ENTREVISTA

O MAR ME FISGOU: o começo e o recomeço da mergulhadora Mariana

THE SEA CATCH ME: the beginning and the restart of Mariana diver

EL MAR ME TUVO: el principio y el comienzo de la buzo Mariana

Bárbara Edir Rodrigues Peres Nunes Descrição: download Descrição: Lattes

Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF – Campus Governador Valadares

E-mail: barbaraediir@icloud.com

 

Igor Maciel da Silva Descrição: download Descrição: Lattes

Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF – Campus Governador Valadares

E-mail: professorigormaciel@gmail.com

 

Data de Submissão: 30/12/2021 Data de Publicação:23/02/2022

Como citar: NUNES, B. E. R. P.; SILVA,I. M.. O MAR ME FISGOU: o começo e o recomeço da mergulhadora MarianaRevista Eletrônica Nacional de Educação Física, v. 13, n. 19, jul. 2022.

https://doi.org/10.46551/rn2022131900055

 

RESUMO

Apresentamos nesta entrevista a trajetória de Mariana Hagemann Martello no mergulho em águas salgadas. A metodologia adotada foi a História Oral. A entrevista aconteceu em 2 de dezembro de 2021, entre 19 e 20:30 horas, em uma sala virtual do Google Meet. Como considerações apresentamos os seguintes pontos: 1. Narrativas sobre a trajetória de mulheres em práticas corporais e esportes diversificados ainda são pouco comuns nas investigações da Educação Física. 2. Ainda que existam pesquisas sobre mulheres em diferentes práticas corporais e esportivas, é necessário que a categoria mulher seja entendida cada vez mais como plural, não somente pelos aspectos interseccionais, mas também no que diz respeito a viver com ou sem deficiência. 3. Faz-se necessário pensar sobre a acessibilidade no mergulho no que tange ao aspecto monetário – valores dos equipamentos, cursos e prática recreativa. 4. É urgente que a classe de mergulhadores e mergulhadoras conquistem Direitos Trabalhistas ainda não alcançados. 5. A Educação Física precisa dar visibilidade às práticas corporais e esportivas diversificadas em seus Currículos e do mercado de trabalho que as envolve, e do mesmo modo, fomentar as oportunidades profissionais e reconhecimento das mulheres nessas práticas.

Palavras-chave: Mulher. Mergulho. Esportes diversificados. Pessoa com deficiência. História Oral. Educação Física.

 

ABSTRACT

In this interview, we present the trajectory of Mariana Hagemann Martello in saltwater diving. The methodology adopted was Oral History. The interview took place on December 2, 2021, between 7 pm and 8:30 pm, in a virtual room on Google Meet. As considerations, we present the following points: 1. Narratives about the trajectory of women in bodily practices and diversified sports are still uncommon in Physical Education investigations. 2. Although there is research on women in different physical and sports practices, it is necessary that the category of women is increasingly understood as plural, not only in terms of intersectional aspects, but also with regard to living with or without a disability. 3. It is necessary to think about accessibility in diving with regard to the monetary aspect – values of equipment, courses and recreational practice. 4. It is urgent that the class of divers achieve Labor Rights not yet achieved. 5. Physical Education needs to give visibility to diversified bodily and sports practices in its curriculum and in the job market that involves them, and in the same way, foster professional opportunities and recognition of women in these practices.

Keywords: Woman. Diving. Diversified sports. Disabled person. Oral History. Physical Education.

 

RESUMEN

Presentamos en esta entrevista la trayectoria de Mariana Hagemann Martello en el buceo de agua salada. La metodología adoptada fue la Historia Oral. La entrevista se realizó el 2 de diciembre de 2021, entre las 19:00 y las 20:30 horas, en una sala virtual de Google Meet. Como consideraciones, presentamos los siguientes puntos: 1. Las narrativas sobre la trayectoria de las mujeres en las prácticas corporales y deportes diversificados aún son poco frecuentes en las investigaciones en Educación Física. 2. Si bien existen investigaciones sobre la mujer en diferentes prácticas físicas y deportivas, es necesario que la categoría mujer sea entendida cada vez más como plural, no sólo por aspectos interseccionales, sino también en lo que se refiere a vivir con o sin discapacidad. 3. Es necesario pensar en la accesibilidad en el buceo en términos del aspecto monetario – valores de equipos, cursos y práctica recreativa. 4. Urge que la clase de buzos y buzos conquiste Derechos Laborales aún no logrados. 5. La Educación Física necesita dar visibilidad a las prácticas corporales y deportivas diversificadas en sus planes de estudio y en el mercado de trabajo que las involucra, y del mismo modo, promover la salida profesional y el reconocimiento de las mujeres en estas prácticas.

 

Palabras clave: Mujer. Buceo. Diversos deportes. Persona discapacitada. Historia oral. Educación Física.

 

INTRODUÇÃO

O mergulho é o começo de tudo

Dizer que todas as práticas corporais e esportivas são também das mulheres e da diversidade que forma o grupo mulher é uma afirmação. Nesse mesmo sentido, entender que a água sempre foi o palco de muitas vitórias das mulheres brasileiras também. Citamos Maria Lenk – a primeira mulher representante do país em uma edição dos Jogos Olímpicos no ano de 1932 – e o exemplo mais recente de Ana Marcela Jesus Soares da Cunha – medalha de ouro na maratona aquática de 10 km nos Jogos Olímpicos de Tóquio na edição de 2020. Contudo, ainda que as temáticas das narrativas científicas direcionam cada vez mais o interesse para combater os silenciamentos e apagamentos das mulheres nas práticas corporais e esportivas, em muitas dessas modalidades ainda encontramos fragmentos e não totalidades. Em outras palavras, a participação das mulheres em muitas práticas ainda precisam ser de interesse das produções científicas da Educação Física e de suas interfaces.

Nas práticas corporais e esportivas diversificadas – as quais, na perspectiva dos autores, podem incluir as práticas corporais de aventura, os esportes radicais e outras que não são comumente contempladas pelos Currículos da Educação Física – a trajetória das mulheres precisa ser investigada. Por isso, a partir da metodologia História Oral, entrevistamos mais uma heroína das águas que merece reconhecimento: Mariana Hagemann Martello. Bióloga marinha formada pela Universidade da Região de Joinville, instrutora de mergulho e fotógrafa, que a partir de um acidente quando trabalhava no mar se tornou uma Pessoa Com Deficiência (PCD) e não desistiu do mar, pelo contrário: recomeçou.

A entrevista aconteceu em 2 de dezembro de 2021, entre 19 e 20:30 horas, em uma sala virtual do Google Meet, roteirizada, conduzida, transcrita e com a conferência final realizada pelos autores supracitados, os quais serão identificados no decorrer da transcrição pelas respectivas letras iniciais de seus nomes: B (Bárbara) e I (Igor). A sua publicação foi autorizada pela entrevistada, identificada pela inicial de seu nome, letra M (Mariana). Acrescenta-se a isso que a entrevista passou por revisão ortográfica, entretanto alguns termos e expressões foram mantidos para a valorização da identidade da entrevistada e as intervenções necessárias foram apresentadas entre colchetes.

