Para além do ceticismo sobre o assunto, é oportuno salientar que as discussões
sobre a economia verde, também inscrevem preocupações inerentes a “melhoria do
bem-estar da humanidade e igualdade social", bem como a promoção de ações que
possam reduzir “riscos ambientais e escassez ecológica” (PNUMA, 2011). Desta feita, é
preciso reconhecer que décadas de criação de riqueza através de um modelo de
economia marrom’ não lidaram de modo substancial com a marginalização social e o
esgotamento de recursos. Portanto, vinculada à economia verde, a sustentabilidade
deve ser um objetivo vital a longo prazo, em meio às discussões inerentes às questões
ambientais.
Embora tal debate sobre crescimento econômico e meio ambiente venha
angariando cada vez mais notoriedade midiática nos últimos anos, ele vem
ocorrendo a algumas décadas. Neste sentido, por exemplo, a Comissão Mundial para o
Meio Ambiente publicou em 1987 o chamado Relatório Brundtland, o qual conceitua
desenvolvimento sustenvel como aquele que procura satisfazer as necessidades da
geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
satisfazerem as suas próprias necessidades” (KIRCHNER, 2018). Isso infere, dentre
outras coisas, “possibilitar à população atual e futura atingir um nível satisfatório de
desenvolvimento social, econômico e de realização humana, sem [maior] degradação
dos recursos naturais existentes". Assim, a busca pelo equilíbrio entre os interesses de
mercado e as políticas socioambientais constitui um objetivo a ser buscado a bem da
humanidade, embora isso não venha sendo uma tarefa fácil.
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No que concerne ao Brasil, é importante ressaltar que, nos termos da Lei 6.938
de 1981, meio ambiente pode ser compreendido como o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege
a vida em todas as suas formas” (MIRRA, 2016, p. 9). Além disso, a Constituição Federal
de 1988, no caput do Artigo 225, enfatiza que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”9. Todavia, apesar do que determina a
Carta Magna, a realidade observada tem sido outra no país.
Segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “as
relações entre a economia e o meio ambiente não têm sido suficientemente
equilibradas”, visto que “muitos recursos naturais não são transacionados no mercado”
ou “não são incorporados nas análises econômicas” (CAMPOLI; STIVALI, 2023, p. 11).
Uma evidência disso é a dificuldade de mensuração do “valor de uso indireto” do
recurso natural, que corresponde ao valor atribuído aos efeitos decorrentes de sua
própria existência e relação com o aumento do bem-estar da sociedade (CAMPOLI;
STIVALI, 2023, p. 13).
No caso da cobertura vegetal esses efeitos seriam, por exemplo, o sequestro de
carbono, a estabilização da temperatura e a proteção contra o assoreamento dos rios”,
sem contar as formas diretas de exploração ou o “valor de opção relacionado à ideia de
possíveis usos futuros do recurso natural”10. Portanto, dentre outras expressões de
recurso natural, tratar de cobertura vegetal, a exemplo de florestas e matas, significa
tratar de uma forma de capital natural”, considerado um ativo econômico” pela
Organização das Nações Unidas11, que o Brasil ainda dispõe abundantemente, ao
contrário da maioria dos países do planeta.
Para além das polêmicas que permeiam o assunto, o crescimento do chamado
“mercado de carbono” vinculado a economia verde, por exemplo, evidencia a
demanda por cobertura vegetal florestal. Neste sentido, estudo realizado por Willian
11 Conforme artigo do Portal da Indústria (s.d.).
10 O valor da opção corresponde ao valor de manter aberta a opção de usar os recursos ambientais dos
ecossistemas posteriormente. Assim, apesar de alguns indivíduos não terem certeza de que usarão um
recurso no futuro, podem estar dispostos a pagar para manter essa opção, com base nas ideias de
Campoli e Stivali (2023).
9Com base na Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).
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Santos Paiva em um remanescente florestal da Universidade Federal Rural da
Amazônia, localizada em Parauapebas no Pará, apurou 30,16 toneladas de carbono
estocadas por hectare em um ano (PAIVA, 2018).
