ENTREVISTA

 

ESCALADA: DE EXPERIÊNCIA ACADÊMICA PARA A VIDA[1]

 

CLIMBING: FROM ACADEMIC EXPERIENCE TO THE LIFE

 

ESCALADA: DE LA EXPERIENCIA ACADÉMICA A LA VIDA

 

Igor Maciel da Silva Descrição: download Descrição: Lattes

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - UFJF

E-mail:  professorigormaciel@gmail.com

 

Bárbara Edir Rodrigues Peres Nunes Descrição: download Descrição: Lattes

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - UFJF

E-mail: barbaraediir@icloud.com

 

Renata Martins Descrição: download Descrição: Lattes

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - UFMG

E-mail: renata.martins1983@hotmail.com

 

Data de Submissão: 04/03/2022 Data de Publicação:29/09/2022

Como citar: SILVA I. M.;NUNES, B. E. R. P.. MARTINS, R. Escalada: de experiência acadêmica para a vidaRevista Eletrônica Nacional de Educação Física, v. 13, n. 20, Ago - Dez. 2022. https://doi.org/10.46551/rn2022132000060

 

RESUMO

 A investigação de trajetórias nas atividades de aventura na natureza é um aspecto ainda pouco explorado nas narrativas científicas. Portanto, o objetivo desta entrevista é evidenciar a trajetória e a relação do professor Rodrigo Soares de Lima com a escalada, o qual, após ter vivências no curso de graduação em Educação Física em Governador Valadares-MG levou a prática da escalada para a sua vida profissional e pessoal. A metodologia adotada foi a História Oral. Como considerações, apresenta-se que a experiência positiva com o conteúdo na graduação refletiu na trajetória profissional de Rodrigo; é necessária a capacitação e perícia contínua para o trabalho com essas atividades; tais práticas constituem-se de ferramenta importante para mediar debates a respeito da interação de pessoas entre si e com o ambiente natural, e por conseguinte do entendimento de meio ambiente como o que inclui os sujeitos.

 

Palavras-chave: Educação Física. Escalada. História Oral.

 

ABSTRACT

The investigation of trajectories in adventure activities in nature is an aspect still little explored in scientific narratives. Therefore, the objective of this interview is to highlight the trajectory and relationship of teacher Rodrigo Soares de Lima with climbing, who, after having experiences in the undergraduate course in Physical Education in Governador Valadares-Minas Gerais, Brasil, took the practice of climbing into his life, professional and personal. The methodology adopted was the Oral History. As considerations, it is presented that the positive experience with the content at graduation reflected on Rodrigo's professional trajectory; ongoing training and expertise is needed to work with these activities; such practices constitute an important tool to mediate debates about the interaction of people with each other and with the natural environment, and therefore the understanding of the environment as what includes the subjects.

 

Keywords: Physical Education. Climbing. Oral History.

 

RESUMEM
La investigación de trayectorias en actividades de aventura en la naturaleza es un aspecto aún poco explorado en las narrativas científicas. Por lo tanto, el objetivo de esta entrevista es resaltar la trayectoria y relación del profesor Rodrigo Soares de Lima con la escalada, quien, luego de tener experiencias en la carrera de Educación Física en Governador Valadares-MG, tomó la práctica de la escalada en su vida. profesional y personal. La metodología adoptada fue la Historia Oral. Como consideraciones se presenta que la experiencia positiva con el contenido en la graduación reflejó en la trayectoria profesional de Rodrigo; se necesita capacitación y experiencia continuas para trabajar con estas actividades; tales prácticas constituyen una herramienta importante para mediar debates sobre la interacción de las personas entre sí y con el medio natural, y por lo tanto la comprensión del medio ambiente como aquello que incluye a los sujetos.
 
Palabras clave: Educación Física. Escalada. Historia oral.