O mar me fisgou

B: Obrigada por aceitar contribuir com a entrevista. Vamos iniciar. Você pode começar se apresentando, falando o seu nome, a sua idade, onde você nasceu, onde você reside hoje, qual é a sua formação e profissão atual.

M: Eu sou a Mari, Mariana, tenho 27 anos, nasci em Floripa [Santa Catarina, Brasil] e estou morando em Floripa no momento, mas dei umas voltas pelo Brasil e pelo mundo aí nesse meio tempo. Sou formada em Biologia marinha, mas trabalho como instrutora de mergulho. Agora estou começando a estudar outras coisas, mas o mergulho é o começo de tudo.

B: A modalidade que você pratica hoje é o mergulho?

M: Isso, o mergulho autônomo.

B: O que te levou a iniciar essa prática?

M: Então, essa é uma pergunta capciosa, né? Porque a gente não escolhe o caminho da vida em que a gente está. Não teve um momento, foram uma série de momentos. Eu cresci na praia, sempre tive o mar ali pertinho, mas não achei que eu ia conseguir ganhar a vida com o mar, só pensava: ou pesca ou outra coisa. Quando fui me inscrever no vestibular, eu fui me inscrever em Design, alguma coisa assim, quando eu cliquei na setinha [do mouse do computador] para baixo, para ir procurar isso, eu encontrei a Biologia Marinha. Aí praticamente anulou tudo o que eu tinha planejado, pois eu descobri que poderia ser bióloga marinha e eu me joguei de cabeça, e na faculdade eu conheci o mergulho. Durante o mestrado eu percebi que o que eu queria do mar mesmo era o mergulho, e não trabalhar com a Academia e pesquisa.

B: O seu primeiro contato com o mergulho foi na faculdade?

M: Foi. Foi no meu primeiro ano de faculdade. Eu fiz um curso de mergulho básico – depois eu explico como funciona a carreira – eu fui fazer o curso, fiz o meu primeiro mergulho e eu odiei, nossa, eu odiei. Saí da água pensando: eu não volto nunca mais. Tanto que eu demorei um ano para terminar um curso que era de só dois dias na água. Eu odiei, odiei. Passou um tempo, a vida foi acontecendo e acabei voltando para a água meio “assim”, e começou a dar certo. Ai eu apaixonei né, o mar me fisgou.

B: Hoje você é instrutora de mergulho em Floripa?

M: Sim, estou trabalhando em Floripa agora.

B: Quais foram as pessoas que te incentivaram, que foram importantes para a sua entrada e permanência no mergulho?

M: Então, eu falei ali que fiz o meu primeiro mergulho na faculdade. Isso aconteceu porque eu comecei a namorar um homem que mergulhava. Eu ganhei o curso de presente. Na época eu achei que tinha sido um “presente de grego”, porque eu realmente não gostei. Mas eu voltei porque eu acabei conhecendo outras pessoas depois que foram me levando para a água. Mergulho é uma coisa muito cara, então é muito inacessível, a menos que alguém te estenda a mão, vamos dizer assim. Eu tive muita sorte porque fui conhecendo muitas pessoas bacanas, e eu consegui trocar curso [de mergulho] por trabalho.

I: Mariana, isso que você falou tem a ver com a próxima pergunta que quer saber quais os recursos precisou ter para desempenhar a prática, o curso inicial, a formação, se foi patrocínio. Dentro disso eu queria perguntar o ano que você começou, se você lembra do valor que foi o curso, mesmo que você não tenha custeado, pra gente ter uma noção do valor que foi ou do valor que é atualmente.

M: Meu primeiro mergulho foi em 2012. Para chegar do “nunca entrei na água” para ser um instrutor de mergulho, tem uma série de cursos que deve-se fazer. Antes dos cursos, existe uma experiência de mergulho, que é quando a pessoa sem nenhum curso e nada, vai lá e faz um mergulho. É um mergulho em que o instrutor fica responsável por todo o equipamento dela, tem uma aula teórica, mas você sai da água e não é mergulhador, você foi batizado, é assim que a gente chama. Esse mergulho custa em torno de 300 reais. Depois dessa experiência, que não é obrigatória, tem o curso básico, que se você gostou e quer mergulhar sem alguém te segurando pelas costas, aprender a mexer em equipamento, sobre Física, Biologia, Fisiologia e afins, você faz o curso básico. São quatro dias, tem um dia de teoria, um dia de piscina onde se aprende o básico debaixo da água na piscina mesmo, e depois a gente tem dois dias de mergulho, que são quatro mergulhos chamados de checkout. Esse curso te permite mergulhar em qualquer lugar do mundo até 18 metros em condições semelhantes às do curso. Esse, eu ministrando, está 1.500 [reais], o básico. No curso está tudo que você precisa incluso, até porque o equipamento para você ter é supercaro, bem caro mesmo. Acho que para montar um equipamento bom você gasta uns 10.000 reais, com tudo. O curso avançado, que seria a continuidade na carreira, que te permite ir um pouco mais fundo (até 30 metros) com outras especialidades (como navegação, noturno, profundo, entre outros...), ele está em torno de 1.700 reais. Depois tem os Primeiros Socorros e Rescue que custa uns 1.000 reais, cada um. Tem lugares que ainda é muito mais caro – estou falando dos meus preços. Depois tem o Divemaster, que seria o primeiro curso que permite trabalhar na água (dando batismo – aquela primeira experiência em mergulho, lembra?) tem lugar que cobra 13.000 reais. Varia de 3 a 13.000 [reais]. O curso de instrutor eu não tenho certeza porque troquei por “trampo” [trabalho] faz um tempo também. E toda vez que você quiser ir mergulhar, se não tiver um barco e todo o equipamento você paga uma média de 350 reais (isso aqui no Sul). Então, mergulho no geral é supercaro. Mas no mergulho, e da minha experiência, eu sei que muita gente troca trabalho por curso. Então, para a galera que é fissurada na água, mostra talento e dedicação, o pessoal adota. Eu paguei, eu acho, o meu curso avançado e o de Primeiros Socorros. Os demais eu fui trocando por trabalho em operadoras, aí você faz de tudo: vai de caixa, faz apoio de superfície, atendimento, o que quer que seja. E por um certo período eles vão te liberando os cursos. Isso é até comum de ser feito, mas exige que você tenha uma renda extra para se manter nesse tempo e humildade para fazer de tudo.

B: Quais os equipamentos necessários para poder mergulhar?

M: Normalmente compramos primeiro o kit básico, que é uma boa máscara de mergulho, uma roupa apropriada e uma nadadeira, esse é o básico do básico. E aí começamos com os equipamentos de scuba: usamos um colete equilibrador que é conectado no cilindro de ar comprimido e com ele conseguimos manter e equilibrar a nossa flutuabilidade lá embaixo. Tem os reguladores que permitem que a gente respire no fundo do mar, tem um principal e um reserva. Um manômetro, que é como se fosse um medidor de combustível, que diz quanto ar ainda tem no cilindro. Uma mangueira de baixa pressão que liga no colete para liberar o ar dentro dele. Esses equipamentos são conectados no cilindro pelo primeiro estágio, que reduz uma boa parte da pressão do cilindro que vai para o nosso equipamento. Um computador de mergulho, que é essencial para trabalhar com mergulho, pois ele vai dizendo o tempo que a gente está debaixo da água, a profundidade, vai calculando quanto tempo pode ficar, se tem que fazer parada de segurança e afins, porque a gente absorve muito Nitrogênio. O mergulho é muito pesado para o corpo. Tudo isso é uns 10.000 reais, fácil.