Para Janaina Dallan (CEO da Carbonext), em termos de mercado, um crédito de
carbono, que equivale a retirada de uma tonelada de CO2 da atmosfera, pode ser
vendido por mais 15 dólares a depender da negociação12, embora as discussões para a
regulamentação do mercado de carbono no Brasil estejam ainda em fase de discussão
no Congresso Nacional.
Apesar do exposto, nos últimos anos o Brasil caminhou no sentido contrário a
valorização de seu capital natural. Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, por
exemplo, observou-se um "crescimento significativo na destruição da floresta
amazônica. A taxa anual de desmatamento chegou a 10.851km2 em 2020, sendo que a
taxa média nos dez anos anteriores era de 6.493,8 km2” (Passarinho, 2021). De acordo
com o IPEA, o desmatamento acumulado na Amazônia corresponde a 17% de sua área
total”. Caso “ultrapasse 20% da vegetação original, a maior floresta tropical do mundo
não deixará de ser floresta, como ocasionará desequilíbrio da regulação das chuvas
e danos ambientais em nível global" (CAMPOLI; STIVALI, 2023, p. 9-10).
Embora os dados sejam alarmantes,a bacia do Rio Amazonas, que compreende
nove países na América do Sul, ainda segue sendo um sumidouro líquido de carbono”.
Entretanto, está próxima de se tornar uma fonte de emissões líquidas se o
desmatamento continuar nas mesmas taxas dos últimos quatro anos (...) por conta
da abertura de áreas para pastagens e degradação pelo fogo”13. Além disso, pertinente
a retirada ilegal de madeira, outro dos muitos problemas que assolam a Amazônia e
outros biomas brasileiros, é preciso destacar que, diferentemente de florestas
secundárias ou plantadas, como eucalipto e pinus”, tal exploração predatória
em “florestas antigas solta na atmosfera o CO2 que levou séculos para se acumular e,
uma vez perdido, esse carbono é irrecuperável em nosso tempo de vida”14.
Diante de tal perspectiva fatalista, cumpre ao poder público e a sociedade civil
organizada, buscarem alternativas que garantam a usufruto sustentável do capital
natural nacional, de modo a viabilizar a continuidade da vida em suas múltiplas
14 Conforme reportagem de Harris e Gibbs (2021) para WRI Brasil.
13 Conforme reportagem de Harris e Gibbs (2021) para WRI Brasil.
12 Conforme entrevista concedida à TV Senado (2022).
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dimensões, inclusive em termos internacionais, visto a importância do Brasil no
contexto da geopolítica ambiental. Para tanto, nenhuma discussão pode prescindir a
contribuição dos povos indígenas.
Para além de qualquer ingenuidade utópica, é certo que em meio aos povos
indígenas, uma minoria “tenha se atrelado a formas predatórias de exploração dos
recursos naturais hoje em vigor na Amazônia”, sobretudo “fazendo alianças,
principalmente, com empresas madeireiras” e garimpos. Entretanto, mesmo no caso
desta exceção à regra, é preciso reconhecer que os indígenas assim procederam
submetidos a pressões concretas, contínuas, ilegais e como sócios menores desses
negócios” direcionados aos interesses do grande capital (KRENAK, 2020, p. 115).
Ressalva feita, a realidade é que, via de regra, face a degradação ambiental que
atenta contra a vida e que não poupa ninguém, nem mesmo os endinheirados com
seus olhos e recursos voltados à marte, os povos originários em diferentes lugares do
mundo, ainda guardam vivências preciosas que podem ser compartilhadas”(KRENAK,
2020, p. 115). Não por acaso, alguns estudos têm versado que “áreas protegidas e
terras indígenas são algumas das mais valiosas ferramentas para ação climática,
combinadas com políticas de comando e controle do desmatamento” (KRENAK, 2020,
p. 116).