 

INTRODUÇÃO

Sem esgotar a lista, a Educação Física possui relação com os corpos, movimentos, culturas, lazeres; promoção da vida de qualidade; meios urbano e natural (DEBORTOLI, 2020; JUNIOR; LEMOS; CHECCHI, 2020).

A partir dessa diversidade de relações, as composições curriculares dos cursos de graduação em Educação Física têm se renovado em diversos sentidos, como, por exemplo, na inserção de conteúdos que se relacionam à educação ambiental, às atividades de aventura na natureza e congêneres (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018).

Atividades na natureza designa as diversas práticas manifestadas, nos mais diferentes locais naturais (terra, água ou ar), cujas características se diferenciam dos esportes tradicionais, tais como condições de prática, os objetivos, a própria motivação e os meios utilizados para o seu desenvolvimento, além da necessidade de inovadores equipamentos tecnológicos possibilitando uma fluidez entre os praticantes e o meio ambiente (MARINHO, 2004, p.3).

 

Elas constituem-se de um importante exemplo de atividades físico-desportivas praticadas em ambientes como o mar e sua orla, montanhas, trilhas, paredões rochosos, entre outros lugares; em modalidades, sem esgotar a lista, nomeadas de trilha, cavernismo, surf e escalada (BEI, 2002).

Em contrapartida à essa diversidade de práticas e lugares que compõem as atividades de aventura na natureza, a Educação Física é carente de textos do tema e com discussões aprofundadas, de acordo com alguns autores (TEREZANI et al., 2013; MUNSTER, 2004; BAHIA; SAMPAIO, 2008; ALMEIDA, 2009). Conforme a pesquisa de Terezani et al. (2013), entre 1998 e 2012, foram publicados na Revista Licere, 12 artigos envolvendo essas práticas, sendo 8 com a terminologia atividades físicas de aventura na natureza e 4 textos dissertam sobre reflexões gerais entre Lazer e meio ambiente. Da data da publicação da pesquisa supramencionada (2013) até o presente, ainda que tenha-se a percepção que o número de publicações, formação de grupos de pesquisas, organização de eventos científicos, cursos livres e atividades turísticas relacionadas às atividades de aventura na natureza tenham aumentado, um aspecto ainda pouco explorado acerca dessa temática é a trajetória de pessoas.

A investigação de trajetórias é uma ferramenta de potencial para entender as subjetividades dos sujeitos nos fenômenos e práticas, contribuindo não só para a preservação da memória das atividades que os mesmos estão ou estiveram inseridos, mas também da memória individual. Portanto, a partir do Projeto de Pesquisa Trajetórias em práticas corporais diversificadas, cujo objetivo central é dar destaque às vivências de profissionais inseridos em atividades que não são muito evidenciadas nos debates da Educação Física, ainda que estejam curricularmente estabelecidas, propomos uma entrevista no modelo História Oral com o professor Rodrigo Soares Lima, com o objetivo de evidenciar a sua trajetória e relação com a escalada.

A escolha desse depoente se deu pelo fato de o mesmo ser professor de Educação Física Escolar, ter tido vivências efetivas no curso de graduação com as práticas aventura na natureza e ser adepto da escalada; uma tríade que não é comum na formação em Educação Física, pois nem sempre os egressos dos cursos se sentem habilitados para mediar esse grupo de modalidades na escola ou na graduação. Desse modo, publicizar a entrevista de Rodrigo é uma forma de aprender com ele e com a modalidade destacada, a escalada.

            A História Oral é uma metodologia criada nos Estados Unidos da América em 1950 e em voga no Brasil desde a década de 1970, tem como ação central a coleta de depoimento individual gravado, cujo roteiro é preparado com foco no sujeito da entrevista, na sua subjetividade e memória (PORTELLI, 1997).