I: No seu dia a dia, você percebe que as pessoas que fazem aula com você é porque querem se tornar mergulhadores/mergulhadoras ou é por Lazer? Porque foi e gostou, ou nunca mais voltam, mesmo que façam os quatro dias de curso, mas fazem porque estavam curiosos e depois vão embora, ou não?

M: Lazer! Tem de tudo, gente que foi batizada e quis virar mergulhador para poder ir para a água com mais independência. É muito comum também ter gente se preparando para uma viagem. Por exemplo, a pessoa vai para [Fernando de] Noronha, ela sabe que lá a água é azul e que tem mergulho, por isso vem atrás do curso. Pelo menos aqui em Floripa que água é meio “duvidosa”, muita gente vem aqui para fazer o curso para se preparar para uma viagem, porque depois que se torna mergulhador qualquer viagem que você faz, você faz pensando no mar, é incrível. Não importa aonde você for, você vai ver onde você vai mergulhar. Então, é um pouco da galera que quer aproveitar o mar, mas a Lazer, Lazer total. De vez em quando aparece um que se apaixona, e aí quer seguir carreira.

I: Sim, tipo você assim, né? [risos]. Mas por exemplo, se eu fizer o curso hoje com você para ir para Noronha, chegando lá eles vão me pedir algum certificado, alguma coisa assim, ou não? Chego e já posso entrar na água?

M: O curso te dá uma credencial de mergulhador. Quanto mais cursos você faz, do básico ao avançado, você vai mais fundo (até um limite, né?), você mergulha em condições diferentes, tem toda essa especialização. Completando o básico, você ganha uma carteirinha que diz que você pode mergulhar até 18 metros de profundidade em condições semelhantes às da qual você foi treinado, em qualquer lugar do mundo. Qualquer lugar que você quiser ir mergulhar é obrigatório: você tem que mostrar a sua carteirinha de credenciada.

I: E tem uma atualização, ou não? Eu fiz uma vez, acabou, nunca mais?

M: Então, teoricamente não. Mas, eu nunca vi alguém mergulhar depois de muito tempo sem mergulhar não. Geralmente a pessoa fala que faz um tempo que não cai na água e a gente dá um curso que se chama Refresher, que é como se fosse um dia para lembrar ela de tudo, porque são vários detalhezinhos, tem bastante teoria envolvida. Mas mergulhando umas duas vezes por ano, você consegue até se manter bem.

B: Você teve alguma dificuldade tanto na entrada quanto na permanência no mergulho?

M: Olha, o mergulho não paga bem. Não paga bem nem um pouco. É uma coisa que destrói muito o corpo, tirando acidentes e tal. Só no mergulho em si, você pega muito Sol, a pressão é péssima para os ouvidos, você acaba se judiando muito. Eu estou sempre cheia de roxo, a pele queimada, cabelo detonado, unhas moles, machucados que nunca saram... É muito difícil, a galera tem que se aposentar muito mais cedo. Não tem piso salarial, sabe? A maioria das operadoras não assinam nem a Carteira [de Trabalho]. Você ganha ali uns 2.000 e trabalha muito. É aquele negócio de “mergulho por amor”, sabe? Trabalho com isso porque eu amo muito. Então é isso, sempre foi superdifícil, e eu sempre me dei bem, mas sempre trabalhei muito. Consegui como instrutora, dando curso e fazendo outros trabalhos na área para complementar a renda. Se dedicando, você consegue ganhar um pouquinho mais. Mas eu acho que a maior dificuldade na profissão mesmo é que ela é muito pouco reconhecida, é aquele negócio, por exemplo, todo mundo quer ir para [Fernando de] Noronha, e a galera que contrata lá pensa que tem que trabalhar por pouco, porque nossa, está te deixando trabalhar com mergulho no “paraíso”, e em vários outros lugares pensam assim. Então o mergulho é uma coisa que paga relativamente pouco e trabalha demais.

I: Vocês têm um Conselho Profissional para registrar a profissão?

M: Nada, não tem nada. A galera do mergulho é muito unida. A gente conversa, todo mundo se conhece, é aquela rede que todo mundo se conhece. Se você conhece alguém que trabalha com mergulho, você acaba conhecendo todo mundo. Então, por causa que a gente conversa, por causa de tudo, a gente consegue um meio de manter as coisas iguais, tem um respeito grande. Aqui em Floripa, todas as operadoras cobram preços similares, se alguém aumenta, todo mundo meio que aumenta e tem uma conversa, existe essa noção. Mas fora isso…nada.

B: Hoje você vive só do mergulho ou tem outra profissão?

M: Atualmente eu estou nesse período pós-acidente. Então eu estou trabalhando com o mergulho também, mas minha renda não vem mais só disso. Eu montei uma lojinha de acessórios que tem as bandanas, que se chama VentoSuli[1], porque depois do acidente eu tive que aprender a ganhar dinheiro de outra forma, aí eu fui costurar.

B: Teve uma época que você estava trabalhando com fotografia, parou?

M: Não, eu ainda tenho um projeto de fotografia de PCD, que é o primeiro projeto cem por cento feito com Pessoas Com Deficiência, e aí tiro umas fotos para me divertir também. Eu gostaria de trabalhar com isso também, mas por enquanto estou focada em mergulho, VentoSuli e nos meus estudos.

B: Qual é a história mais marcante da sua trajetória no mergulho?

M: Acho que aí né, bem óbvio [risos]. Acho que foi o acidente que eu sofri em [Fernando de] Noronha. Foi uma coisa bem negativa. Mas o dia em si estava lindo, eu tinha feito dois mergulhos incríveis de manhã, tinha um tubarão-baleia na água, mas eu acho que o dia do meu acidente, eu perder a nadadeira esquerda na água foi “brabo” o negócio. Mas depois teve o dia que eu fui para a água pela primeira vez depois do acidente, eu voltei… Eu não sei Igor, se a Bárbara chegou a te contar um pouquinho sobre a minha história.

I: Ela contou de um acidente que você teve com o barco, né?