No caso do Brasil, um exemplo é elucidativo neste sentido. Estudo realizado em
2021, tomando por base a protegida “terra indígena Menkragnotí, constatou que as
árvores nela inscritas absorvem aproximadamente 10 milhões de toneladas de CO2a
mais do que emitem por ano”, ou seja, o equivalente a emissões de 2 milhões de
carros”. Por outro lado, a área ao redor não protegida, “se tornou uma fonte de
emissões por meio da abertura de áreas para mineração, pecuária e plantio de soja”15.
Assim, “reconhecer terras indígenas e garantir a aplicação da lei nessas terras”, consiste
em uma estratégia” plausível de “proteção da floresta em pé” e estocagem de
carbono nelas, dentre outras formas de usufruto sustentável16.
Em termos mais holísticos, a relação dos povos indígenas brasileiros com o meio
ambiente, envolve suas terras e é um testemunho vivo da profunda interconexão entre
cultura e ambiente. Ao longo de milênios, essas comunidades nativas alcançaram uma
16 Conforme reportagem de Harris e Gibbs (2021) para WRI Brasil.
15 Conforme reportagem de Harris e Gibbs (2021) para WRI Brasil.
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salutar compreensão dos ecossistemas que habitam, incorporando essa sabedoria
ancestral em suas tradições culturais e modos de vida. A ligação entre os povos
indígenas e o meio ambiente, transcende a mera simultaneidade, representando uma
associação que favorece tanto a natureza quanto a identidade dessas comunidades.
Seus rituais, crenças e práticas cotidianas refletem um profundo respeito pelos ciclos
naturais e a importância de preservar a harmonia entre ser humano e ambiente.
Embora seja um fato, que qualquer sociedade humana causa impactos
ambientais” onde quer que se estabeleça, os povos indígenas, através do manejo mais
sustentável dos recursos naturais, da maior atenção com as áreas de conservação e
com a biodiversidade (quando comparados aos brancos), demonstram que a busca
pela preservação do patrimônio cultural e ambiental é inseparável. Ao seguir o
exemplo desses povos tradicionais, é possível cogitar um futuro mais sustenvel.
Assim, a parceria entre povos indígenas, cientistas, governos e sociedade em
geral, pode resultar em abordagens inovadoras para a conservação da biodiversidade,
bem como para a restauração ambiental e para a mitigação das mudanças climáticas.
Afinal, a interconexão cultural e ambiental dos povos indígenas brasileiros, evidencia
que o usufruto mais sustentável do meio ambiente emerge da harmonia entre a
humanidade e a natureza, uma lição atemporal que merece ser ouvida e respeitada.
POVOS E TERRAS INDÍGENAS: INCOMPREENSÃO, DESRESPEITO E INTERESSE
NACIONAL
Apesar das evidências e dados que ratificam a importância dos povos indígenas
para o desenvolvimento nacional, sobretudo no que concerne às discussões
envolvendo meio ambiente e economia verde, infelizmente estamos longe de uma
consciência coletiva acerca disso. Embora a questão indígena venha ganhando cada vez
mais alcance no debate público, sobretudo nos meios marcados pela participação de
lideranças, artistas, educadores e especialistas mais engajados, por outro, para uma
significativa parcela da população, sobra incompreensão e a “mesmo rancor diante
da luta dos povos originários por seus direitos. Isso é o que evidenciou uma pesquisa
intitulada “Narrativas Ancestrais, Presente do Futuro”, publicada pela Amoreira
Comunicação em abril de 2022, sustentada por centenas de entrevistas realizadas em
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2021 envolvendo diferentes atores sociais, desde “lideranças indígenas a eleitores
conservadores”, além de “análises de redes sociais”17.
Segundo a pesquisa, uma parte dos entrevistados identificados como
conservadores” que, via de regra, tomam como efeito de verdade fragmentos de
reportagens e conteúdos de redes sociais, tendem a contrapor os direitos indígenas
aos do restante da população. A partir desta percepção, uma das implicação é o rancor
direcionado aos indígenas, apontados como detentores de privilégios provenientes do
setor público, em suposto detrimento da sociedade em geral. Dentre os que assim
pensam, enquanto uns relacionam os modos de vida dos povos indígenas com
pobreza, necessidade de auxílios governamentais e carência”, outros, pautados por
uma “visão de mundo que sua própria cultura como única referência, tendem a
esperar deles que evoluam e integrem a sociedade brasileira”18.