Conforme as orientações da História Oral, o caminho metodológico desta pesquisa foi o seguinte: estudo temático do entrevistado; perguntas primárias (de apresentação) e perguntas secundárias (com relação direta ao tema) (REPHO, 2020; PORTELLI, 1997). As perguntas foram preparadas pelos pesquisadores Igor Maciel da Silva, Bárbara Edir Rodrigues Peres Nunes e Renata Martins. O depoimento foi coletado no dia 31 de dezembro de 2021, no ambiente virtual Google Meet. Após, ocorreu a transcrição literal da entrevista pelos autores e a conferência final foi realizada pelo entrevistado, que junto, submeteu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, permitindo a publicação da entrevista.

 

Confiamos a ponta da corda um no outro...

 

SILVA, Igor Maciel (SILVA, I. M.): Obrigado pela participação. Gostaria de começar pedindo que se apresentasse.

LIMA, Rodrigo Soares (LIMA, R. S.): Meu nome é Rodrigo Soares Lima, natural de Teófilo Otoni [Minas Gerais, Brasil], 38 anos, atualmente resido em Lagoa Santa [Minas Gerais, Brasil]. Graduei em Educação Física, em Governador Valadares [Minas Gerais, Brasil], na UNIVALE [Universidade Vale do Rio Doce]. Foi quando tive a oportunidade de conhecer, através da disciplina Esportes da Natureza e Lazer Ecológico, alguns conteúdos relacionados às práticas de aventura na natureza. Depois que eu acabei a graduação, continuei me dedicando especificamente, dentro desse universo, ao montanhismo e a escalada, mais especificamente. As atividades de aventura nunca foram a minha principal atividade profissional. Mas, eu as trouxe para a minha prática pedagógica, tanto no contexto escolar, quanto em outros espaços. Fiz a especialização em Estudos do Lazer na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], ainda quando eu morava em Nanuque [Minas Gerais, Brasil], cidade com potencial para experiências de lazer na natureza, assim como Governador Valadares, onde fiz graduação em Educação Física. O professor Kássio Vinícius de Castro Gomes, que ministrava a disciplina acadêmica, possibilitou pensar a Educação Física, a natureza, a aventura e o Lazer, para além dos bancos da universidade, nos abrindo possibilidades diversas, ao considerar o contexto, a realidade local, o cotidiano, como forma de  propiciar aos sujeitos a relação com a natureza e  tais práticas. Atualmente sou mestrando no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG.

 

SILVA, I. M.: Na sua especialização você estudou atividades de aventura ou não?

LIMA, R. S.: Não. Na especialização eu fiz análise das Políticas Públicas de Esporte e Lazer do município de Nanuque, que era a cidade em que eu trabalhava como professor de Educação Física. No decorrer da pesquisa, em entrevistas com os gestores, o discurso era que na cidade não havia políticas de Esporte e Lazer, pois não se tinha estrutura física, como ginásios e campos, que possibilitasse as práticas e as políticas. Em contrapartida percebia-se, no cotidiano, o futebol feminino, o jogo de dominó em espaços públicos e privados, saltos da ponte, trilhas e “escalaminhadas” na pedra do Bueno (cartão postal da cidade), trilhas de bike, entre outras práticas. Enfim, foi nesse aspecto a pesquisa, o intuito era trazer a diversidade cultural e problematizar nossas práticas educacionais e políticas.

 

SILVA, I. M.: Você disse que pratica e tem experiência com o montanhismo e com a escalada. Dentro dessas duas, quais as diferenças mais específicas, existem semelhanças etc.?

LIMA, R. S.: Quando eu me refiro ao montanhismo falo da prática de subir montanhas, que envolve além do conhecimento técnico da escalada, uma série de elementos como: logística de equipamentos, de mantimentos, de previsão do tempo, de localização, dentre outros. Em relação a escalada, me refiro aqui às suas vertentes esportiva e tradicional, praticadas em falésias, paredões e também nas montanhas.