M: Então rapaz, estava trabalhando lá em [Fernando de] Noronha, aí tive que voltar, na cadeira de rodas. E aí rolou todo aquele negócio e pensei: nossa, não vou mais conseguir trabalhar com mergulho; gente eu não sei fazer mais nada. Eu tenho muitos amigos aqui em Floripa, eu trabalhava em uma operadora daqui chamada FloripaDive, fui visitar eles e eles disseram: “não… vamos para a água”. Eu falei: gente não consigo.... Aí a gente foi para água nesse primeiro dia, botei os equipamentos, caí na água. A água estava horrível, já estava acostumada com a água de Noronha e estava em uma água que parecia um chimarrão, fria. Aí eu caí e fui para o fundo e não conseguia sair do lugar. Eu não tinha entendido como meu corpo estava funcionando sem uma nadadeira, né. Aí, eu juro para você, caí na água e fui para o fundo e fiquei lá, eu não conseguia ir para lugar nenhum, mudou toda a dinâmica de como eu me mantinha embaixo da água, a forma como eu batia a perna, o peso que usava de lastro, aí eu comecei a chorar embaixo da água. Subi no barco chorando, tipo, acabou a vida assim. Os “moleques”: “não, calma, respira, a gente vai dar um jeito, para, que isso?”. Eu achei que tipo, já era, no more mergulho. Mas daí né, viciada” que sou, daqui a pouquinho, eles disseram: “Mari, vamos de novo?”. Eu: vamos né, finge que eu não fiz todo aquele drama. Aí a gente criou algumas adaptações. Eles foram muito legais, eu falei que tenho muitos anjos na vida, eles me ajudaram muito na adaptação de volta à água. Como em coisas pequenas, por exemplo, por eu não ter mais as duas perninhas, eu não conseguia mais ficar neutra, como é uma perna só, ela flutua um pouco mais embaixo da água do que antes. Eles pegaram e fizeram uma tornozeleira de chumbo para mim que pesa umas 700 gramas, quase 1 quilo, aí eu coloco e ela me deixa estável – neutra. Hoje em dia eu já nem preciso mais dela, mas ainda gosto de usar. Então, são várias pequenas coisinhas que eu fui aprendendo. Eu já estava achando que eu não ia trabalhar mais, pensei: não vou conseguir mais trabalhar com mergulho… E aí rolou um curso e um desses amigos, o André, para quem eu trabalhava antes do acidente, falou: “Mari, tem três alunos aqui para ti”. Aí eu falei: bah! Não sei se eu vou pegar, né? Não sei se eu to pronta. Não sei o quê. Puts! O que eles vão achar de ter aula com alguém que não tem perna? Quem que vai querer estudar comigo? Toda essa crise aí que veio junto com o acidente. Aí ele: “não! Para de ser doida, vai, vai dar o curso”. Eu fui lá e dei o curso e deu super certo, não tive problema nenhum, saiu todo mundo do curso feliz, todos aprovados. Depois disso eu fiquei: olha, que bom, dar curso eu consigo. E aí eu fui levar o meu namorado para mergulhar, ele não mergulhava ainda. Ele foi ser batizado, que é esse mergulho em que o instrutor fica te segurando ao longo de todo o mergulho, e esse eu achei que eu não ia conseguir fazer também, tanto que a gente levou ele e era para os meninos batizá-lo. Mas na hora em que a gente entrou na água, eu estava montando o equipamento dele, eu fiquei: não, ninguém vai batizar o meu namorado, né? Vou batizar ele gente, mas que absurdo, vou dar um jeito, vai dar boa. Peguei ele, afundei ele e deu certo. Foi perfeito? Não foi, mas foi melhorando. Agora eu já batizo normalmente. Fui entendendo como é que funciona e fui me adaptando a altura, teve todo esse processo cercado de gente boa.

I: Então, depois do ocorrido já aconteceram aí duas histórias marcantes, né? Que é o retorno e o batismo!

M: Sim. Eu já formei uns quinze alunos desde o acidente, subindo. Já batizei uma galera e agora já troquei de operadora e estou trabalhando em outro lugar. Então, eu já estou a mil por hora de novo.

I: Uma curiosidade: e tubarão? Eu ficaria com medo, sabe?

M: Então, todo mundo fala isso, mas eu não tenho essa pira. O ambiente é deles, se você respeitar você é respeitado. Em Noronha eu pirava toda vez que eu via eles. Eu tenho até umas selfies com tubarões. Eu acho que são os reis do mares mesmo e eles não estão nem aí pra gente. Até porque “mergulhador eles não comem porque dá gases, entendeu?” [risos].

I: Essa foi boa! Essa é uma piada da área, né? Porque pra gente entender [risos].

M: É uma piada da área!

I: Mas tem mais piadas da área assim?

M: Tem várias. Tem várias. Vem fazer o curso comigo porque eu sou a “rainha das piadas ruins”.

I: Pois é, pode deixar que a gente vai, né, Bárbara?

B:Vamos, com certeza.

I: Pois é, a gente tem que aproveitar as oportunidades de estar em lugares assim. Porque em Minas Gerais não tem mar.

M: Mas Minas tem mergulho, eu já mergulhei em Minas Gerais.

I: Aonde aqui?

M: Nas cavernas, lá em Mariana [Minas Gerais, Brasil].

B: Em Mariana?

I: Em Mariana tem mergulho?

M: Em Mariana tem as “Minas da Passagem”.

I: Mina da Passagem [Mina de Ouro da Passagem].

M: É, eu sei que você entra em um carrinho, entra em um buraco na terra e eles fazem mergulho lá dentro. Foi um dos mais legais que eu já fiz. Você faz dentro das cavernas.

I: Gente, eu não sabia disso!

B: Eu também não, que legal!

I: E a minha família é toda de Mariana, mas na Mina eu nunca fui.

M: Então, é aquele negócio que a gente falou de começar leve, porque se você acabou de começar no mergulho não recomendo se enfiar dentro de uma caverna, noventa metros abaixo do nível do mar aqui, no escuro, com uma lanterna, sabendo que não tem pra cima para você respirar eu já não aconselho muito, né? Acredito que nem tenha curso básico por lá. Mas quando você tem uma experiência e já fica tranquilo na água eu recomendo, é bem bacana.

I: Eu fazia cavernismo e uma vez a gente foi em uma caverna em São Thomé das Letras, uma cidade aqui de Minas Gerais que tem muitas cachoeiras, a gente entrou na caverna, tinha água que vinha no meu peito, e o pessoal todo tirando a blusa para entrar, tirando sapato. Falei: gente, eu vou entrar com a minha bota, ela vai estragar, porque depois tem uma pessoa que veio aí (e a gente sem lanterna), depois tem uma pessoa que veio aí e deixou um vidro aqui dentro, a gente pisa e se machuca, porque isso pode acontecer infelizmente. Aí eu entrei. Eu lembro que nessa noite todo mundo foi para a fogueira que eles fizeram para ver o pôr do Sol e eu não fui. Meu calçado molhado, eu falei: como é que eu vou na fogueira de sapato molhado, é pneumonia na certa, né? Mas bom saber que em Mariana tem mergulho, porque às vezes o dia que eu for para lá eu vou conhecer a Mina, porque eu nunca fui.

M: Sim. Eu fiz um mergulho lá a muito tempo atrás, eu amei. Mas é que o mergulho na caverna é meio pesado. Tem até um filme que foi famoso um tempo, que eram os mergulhadores em uma caverna, vocês chegaram a ver?

I: Qual?

M: Ah, era um filme em que entram vários mergulhadores em uma caverna para explorar e aí dá ruim, fecha a caverna e morre todo mundo. É tipo assim: “o mergulho que deu ruim”.

B: Esse eu não cheguei a ver não.

I: Também não.