Para além da incompreensão e ódio de uma parcela dos ditos conservadores, a
pesquisa da Amoreira Comunicação também evidenciou, por outro lado, duas
percepções favoráveis aos povos originários, dentre os entrevistados. A primeira diz
respeito ao crescente debate público acerca do direito à terra, visto as ameaças e
ataques que os povos indígenas vêm sofrendo e que têm ganhado notoriedade
midiática. Disso, tem crescido a compreensão de que a demarcação e a proteção dos
territórios indígenas implicam não apenas conferir-lhes um lugar onde possam viver,
mas também onde possam ter condições de sobrevivências de suas próprias línguas,
das culturas, dos rituais, de toda a estrutura saudável de existências”19.
Quanto à segunda percepção, destaque para os indígenas como “protetores do
meio ambiente”, como guardiões das florestas e essenciais no combate à mudança
climática”, em meio ao debate que vem ganhando cada vez mais força no cenário
global e, evidentemente, no Brasil na última década. Embora recebida com certas
ressalvas por uma parcela de indígenas, visto que, dentre outras coisas, essa percepção
desconsidera que atualmente 36% deles vivem em áreas urbanas, segundo o censo do
IBGE de 2010, em termos gerais a maioria a compreende como algo positivo aos
propósitos de um movimento amplo de reivindicações20.
20 Conforme artigo do Nexo Jornal (VICK, 2022).
19 Conforme artigo do Nexo Jornal (VICK, 2022).
18 Conforme artigo do Nexo Jornal (VICK, 2022).
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Nessa linha, vários entrevistados concordam que a proteção ambiental não deve
se resumir a um discurso direcionado aos indígenas apenas. Todavia, argumentam que
“mais gente hoje entende que as florestas em áreas protegidas e nas terras indígenas
são fundamentais para evitar o colapso climático”. Com isso, “o direito à terra deixa de
ser parte daquilo que está previsto na Constituição e passa a fazer parte da lógica
associada ao equilíbrio climático”21. Entretanto, nem todos assim compreendem,
quando se trata da exploração econômica do território brasileiro e, portanto, dos
direitos indígenas a uma parte dele.
De acordo com o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, as terras indígenas
são áreas demarcadas pela União para uso exclusivo dos povos indígenas que nela
habitam. Essas terras são reconhecidas como territórios de ocupação tradicional. Os
territórios indígenas constituem propriedades dos povos indígenas e são considerados
como bens da União. O processo de demarcação, via de regra, é conduzido pelo Poder
Executivo, sob a jurisdição da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Essa
abordagem visa reconhecer e preservar os direitos territoriais dos povos indígenas,
assegurando a continuidade de suas tradições e modos de vida.
Apesar do exposto, os últimos anos têm sido marcados por discussões destinadas
a alterar o atual processo de demarcações. Acerca do assunto, é possível destacar o PL
490/2007, que passou a ser conhecido como PL do marco temporal, proposto pelo
então Deputado Federal Homero Pereira do PR/MT. Em termos gerais, o projeto é
pautado pela teoria de reconhecimento apenas das terras que os povos indígenas
possam provar que ocupavam a a data da promulgação da Constituição Federal de
1988.
Os defensores do marco temporal, dentre os quais muitos ruralistas e
mineradores, alegam, dentre outras coisas, que a extensão das terras demarcadas é
excessiva em relação ao número de indígenas, bem como que a aprovação do PL
reduziria os conflitos territoriais violentos. Além disso, argumentam que isso
promoveria o desenvolvimento econômico do país e garantiria segurança jurídica aos
negócios, dentro da lógica capitalista de exploração.