 

SILVA, I. M.: Eu vou pedir a você para falar depois um pouco dos materiais que usam. Antes disso, você já me disse que o que te levou ao montanhismo e a escalada foi a experiência com a disciplina, mas depois da disciplina você teve que procurar algumas coisas pra se capacitar mais, eu acredito. Quais cursos você teve que fazer e quais recursos você precisou para investir na sua capacitação, como foi isso; para desempenhar essa prática a formação em Educação Física foi um diferencial?

LIMA, R. S.: Eu conheci através da disciplina, gostei e me aproximei da perspectiva do olhar do Lazer e não do esporte radical, muito em voga na mídia naquele tempo. Essa perspectiva do Lazer na natureza me fez encontrar a possibilidade de olhar para essa prática, ou para essa vivência, de uma forma não competitiva, mas da fruição. Depois, como fiquei interessado, virei monitor na disciplina. Pelo fato de ser monitor tive a oportunidade de acompanhar a implementação do Campo Escola de Escalada em Governador Valadares, como também a abertura de outras vias na região que aconteceu através do projeto de extensão PROAGE (Projeto de Agroecologia e Ecosport), que era um intercâmbio entre a comunidade Brejaúba de Governador Valadares e a cidade de Sobrália. Nesse percurso fizemos várias viagens, encontramos outros escaladores mais experientes e formamos um grupo de praticantes. Além da proximidade com Kássio, que além de professor se tornou um companheiro, eu tinha parceria com um amigo da turma, que escalamos até hoje juntos. Tinham poucas vias na época em Governador Valadares, que só possibilitavam a escalada de iniciantes,  o grau mais fácil era de uma via de quinto grau, para quem está começando, já é uma via considerável. O restante das vias eram de sexto, sétimo e oitavo grau; vale lembrar que foi o que a formação rochosa possibilitou. Ficávamos lá tentando, caindo, aprendendo a cair. Nessa peleja! Esse meu amigo, Nizier, fez um curso com um montanhista de Belo Horizonte [Minas Gerais, Brasil] que era parceiro desse projeto, que foi contratado para abrir o campo escola de escalada, Eduardo Viana (Ralf). O curso era de escalada avançada, que é a escalada tradicional. Utiliza equipamento móvel, tem um conhecimento mais técnico, mais específico, que a gente até teve na disciplina, mas essa experiência, essa busca, as práticas, os “betas” que ele adquiriu no curso, abriram possibilidades! Depois escalamos juntos, kássio, Renata, Nizier e Ralf, conquistamos vias, montanhas, confiamos a ponta da corda um no outro! Depois do curso, ele adquiriu alguns equipamentos, eu adquiri outros. Isso possibilitou a gente aprofundar o conhecimento nessa área. Desde o primeiro contato com a escalada começamos a estudar, pesquisar em livros, artigos na internet, a fazer as experiências também, por exemplo, no quintal. Quando não dava pra escalar na pedra íamos pro quintal, ou na própria Universidade; fazíamos as ancoragens em árvores; treinamos resgate, fazíamos ascensão com equipamentos improvisados e íamos treinando, praticando. Eu mesmo não fiz um curso além da Universidade. Eu tive essa aprendizagem com outras pessoas mais experientes que eu, e também nessa minha busca por saber fazer.

 

SILVA, I. M.: Você falou de graus. Esse grau é o que? A verticalidade da pedra?

LIMA, R. S.: O grau de dificuldade. Você começa com uma escalaminhada, por exemplo, que é subir uma escada ou um rampão de pedra, que é uma dificuldade fácil, que você não precisa colocar as mãos no chão, dá para você subir em pé. Vamos supor, seria um terceiro grau, o grau inicial. À medida que vai ficando mais vertical, ou vai ficando negativo (inclinado para trás), ou que as proteções vão ficando distantes umas das outras, a via vai se graduando. São vários critérios que levam a aumentar o grau de uma via. Tanto a dificuldade quanto a exposição também.

 

SILVA, I. M.: Quais os equipamentos necessários e o custo? É acessível? Você falou um pouco da improvisação para o aprendizado. Você poderia voltar nesse assunto também?