M: Não viu, enfim. Eu achei que todo mundo tinha visto [risos]. Mas é um mergulho um pouco mais tenso mesmo, mas para quem já está de boa é incrível. Eu estou louca para voltar e fazer os cursos também, de caverna.

I: Deve ser lindo. Uma experiência mágica. Mas acho que o mar é muito mais mágico do que uma caverna.

M: Na caverna não tem bicho também, né? Eu sou bióloga, eu sou apaixonada pelos animais, tipo, cem por cento. Mergulho pra mim gira em torno da fauna e da interação que a gente tem sem ser destrutiva de forma alguma com os animais. Na caverna não tem nada disso, mas é doido, é doido, é um tipo diferente de mergulho.

I: Quando a gente pensa em pessoas que vão para o mergulho é como fazer uma trilha que tem a cachoeira no final? Porque muitas pessoas só vão para a trilha porque tem a cachoeira no final. Tem algo que as pessoas que vão mergulhar vão em busca, por exemplo, “eu quero mergulhar porque eu quero ver uma alga diferente, quero ver a tartaruga”... Você sente que as pessoas vão pelo mergulho ou vão pelo que tem dentro do mar?

M: Então rapaz, difícil responder essa. Eu vou falar que aqui em Floripa eu acho que a galera vai pela experiência do mergulho. É uma experiência única! Muda vidas. Uma curiosidade: quando eu estava trabalhando em [Fernando de] Noronha eu percebia que muita gente – porque lá é muita gente com condições financeiras melhores, né? – Muita gente ia lá para tirar foto. Ainda mais que eu trabalhava como fotógrafa e eu via gente que não se importava com a experiência; queria foto – chegava a ser engraçado.

I: Vai pela foto, né?

M: É. Não, e aí, eu acho engraçado também porque a gente tem uma água aqui no Sul que é ruim [para mergulhar]. Vou ser sincera, é uma água mais ou menos. São poucos os dias que a gente tem uma água ótima. Geralmente no nosso mergulho a gente tem de 2 a 5 metros de visibilidade. Visibilidade é o quanto longe a gente consegue ver dentro da água. Então 2 a 5 metros é ok, não vou reclamar que vai que só pego água de 1 metro de visibilidade né? E lá em [Fernando de] Noronha, a pior visibilidade que eu peguei foi de 17 metros. Isso é muito, você vê muito. É muito boa a água de lá. Aí uma coisa é quando a pessoa mergulhou a primeira vez aqui em Floripa e depois ela foi mergulhar lá em [Fernando de] Noronha. Outra é quando acontece o oposto, a pessoa mergulha em alguns desses lugares, tipo na Indonésia, e aí vem mergulhar aqui e saí da água super chateada assim,? Não viu nada”. É um público bem diferente lá e a galera acaba criando como referência de oceano as águas de lá, sem se dar conta do privilégio que é. Eu lembro de um dia em que eu estava trabalhando e uma moça estava sendo batizada, quando subiu no barco começou a chorar de tristeza. Ela estava chateada! Aí eu cheguei e disse: oi moça, tudo bem? Aí ela [chorando]: “eu não vi golfinho!”. Eu parei e disse pra ela assim: moça, você viu tartaruga, você viu tubarão, você viu duas espécies de raias diferentes, e de pertinho assim, sabe? Você está chorando porque você não viu golfinho? Aqui no Sul, para eu ver uma tartaruga, “meu”, demorou quase um ano mergulhando para aparecer a primeira. Raia mesmo, demorei outra “cara”. E a moça viu tudo isso no primeiro mergulho e ela estava chorando porque ela não tinha visto golfinho. Vai muito da cabeça de cada um, né? A gente aproveita da experiência o que a gente quer. Aquela moça não aproveitou grande coisa de um mergulho incrível, então... Vai de pessoa para pessoa. O mar te devolve a energia que você coloca nele.

I: É isso, já estava com a ideia fixa do que queria ver, né?

M: Vê se pode uma coisa dessa? Acontecia também de alguém entrar no barco e vir falar: “você é a fotografa?”. Você fala: sim. Ela diz: “quero várias fotos minhas”. Você fala: beleza. Aí você vai no fundo, tira um monte de fotos dela e a pessoa vai escolher e ela não escolhe as fotos “iradas” dela com o tubarão porque o cabelo ficou desarrumado. Umas coisas muito difíceis de entender.

I: As pessoas querem levar a mesma estética terrena para dentro da água, né?

M: É. Tem gente, tem mulheres que passam batom e até delineador pra ir mergulhar. Aí você chega na operação, dá bom dia para os clientes, e vê a menina passando batom, retocando os cílios, penteando o cabelo... Aí eu olho pra ela e falo: beleza. Às vezes se a pessoa é receptiva até damos um toque, mas no geral não adianta muito falar nada, cada um é cada um.

I: Veio pela foto, né?

M: Daí saí da água e está com a maquiagem borrada.

I: É um outro mercado aí, ter uma maquiadora dentro do barco. Daria dinheiro. Porque aí elas sairiam do mar e iam querer retocar a maquiagem.

B: Quais são as suas perspectivas de futuro no mergulho?

M: Mas daí você vai no coração, né [risos]? Então, eu não sei ainda. Eu estou me adaptando a minha realidade. Mergulho para mim perdeu um pouquinho a graça porque eu quase morri, né? Então a gente fica um pouco, não tem como. Eu ainda tenho bastante trauma na água que eu ainda estou lidando. Aí eu estou vendo. Estou trabalhando com mergulho agora, mas eu estou estudando outras coisas pra eu ter...tipo, se eu escolher ficar no mergulho vai ser porque eu escolho ficar no mergulho, e não porque eu não tive outras opções. Estou tentando, estou estudando [risos]. Se Deus quiser, os diplomas saem [risos]. Responde?!

B: Sim… Outra questão: você percebe que os homens se envolvem mais que as mulheres no mergulho ou o contrário, as mulheres se envolvem mais que os homens, o que você enxerga?