No entanto, indígenas e ambientalistas se opõem ao marco temporal, alegando
que ele desconsidera os direitos dos povos originários do Brasil, muitos deles forçados
21 Conforme artigo do Nexo Jornal (VICK, 2022).
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a abandonarem suas terras, devido à banalização da violência e das invasões. Assim, a
ideia do poder público passar a exigir provas de ocupação com base em um marco
temporal, apenas coopera para apagar a história dos povos indígenas no Brasil, bem
como ignora a violência sofrida por eles. Além disso, quem entenda, como Ailton
Krenak, que o marco temporal possa ampliar os conflitos e deslocamentos de
comunidades indígenas, além de favorecer uma economia que destrói o meio
ambiente, implicando consequências negativas à toda a sociedade brasileira.
Declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - STF, em 21 de
setembro de 2023, o marco temporal foi aprovado pelo Congresso Nacional, onde atua
com expressiva força política a chamada bancada ruralista. Tal aprovação, embora
afrontosa aos interesses indígenas e a mais alta corte do judiciário nacional, também
afrontou a sociedade civil em termos gerais, segundo é possível afirmar tomando por
base os resultados de consultas públicas abertas pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado, a respeito do supracitado projeto de lei. Em relação a consulta realizada entre
2018 e 2023 no site da Câmara dos Deputados, dentre os 19.115 brasileiros que se
cadastraram para participar dela, 16751 votaram contra o marco temporal22. Quanto
ao Senado, a consulta realizada em 2023 através do link do e-Cidadania no site desta
casa parlamentar, revelou que 87% dos participantes foram contra o marco temporal,
de um total de 3639 participantes23.
Transformada em Lei 14701 em 20 de outubro de 2023, a proposta do marco
temporal seguiu para a sanção do Executivo Federal. Entretanto, amparado pela
decisão do STF e mediante apoio de significativa parcela da sociedade civil, o
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a maior parte dos 33 artigos que a compõem,
particularmente os mais danosos aos interesses indígenas. Todavia, longe desta decisão
representar uma solução ao problema, a cobiça pelos territórios indígenas, a violência
dela resultante e as nefastas implicações ambientais, agravadas durante o governo
Bolsonaro, estão longe de uma solução. Ainda mais a ser feito.
Pertinente à questão da violência, este texto não poderia ser concluído sem
ressaltar as investigações em curso instauradas pelo Supremo Tribunal Federal, em
janeiro de 2023, em relação à tragédia humanitária ocorrida na terra indígena
23 Conforme consulta pública no site do Senado Federal (2023).
22 Conforme enquete no site da Câmara dos Deputados (2023).
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Yanomami, durante o governo Bolsonaro. Neste sentido, segundo a Petição 9585, o
relator do processo, Ministro Luís Roberto Barroso, solicitou a PGR, ao Ministério Público
Militar, ao Ministério da Justiça e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima, à
apuração da prática, entre outros, dos crimes em tese: de genocídio (...), desobediência,
quebra de segredo de justiça, bem como de crimes ambientais relacionados à vida, à
saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas”24.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomando por base as abordagens tecidas ao longo deste texto, para além das
garantias aos povos indígenas, inscritas no Artigo 231 da Constituição Federal de 1988,
as políticas públicas destinadas à preservação de suas terras não implicam nenhum
favor do Estado brasileiro para com eles. Ao contrário, mais do que reconhecer direitos
aos originários do Brasil, lutar pela preservação de suas terras, modo vida, cultura e
interação com a natureza, deve ser uma premissa de todos aqueles que têm apreço
pela manutenção da vida humana no planeta.
Diante de todo o contexto aqui apresentado, o propósito deste estudo, a ser
ampliado, é justamente procurar enfatizar que, em meio ao que Suely Rolnik chama de
“necrocapitalismo”25, são os ditos “homens brancos” que mais precisam dos povos
indígenas, não o contrário. Desta feita, qualquer discussão que envolva a relação entre
tais povos e o meio ambiente, deve ser tratada como sendo de interesse nacional.
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25 Em Krenak (2020, p. 68).
24 Conforme Petição 9.585 do Supremo Tribunal Federal (2023).
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