LIMA. R. S.: Os equipamentos básicos, que são de uso pessoal, que você não compartilha, normalmente são: a cadeirinha, a sapatilha, o capacete e a solteira – tem exceção, claro. Quando não tem jeito, a gente tira a cadeirinha toda hora e passa para o colega; na falta da sapatilha, usa-se um calçado mais apertado e duro. Tendo esses equipamentos pessoais é possível chegar em locais de escalada e encontrar grupos de pessoas escalando e normalmente as pessoas oferecem, perguntam se você quer subir, possibilitando o uso da corda de outra pessoa, porque a corda é considerada um equipamento de uso coletivo, assim como as costuras, mosquetões, freio e fitas. A cadeirinha custa na faixa de preço de 500 reais; a corda deve custar hoje, que está tudo muito caro, 1.200 reais, uma corda de 60, 70 metros; o freio automático custa em média 800 reais; a sapatilha nacional na faixa de 400 reais; um mosquetão 50 reais; uma fita, custa uns 40/50 reais e o capacete que é recomendável, custa uma média de 200 reais (esses valores podem variar de acordo com a marca, modelo e origem).

 

SILVA, I. M.: O capacete pode ser o do ciclismo ou tem um capacete específico para a escalada?

LIMA, R. S.: Tem um capacete específico de escalada, alguns se assemelham visualmente aos do ciclismo, mas com especificidades distintas.

 

SILVA, I. M.: Como é feita a grampeação das vias?

LIMA, R. S.: O conquistador (o primeiro a subir) faz um furo na pedra com furadeira ou com o punho e marreta, após abrir um buraco, coloca-se um grampo que entra na pressão ou uma chapeleta, fixada através de um parabolt.

 

SILVA, I. M.: Você falou na questão dos graus e eu fiquei pensando em uma questão, que é: a escalada pode estar associada com outras práticas? Por exemplo, estou fazendo trekking e vai ter um trecho de escalada, sem a pessoa ser uma escaladora ela precisa de uma certa técnica, ou você acha que isso não existe no geral?

LIMA, R. S.: Sim, a escalada é associada a diversas práticas. Por exemplo, o base jump e a highline, onde escaladores, inclusive experientes, que escalam vias difíceis, utilizam a escalada para praticar outros esportes. Para praticar a escalada, ainda que associada a outros esportes, como o trekking, é preciso um preparo técnico, o nível desse preparo, vai depender do desafio.

 

SILVA, I. M.: Eu vi que em Governador Valadares tem um grupo de mulheres escalando, mas elas são orientadas por um homem ao invés de ter uma mulher à frente da modalidade

LIMA, R. S.: Nessa questão, quando consultados os guias de escalada, as conquistas em sua maioria ainda são feitas por homens, com algumas parcerias de cordadas femininas. Mas isso vai ser questão de tempo, porque já existem muitas iniciativas e conquistas importantes das mulheres. Na verdade, mulheres sempre fizeram parte do montanhismo.

 

SILVA, I. M.: Vocês fazem algum treinamento pré-prática? Tem algum alongamento específico ou não?

LIMA, R. S.: Depende. Eu sempre gostei de fazer um aquecimento específico, me alongo de forma breve e procuro entrar primeiro em uma via fácil, em uma via mais leve que não me exija tanta força, ou adrenalina. Hoje em dia existem treinamentos e preparos específicos, um deles é a prática da Yoga que melhora o condicionamento físico, traz segurança, redução do medo de passar em determinado lance, de cair, auxilia na concentração, na respiração. Outro treinamento considerável são as academias de escalada, onde as pessoas treinam no ginásio durante a semana para ir no final de semana para a pedra. E ainda as academias de musculação, treinamento funcional, entre outros.

 

SILVA, I. M.: Vamos falar um pouco sobre os acidentes e como evitá-los?