M: Então, acho que isso é uma coisa legal, porque isso aí eu tenho experiência não só como mulher, mas como pessoa com PCD, como mulher PCD no mergulho. É uma atividade bem masculina. Tem muito mais homens do que mulheres. Mas a mulherada está vindo, está vindo com tudo! Nos últimos três anos está surgindo mulher por tudo que é lado. Mas onde eu sempre trabalhei sempre fui a única mulher, tirando em [Fernando de] Noronha. Tem a ideia que tem que carregar muito peso, essas coisas, sabe? Eu não sei porque, mas eu acho que homem acha que se dá melhor, mas as mulheres fazem a mesma coisa. Eu já tive várias situações em que eu estava sentada no barco e o cliente vem e pede pra ser batizado por um homem, sabe? Tipo, “eu posso ir com aquele homem ali”, ao invés de ir comigo, sem nem ter me conhecido. Às vezes ele aponta para alguém que tem bem menos experiência do que eu, sabe? Só porque tem pinto. E tem isso aí assim. Mas nada que você com uma boa conversa, com uma desenvoltura, você não resolva. E aí como uma pessoa com deficiência já foi muito diferente, mas aí é mais uma parada de insegurança minha que revertia mais no começo do que agora. Agora eu não sinto mais tanto isso, mas no começo eu ficava com isso na minha cabeça: “meu”, ninguém vai querer mergulhar comigo. Quem que vai querer mergulhar comigo agora? Não tenho uma perna, sabe? Eu acho que eu transmitia um pouco dessa energia. No começo eu tinha a impressão que ninguém queria mergulhar comigo, sabe? Agora que eu já não ligo, não estou nem aí. Já chego no barco falando besteira, já sento, falo: oh, vem cá. Já não dou opção. Talvez porque eu não dê opção [risos]. Mas eu já não estou sentindo tanto. Já faço uma piadinha para quebrar o gelo, e o negócio flui naturalmente. Hoje em dia sinto que consigo me portar de uma forma que minha deficiência é um plus. Mas é um esporte que exige muito do corpo e a galera espera isso, né? Ainda mais porque a pessoa já vai apavorada para o mar. Tipo: ou não sabe nadar, ou tem algum trauma, ou nunca entrou na água na vida, e aí resolve mergulhar, por isso eu acho que a pessoa mira na pessoa que ela acha que vai ser mais forte, para proteger ela. Mas na água nada disso importa. Na água o negócio é pura experiência, não importa se é maior ou menor, acho que é até pior você ser maior – o negócio é o quão a pessoa se sente à vontade na água, o quanto estudo e experiência ela tem.

I: Mariana, na Educação Física, existia um preconceito, não sei se você já ouviu falar, enquanto pessoa que tem relação com a água, que pessoas negras não podiam nadar porque tinham uma densidade corpórea diferente das demais. Isso você já ouviu falar no mergulho ou não? Porque você tocou nesse assunto de massa corporal, e recentemente saiu uma pesquisa que comprovou que não tem nada disso. Corpos dentro da água são corpos. Mas esse preconceito existia na natação, no mergulho eu não sei. É uma curiosidade.

M: Não. A cor da pele não importa não. O que pega é se a pessoa for muito grande. Se a pessoa for realmente obesa. Por causa que acumula muita gordura nas pernas, as pernas flutuam. Então na água as pessoas tendem a ficar assim [com as pernas mais elevadas em relação ao tronco]. Porque o peso de lastro fica na cintura, por isso, quando a pessoa tem as pernas com muita gordura, as pernas boiam, e isso interfere um pouco no mergulho. Mas fora isso, vai muito mais da pessoa, da calma que a pessoa tem. Às vezes chega alguém magro que você olha e pensa que vai ser tranquilo e embaixo da água a pessoa fica toda dura, acaba sendo muito pior. Tipo, a cara não diz nada. Tem que jogar na água para ver se vai boiar ou se vai afundar.

I: Era uma curiosidade mesmo. Obrigado!

B: Como a sociedade enxerga essa prática, ela é uma prática elitista, ela é só para homens heterossexuais, ela aceita a diversidade, como é a relação com o patrocínio?

M: Eu acho que o negócio do mergulho é que é caro, é muito caro. E não é todo mundo que tem a oportunidade de conhecer o mergulho. Porque imagina, se pra você conhecer o mergulho você já tem que ter uns 300 reais ou algum amigo que mergulha. Então, já te quebra aí, né? Mas aí você vai lá, você gostou, você tem que fazer o curso, 1.500 reais, já é muita grana. Então eu acho que divide muito a galera aí. Tem muita gente no mergulho que não é de família rica nem nada assim, mas [consegue se inserir] é porque foi trocando os cursos por trabalho. Aí é aquele negócio surreal, você tem que fazer um esforço enorme, porque você vai ter que trabalhar no mergulho durante o dia e durante a noite em algum lugar para se manter assim. Rola bastante, mas é muito difícil. É um esporte que demanda muito dinheiro. Os equipamentos você tem que ir trocando de tempos em tempos, você não vai ganhar muito. Então é um esporte, é uma atividade que ficou muito para a galera que tem grana. Ainda mais o pessoal que só mergulha duas vezes por ano – bom, cada vez é 350 reais. Então você e sua mulher vão mergulhar: poxa, já são 700 reais para um mergulho em um dia, né? Não é todo mundo que tem essa grana. Quase ninguém tem essa grana, né? O mergulho é caro. Fora isso, sinto que ele é bem colorido. Tem de tudo na água.

B: Como é o treinamento pré-prática? Você já falou que tem aulas na piscina, mas vocês também fazem uso de academia, a rua etc.?

M: A preparação do mergulhador?

B: Isso.

M: Olha [risos]. Mergulhador geralmente é um povo ou extremamente seco, ou com barriguinha de cerveja com as pernas saradas. Esse é o biótipo do mergulhador. Eu falo porque já estive ali e também já me enquadro um pouco no perfil assim [risos], porque é uma atividade que demanda muito do corpo, é muita energia, você cansa muito, você sai da água “podre”. Eu conheço pouquíssimos mergulhadores que fazem alguma atividade depois, no máximo correm ou pedalam. Um ou outro ainda fazem uma academia de vez em quando. Mas a galera cansa tanto que geralmente só faz isso: só mergulha. E aí, mergulhador gosta muito de tomar cerveja. Eu falo isso, generalismo mesmo, porque é verdade [risos]. Não tem muito preparo não. Eu nunca trabalhei em um lugar em que a galera se alongou antes de entrar na água. No geral a galera tem um cárdio bom, pernas fortes, braços fortes.

B: Eu ia perguntar isso agora. Vocês não fazem nenhuma preparação antes de fazer a adaptação ao meio líquido, não tem nenhum tipo de alongamento, nenhum treinamento antes de ir direto para a água?

M: Para fazer o curso você tem que ter passado por um médico e ele vai te dar um visto que você está ok. Têm várias restrições para o mergulho. Várias. Por exemplo, você não pode mergulhar grávida, porque não tem nenhum estudo do que a pressão vai fazer com o feto; se você tiver rinite, sinusite, já complica um pouco a prática. São várias restrições que você tem, e você cansa muito. Então, você tem que estar com o corpo apto. O mergulho em si é cansativo porque a água é salgada, mexe com a pressão, quanto mais você desce mais comprime o seu corpo, tudo tem um custo…

I: A água em si cansa muito, a exemplo da piscina, imagina você ficar o dia todo no mar?

M: O dia inteiro. Das 8 horas da manhã ao meio-dia, depois das 14 horas às 18 horas embaixo da água. Cheguei a fazer eu acho que 4, 5, 6… 8 mergulhos em um dia já. Mergulhos pesados. Outra coisa: no mergulho a gente aprende que não pode fazer muitos mergulhos por dia, nem mergulhar muito fundo várias vezes, por causa que o nosso corpo absorve parte do Nitrogênio. O ar que tem no cilindro é o mesmo ar que a gente está respirando aqui: Oxigênio e Nitrogênio, e à medida que a gente vai descendo a gente vai absorvendo esses Gases cada vez mais... É pesado para o seu corpo demais e você fica no Sol, tipo, estourou uma pereba do final de semana que eu peguei um “torrão” sem querer na água. Não cicatriza porque cria casquinha e eu já entro na água salgada de novo – nunca sara. A galera do mergulho geralmente não trabalha até uma longa idade, geralmente chegando nos quarenta o pessoal já começa a largar e querer fazer outra coisa porque o corpo não aguenta, o ouvido não aguenta, a pele não aguenta. Eu passei maquiagem, mas estou cheia de manchinha. Eu já perdi uma perna, rapaz! O mergulho é pesado, cobra um preço muito caro, mas é aquele preço que vale a pena pagar, né?

