ARTIGO DE PONTO DE VISTA

OS SURDOS E O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: UMA REFLEXÃO

THE DEAF AND HIGHER EDUCATION IN BRAZIL: A REFLECTION

LA EDUCACIÓN SORDA Y SUPERIOR EN BRASIL: UNA REFLEXIÓN

Daniel Antunes Freitas[1], Wane Elayne Soares Eulálio[2]

 

Data de Submissão: 26/06/2020 Data de Publicação: 26/06/2020

Como Citar:FREITAS, D. A..; EULÁLIO, W. E. S. Surdos e o Ensino Superior no Brasil: uma reflexão. Revista Eletrônica Nacional de Educação Física, v. 10, n. 15, 26 jun. 2020.DOI: htpps://doi.org/10.46551/rn2020101500039

 

 

Nos últimos anos houve um crescimento no nível educacional dos surdos. Atualmente, o Censo da Educação Superior[3] aponta que temos milhares de surdosmatriculados nas instituições de ensino superior no Brasil.

Essa nova realidade aponta uma demanda uma formação dos professores e uma preparação da universidade para receber esses alunos. A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007) a partir dos direitos humanos e do conceito de cidadania a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão.

Fazem parte do público atendidos pela Educação Especial, os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superlotação. Problematiza-se, nesse sentido, conceitos e concepções acerca do acesso, integração e inclusão dessas pessoas.

No Brasil, o Programa de Acessibilidade na Educação Superior propõe ações que garantem acesso pleno de pessoas com deficiência às universidades. Nesse sentido, as políticas de Educação Especial no Brasil buscam assegurar a inclusão de todos os alunos nas instituições educacionais, em todos os níveis de ensino. O país tinha, em 2016, 29.034 alunos com alguma deficiênciamatriculados no ensino superior; sendo: 1.488 alunos surdos (5,13% do total), 7.037 deficientes auditivos (24,24% do total) e 151 alunos surdocegos (0,52% do total).

Esse ensaioproblematiza o ingresso e a inclusão de estudantes universitários, surdos, acadêmicos que, no decorrer da sua formação acadêmica tem o direito a usufruir das contribuições desses programas? A questão que se coloca é se esses alunos estão efetivamente incluídos na educação superior?  Ainda há barreiras que dificultam sua permanência?

Compomos, assim, um corpo teórico, desenvolvido na revisão de bibliografia, que trata de questões referentes às contradições que envolvem o trabalho desenvolvido pelo ensino superior no Brasil, cotejado com os documentos oficiais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e com a legislação, considerados como corpus para a constituição de um arcabouço que nos permita realizar uma interpretação que parta do macro para o micro espaço; e deste, de volta, para o macro (GAMBOA, 2007).

Em alguns desses documentos os alunos surdos expressam o questionamento acercado processo de inclusão dos alunos surdos na universidade. Os alunos surdos apontam dificuldades relacionadas à didática dos professores, dificuldade de produção e interpretação textual de gêneros secundários, falta de intérpretes. Ou seja, eles não se sentem capazes de atender a demanda de letramento que se espera dos universitários. Acrescentese que os alunos referem que os professores não estão preparados para terem alunos surdos.

Vemos que, apesar de termos leis que garantam a acessibilidade dos deficientes no ensino superior, há uma distância entre a teoria e a prática. Acreditase, contudo, que essa distância é devido à entrada ainda recente dos surdos na universidade. Os professores precisam de formação sobre como lidar com essa nova realidade da universidade e os alunos precisam de maiores ações para que possam solucionar suas dificuldades. Só a partir dessas mudanças poderemos alcançar uma inclusão realmente efetiva na universidade.

Com relação às políticas educacionais no contexto da surdez, temos no Brasil uma modificação no sistema educacional a partir da oficialização da Libras (Lei n° 10.436/2002, BRASIL, 2002). O Decreto n° 5.626/2005 (BRASIL, 2005) determina: a inclusão da Libras como disciplina curricular obrigatória em cursos de formação de professores e fonoaudiólogos; a formação de professor e instrutor de Libras; o uso e a difusão da Libras e da língua portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação; a formação do tradutor e intérprete de Libras Língua Portuguesa; a garantia da inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de escolas e classes de educação bilíngue.

O artigo 24 afirma que a programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação com janela com tradutor e intérprete de Libras Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas.

Temos também a Lei n° 12.319/2010 (BRASIL, 2010), que regulamentou a profissão de tradutor e intérprete de Libras e o Decreto n° 7.611 (BRASIL, 2011), especificou o atendimento às diretrizes e os princípios dispostos no Decreto n° 5.626/2005 (BRASIL, 2005).

Com intuito de viabilizar o acesso e a permanência estudantil de escolares com perda auditiva e não sinalizantes foi instituída também a Portaria n° 21/2013 (BRASIL, 2013b), que tornou pública a decisão de incorporar o Sistema de Frequência Modulada (FM) ao Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, a concessão desse sistema ocorre apenas na educação básica, como regulamenta a Portaria n° 1.274/2013 (BRASIL, 2013c). O Sistema FM funciona como um cabo invisível (por meio das ondas de radiofrequência) conectando o microfone que fica com o interlocutor/professor ao aparelho de amplificação sonora individual (AASI) do deficiente auditivo. 

A discussão proposta no presente texto visa analisar o processo de inclusão do estudantesurdo na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), contribuindo paraentendimento sobre a inclusão dos surdos no Ensino Superior, com suas possibilidades edesafios.