I: O que você falou da faixa etária, a gente não pensou sobre essa questão. Você quer falar um pouco sobre, se os profissionais do mergulho tem uma faixa etária que ficam mais disponíveis?

M: Eu acho que varia muito. Tem os mergulhadores mais velhos que geralmente são os donos das operadoras, mergulhadores em cargos maiores. Mas a galera não aguenta muito tempo essa realidade. Aqui no Sul, a gente tem um verão bem definido e o inverno bem definido, então a galera do mergulho trabalha no verão e no inverno quase não tem trabalho, porque poucos vêm para Floripa para mergulhar em julho. Ou às vezes tem uma saída ou outra, mas é um trabalho mais de verão. Então, geralmente a galera aqui do Sul acaba tendo dois trabalhos: um de verão e um de inverno. Ou trabalha muito no verão para conseguir se manter no inverno e não ganha bem o bastante para fazer uma dessa. Em [Fernando de] Noronha não tem isso, a galera lá é o ano inteiro assim, de segunda a sábado, um dia de folga na semana, trabalha muito, todo dia, todo dia. Imagina se você faz um machucadinho de nada e aí logo em seguida fica horas com ele embaixo da água salgada até ele começar a ficar com uma carne branca, você vai para casa descansar, começou a cicatrizar e você já vai entrar na água de novo. Não dá tempo do seu corpo cicatrizar por causa que você fica botando ele na água salobra de molho durante horas todo o santo dia; botando Sol e se machucando. Então a galera que trabalha com o mergulho está sempre meio “podre”, está sempre meio machucada, realmente acho que é uma das mais pesadas para o corpo é a profissão de mergulho. Mas o povo também está sempre com aquele sorriso na cara. Olho brilhando do mar. Os mais velhos são os que mais tem história, maior experiência, mais tempo de água – merecem todo o respeito da profissão.

I: Existe demanda para mergulho noturno?

M: No curso avançado são cinco mergulhos de especialidades, e a gente pode escolher algum desses mergulhos dentro do que é ofertado e tem o mergulho noturno. É muito legal, me lembra muito o mergulho da caverna. A fauna da noite muda porque a fauna que fica de dia geralmente não é a mesma que fica a noite, então você mergulha no mesmo lugar que de dia e durante a noite ele é bem diferente. Não é tão comum. Bem, eu acho que na temporada eu faço uns dois mergulhos noturnos, geralmente só quando a galera está fazendo o curso. Não é muito ofertado também.

I: Sim, eu imagino porque a noite é isso, são outras vidas que saem ali que devem ser interessantes também como as do dia a dia, inclusive mais inéditas pois a gente não deve ver muito.

M: Nossa, em [Fernando de] Noronha um pouco antes do meu acidente estava rolando um vídeo na internet em que um tubarão tigre que atacou uma tartaruga lá no Sancho, uma das praias, e alguém gravou com o celular. Dá para ver o tubarão tentando pegar a tartaruga e ela vira o casco para tentar se defender, ele não consegue pegar, só que aí ele abocanhou e arrancou uma nadadeira dela, eu acho que foi a nadadeira da frente, esquerda. E aí, um, sei lá, uns três dias depois eu fui fazer um mergulho noturno e nesse mergulho noturno a gente achou essa tartaruga sem a patinha. A gente jogou a luz perto dela, gigante, tamanho de um fusca, muito grande, e sem a patinha. Aí logo depois eu perdi a “patinha”, foi aí o presságio...

B: Mariana, só voltando no assunto da idade, existe uma idade mínima para poder mergulhar?

M: Sim, para fazer um curso, 10 anos, mas para fazer o batismo é muito mais da aquacidade, mas a partir de 8 anos a gente já consegue fazer, pegando leve na profundidade. Recomendo para o curso ter pelo menos uns 13/14 já que tem teoria com Matemática, Física, Química....

B: E o que você diria hoje para uma pessoa que deseja se inserir nessa prática? O que ela precisa saber e o que ela precisa ter, além de dinheiro.

M: Eu ia falar isso, sério, dinheiro [risos]. Eu acho que o mergulho é uma parte muito prática, você pode ter toda a teoria do mundo, mas para trabalhar na operação no barco é muito mais que o mergulho em si. É um lance muito grande que rola na humildade, como você chega e se apresenta difere tudo. Tem que estar disposto a realmente trabalhar, sem corpo mole. Se você chegar achando que você sabe tudo, “meu”, a galera te corta. Então, você tem que chegar com a cabeça baixa por mais experiência que você tenha. Tem que escutar e prestar muita atenção para pegar o entorno, que são muitos detalhes – e você está com a vida de pessoas na sua mão. Então, é fazer tudo certinho, sem correr riscos desnecessários e prestando atenção – levando a sério e se dedicando para tornar a experiência a mais segura e divertida o possível para todos os envolvidos.

I: Mariana, acho que já sei a resposta, mas acho que vale deixar registrado. A gente pode falar que mar é tudo igual? Pergunta de jornalista, né?

M: Não, nenhum mar é igual ao outro, nenhum mergulho é igual ao outro. Eu já fiz, sei lá quantos mergulhos por aí. Cada mergulho é diferente, cada dia diferente. Aqui em Floripa eu mergulho no mesmo ponto já vai fazer 4 anos, e cada dia é diferente. É incrível, é um trabalho que você não cansa nunca da água – você nunca sabe o que está esperando lá embaixo.

I: Sim, acho que é isso que faz as pessoas ficarem tanto, se motivarem tanto. Esse ineditismo, isso é maravilhoso, a sua única rotina é por um macacão e o resto é o mar que vai te mostrar, né?

M: Sim, sim, e trabalhar de chinelo. Vida!

I: Bárbara, acho que a próxima pergunta já se encaminha para finalizar. Antes dela, para a gente poder finalizar, apesar que o papo está ótimo, eu queria perguntar se você conhece, Mariana, a Leni Riefenstahl, que é uma cineasta alemã que gravou os primeiros jogos olímpicos televisionados. Ela gravou na Alemanha em 1936, e os filmes relacionados às Olimpíadas estão disponíveis no Youtube, se chama Olympia (parte 1 e parte 2). Ao final da vida ela virou fotógrafa marinha, inclusive "renomadíssima''. Eu não sei se você já ouviu falar dela e desse trabalho, se você não ouviu eu ia falar para você consultar. Ela tem obras maravilhosas de fotografias marinhas que podem te inspirar no seu projeto de fotografia, que eu acho que é um casamento perfeito você ter essa habilidade com a fotografia e com o mergulho, e aproveitar e aprender com ela, quem sabe. E aí, antes da Bárbara fazer a pergunta final, eu queria perguntar para você sobre o seu projeto de fotografia. Você começou a fotografar após o acidente ou antes do acidente você já fotografava?

M: Então, eu tinha objetivos de vida, eu tinha um objetivo de vida muito grande que era o meu sonho, então eu meio que a vida inteira fui mirando nesse sonho, que era trabalhar como fotógrafa sub em [Fernando de] Noronha. Isso era muito fincado em mim há muitos anos e por causa que eu trabalhava com mergulho, eu não estava nem procurando na verdade, eu não tinha mandado um e-mail para [Fernando de] Noronha assim nem nada, mas como eu estava trabalhando há um tempo assim a galera foi me conhecendo. Um belo dia eu recebi uma mensagem, uma amiga agilizou um convite para que eu pudesse trabalhar com mergulho em [Fernando de] Noronha, e aí eu nem sei explicar o que foi aquele dia. Parava para ficar olhando para o celular: não acredito que eu vou; e aí cheguei em Noronha com zero experiência de fotografia. Nunca tinha pegado uma câmera na vida, e trabalhando em um lugar incrível com pessoas muito fodas da área. Aí eu fui aprendendo lá. Eu lembro que as meninas, quando cheguei lá e falei que não tinha experiência, elas ficaram preocupadas, mas me ensinaram, com todo carinho o possível. Todo mundo me deu umas dicas, eu fui pegando a prática, todo dia com a câmera na mão você vai criando afinidade. E aí eu fui me apaixonando por fotografia lá. Quando aconteceu o acidente eu voltei para Floripa, e aí sem norte nenhum: o quê que eu vou fazer da vida agora? Aí falei: bom, até eu bolar eu vou continuar com a foto. Eu comecei a juntar grana para comprar uma câmera e as meninas de [Fernando de] Noronha mandaram a câmera que eu trabalhava de presente para mim aqui, só por serem pessoas incríveis mesmo, elas são as mais queridas. Cheguei a conclusão antes da água sequer voltar a fazer parte da vida que eu queria fazer alguma coisa a ver com o que eu estava vivendo. Fui procurar sobre projetos fotográficos com pessoas com deficiência, e os que eu achei eram feitos por uma pessoa sem deficiência, era uma coisa muito engessada, era bom, bonito e tal, mas é muito diferente do que ser totalmente PCD. Aí eu conversei aqui com a galera, meus amigos e eles apoiaram. Então, eu fui lá e achei uma menina na internet que é de Floripa mesmo, mandei uma mensagem me apresentando e falando da ideia e disse: olha, não fiz nada ainda, você vai ser a primeira, você topa? Ela falou: ''topo". Eu estava “sei lá”, poucos meses depois da amputação, ainda estava muito no comecinho. Aí eu saí com essa menina, que foi a Flávia, a gente passou o dia inteiro tirando fotos, e a gente teve toda essa conversa. Eu acho que acabou ficando como uma terapia para mim, porque é uma coisa você viver com isso sozinha, outra é você conversar sobre com pessoas que já vivem com isso, às vezes há anos ou a vida toda. Então, foi muito lindo o primeiro encontro com a Flávia. Eu usei o que eu consegui, a manha, a forma de conduzir a pessoa que eu aprendi em [Fernando de] Noronha e apliquei com ela. A gente teve um dia superdivertido, demos um monte de risadas, trocamos ideias importantes sobre a vida e o viver. Aí eu me animei. Logo em seguida já fui procurando mais gente, e não vou dizer todos, mas praticamente todos os ensaios foram esses momentos bonitos de uma troca, de conversa, de experiências. Eu sou amiga da maioria das pessoas que foram fotografadas, já tem outros ensaios marcados, é tudo muito diferente, ficou muito bacana. Então, está sendo um presente incrível de Deus, os limões que a vida nos dá, não é mesmo?[2]

I: Sim, e que bom né, que em um momento difícil você encontrou uma saída para descobrir outras coisas bonitas da vida. Aí você acessa a história da Leni, espero que ela te inspire, porque ela é muito inspiradora, é uma história de vida e tanto, sabe? É uma mulher de muitas facetas. Então eu acho que pode te inspirar porque a Leni tem fotografias lindas.

B: Mariana, antes de partir para o final da entrevista, eu gostaria de perguntar se você já percebeu tanto aí em Floripa quanto lá em Noronha, pessoas que trabalham como instrutores que são profissionais da Educação Física.

M: Não... Geralmente mergulhador é só mergulhador. O meu namorado é educador físico. Ele está fazendo os cursos comigo agora, então talvez tenhamos aí um mergulhador educador físico. Mas fora isso, geralmente a galera que trabalha com mergulho ou não tem nenhuma formação acadêmica ou fez, por exemplo, [a graduação em] Administração e foi para água e focou nisso. Ou era da Biologia ou Oceanografia e afins, gente que já tinha um pé na natureza e resolveu se jogar no mergulho. Para trabalhar com mergulho você não precisa ter nenhuma faculdade, é focar nos cursos. É bom sempre falar outros idiomas, até porque atende muito turista de tudo que é lugar (principalmente em inglês e espanhol).

I: É, pode ter uma proximidade com os esportes de aventura e radicais, e realmente no nosso curso a gente não tem nem a experiência de mergulho na piscina. Poderia ser ótimo para a gente, inclusive para estimular novos profissionais. Por exemplo, aqui em Mariana você disse que tem mergulho, em Ouro Preto, tem o curso de Educação Física da Universidade Federal de Ouro Preto que é ao lado, e não tem nada relacionado a isso para despertar nas pessoas o interesse.

M: No meu Ensino Médio, quando chegou no “terceirão”, meu colégio levou alguns profissionais para a gente ter um papo, mas levaram advogado, dentista, engenheiro e eu não me identifiquei com nenhum deles. Mas se tivesse levado um mergulhador, às vezes eu nem teria feito a faculdade de Biologia. Eu tive que fazer toda a Biologia para conhecer o mergulho e o mestrado para ver que eu poderia realmente viver do mar, então se tivesse desde o começo assim, ia ser bacana.

I: Pois é, se a vida fosse fácil chamava-se miojo, mas não é, está mais para lençol de elástico [risos].

B: Tem alguma coisa que você gostaria de falar que não foi contemplado na entrevista que você acha que seja importante?

M: Não.

B: A sua identidade pode ser exposta? Seu nome pode ser veiculado nas nossas publicações?

M: Sim, claro, estamos aí.

B: Mariana, muito obrigada, foi excelente a nossa conversa.

I: Mariana, obrigado, agora vamos transcrever essa entrevista e depois que a gente transcrever a gente vai te enviar para ler. Matei todas as minhas curiosidades, agora só falta mergulhar.

M: Agradeço o espaço, sempre que precisar estou disponível

I: Você também, sempre que precisar estamos aqui, em breve enviaremos a entrevista.

Fim da entrevista.

 

O mar te devolve a energia que você coloca nele.

 



[1] Site: www.ventosuli.com.br Instagram: @ventosuli.floripa

[2] O projeto de fotografias de Mariana se encontra no seguinte endereço de Instagram: @projetorepresentarte