Tal proposição se justifica pela pretensão de colaborar com a educação inclusiva dos surdos, a partir da reflexão sobre a história dos sujeitos e de seus processos de escolarização, além da importância de discutir o papel dos profissionais envolvidos no processo de educação de surdos e sobre como essa educação vem se efetivando na prática, ressaltando o entendimento do quanto é importante respeitar e valorizar a língua e cultura do povo surdo.

A trajetória social das pessoas surdas sempre esteve dialeticamente implicada com aconcepção de homem e de cidadania ao longo do tempo. A rigor a história da educação desurdos no Brasil é um pequeno capítulo da longa história em todo o mundo. Nas últimas décadas temos acompanhados avanços no campo das políticas de inclusão.

O Brasil acordou com um sistema educacional inclusivo, afirmado em acordos internacionais, como: Declaração Mundial da Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, em 1990;Declaração de Salamanca, Espanha, em 1994 e a Convenção de Guatemala, 1999; que passaramfortemente a influenciar na formulação de políticas afirmativas que garantissem propostaseducacionais que reconhecessem e ofertassem ações públicas à diversidade, de fatosreafirmados na Constituição Federal do Brasil de 1988.

Desde final de 2003, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) passa a propor umasérie de programas e ações para implantação de uma política de Educação Inclusiva. Em 2008foi divulgado o documento Política de Educação Especial na Perspectiva da EducaçãoInclusiva, no qual o atendimento educacional especializado é proposto para apoiar o aluno quefrequenta o ensino comum, de forma complementar ou suplementar.

No campo do Ensino Superior, de acordo com as diretrizes da Política Nacional deEducação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, a transversalidade da EducaçãoEspecial no ensino superior se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, apermanência e a participação dos alunos.

 A LDB 9394/96 prevê no seu art. 12, inciso I, que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Este preceito legal está sustentado na ideia de que a escola deve assumir o trabalho de refletir sobre sua intencionalidade educativa e ter a consciência, por parte de sua comunidade, da necessidade de aperfeiçoamento e aprofundamento do planejamento do processo de ensino, pesquisa, extensão e gestão consciente das responsabilidades e compromissos assumidos com a implementação do compromisso com a luta por uma sociedade justa e inclusiva.

Assim, é indispensável compreender quais os avanços e desafios da educação inclusiva, especificamente no contexto da surdez para que se possa conhecer a realidade atual destamodalidade de ensino, avaliando seus resultados e impactos até agora obtidos e definirestratégias voltadas para a melhoria constante do processo ensino-aprendizagem dos alunossurdos.

Ao investigar as práticas, questionamentos, inquietações, avanços e desafios dos estudantes e dos professores, o estudo espera contribuir para traçar um panorama demonstrativodo referido tema, contribuindo para o desenvolvimento de práticas voltadas ao seu constanteaperfeiçoamento e para uma maior compreensão de professores, pais e alunos de licenciaturaquanto à importância deste tema na vida escolar dos alunos.

Assim, o estudo busca contribuir para o desenvolvimento da educação inclusiva dealunos surdos no Ensino Superior à medida que reflete sobre sua dimensão e aponta para asdemandas que ainda necessitam ser vencidas, buscando assim uma maior efetividade esem desconsiderar os avanços significativos alcançados nocampo da educação de pessoas surdas, algumas mudanças educacionais são necessárias paraque o sujeito surdo possa ser reconhecido tanto no ambiente escolar quanto na sociedade emgeral e tenha a oportunidade de desenvolver-se integralmente.

É fundamental que a instituiçãode educação superior e aprópria sociedade mudem sua concepção de surdez e passem a valorizar os surdos pelos seustalentos e não por aquilo que lhes falta. Também é importante que as instituições de ensinocumpram com suas funções sociais e políticas de educação e comprometam-se com a formaçãode cidadãos participativos, responsáveis e críticos, independente das particularidades de cadapessoa.

Assim, avançar com a educação inclusiva nas instituições de Ensino Superior, necessita a compreensão e a conscientização da sociedadede que essa prática se baseia naaceitação das diferenças individuais, na valorização de cada pessoa e na aprendizagem por meioda cooperação. Portanto, a Universidade precisa rever seu papel, seu currículo, suas concepções. Istonão deve ser uma imposição, mas sim o resultado da transformação do ensino.

Também é ressaltada a importância de um espaço de educação bilíngue onde a Libras deva ser valorizada como primeira língua dos surdos, tendo neste espaço a existência de uma práticapedagógica que atenda às reais necessidades dos alunos, por meio de didáticas visuais. Nesse ínterim, respeitar as diferenças linguísticas é um primeiro passo para o desenvolvimento pleno doeducando surdo.

O ideal seria a implementação de uma Universidade bilíngue onde professores fossem bilíngues e os alunos se tornassem bilíngues (Libras/Língua Portuguesa), assim, a interaçãoprofessor-aluno não sofreria com as barreiras da comunicação. Ademais, a falta de compreensãodos nortes educacionais e da importância da cultura surda, faz com que os surdos cheguem aoEnsino Superior como que analfabetos funcionais.

REFERÊNCIAS:

GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologia. 2.ed. Chapecó: Argos, 2007.

Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1990.

________. Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental. Lei n° 9394/96. LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

 ________. Ministério da Educação. Parecer nº36/2001. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília, 2001.

________. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Brasília, 2001b.

________. Ministério da Justiça. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1998.



[1] Acadêmico do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Montes Claros

[2]Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

[3]O Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Inep, é o instrumento de pesquisa mais completo do Brasil sobre as Instituições de Educação Superior (IES) que ofertam cursos de graduação e sequência de formação específica, além de seus alunos e docentes.