LIMA, R. S.: A primeira coisa é utilizar e saber manusear os equipamentos de segurança. Apesar dos equipamentos serem muito seguros e passar por testes, na maioria das vezes o erro é humano. Além do conhecimento técnico é preciso estar o tempo todo atento. Conhecer o lugar onde você está indo, tem que estar atento aos imprevistos, porque aventura é isso, é o desconhecido, é não saber o que está por vir e principalmente na natureza, por mais que você tente controlar todos os riscos, é natureza, né? As coisas podem acontecer, fugir do controle, e temos que estar preparados tecnicamente para restabelecer esse controle, a segurança e evitar possíveis acidentes.

 

SILVA, I. M.: Uma pessoa que vai hoje fazer uma escalada em Governador Valadares, ela consegue identificar o lugar para fazer a escalada? Vocês têm algum sinal, objeto que fale assim: aqui é uma via. Ou não?

LIMA, R. S.: A primeira possibilidade são os guias de escalada onde são catalogadas as vias de cada campo escola, setor, picos e/ou região. Estando no local, o sinal são os grampos ou chapeletas fixadas na pedra, que podem ou não existir se a via for móvel (sem proteções fixas). Existem lugares que contam com placas sinalizadoras, que indicam o nome e o grau da via. Ou ainda existe uma rede de troca de informações entre escaladores que indicam sinais da natureza por onde a via passa.

 

SILVA, I. M.: A proteção seria algo sobre os grampos?

LIMA, R. S.: A proteção tem relação com a existência de grampos ou chapeletas na via ou rota, ou ainda o uso de equipamentos móveis, que são colocados e retirados ao final da escalada.

 

SILVA, I. M.: A questão da acessibilidade nas práticas terrestres a gente já tem visto muito, cadeiras de rodas adaptadas, por exemplo. Dentro disso, quero te perguntar se nas práticas verticais você conhece algo que pense em acessibilidade para Pessoas com Deficiência. Eu já vi o pêndulo, mas queria saber de você, se você conhece outras experiências sobre isso.

LIMA, R. S.: Existem iniciativas, principalmente ligadas à Educação. Por exemplo, a escalada para cegos. Vai na questão da percepção, da sensação. Já teve uma Pessoa com Deficiência visual que escalou o Monte Everest [Ásia] a muito tempo atrás; tem a cadeirinha que você falou. Essa temporada de escalada que teve de alta montanha no Everest, teve um montanhista com deficiência que subiu praticamente tudo sozinho. Ele é amputado do quadril para baixo. Então existem possibilidades. Mas não é frequente esse tipo de iniciativa. Eu como professor, já tive experiências na Educação Física Escolar com vários alunos com deficiências que experimentaram o pêndulo, dá para você colocar cadeirinha e fazer os procedimentos para a pessoa ficar estabilizada. Fiz para alunos cadeirantes, crianças com autismo, com Síndrome de Down etc. Por exemplo, tive uma aluna que tinha um quadro que perdia os movimentos à medida que ia ficando mais velha, e mesmo com a musculatura mais atrofiada teve a experiência de escalar em uma escada de corda fixada no ginásio. Nós (eu, a auxiliar e outras crianças), a colocamos na cadeirinha e ela tentava segurar, ficar em pé. Eu a rebocava para ela ir ganhando altura e ter essa sensação. O que eu gosto de praticar, como prática de Lazer é a escalada, mas na Educação Física Escolar eu já trabalhei outros conteúdos de aventura nessa perspectiva de possibilitar que todas as pessoas vivenciem.

 

SILVA, I. M.: Quais as dificuldades de implementar essas práticas na Educação Física Escolar?

LIMA, R. S.: Na escola, às vezes a estrutura organizacional quer dificultar, mas os meninos e meninas desejam, criam movimentos e demandam. É importante ter um bom diálogo com a escola, tem que haver confiança no trabalho do professor. Eu normalmente chegava e montava a estrutura primeiro e começava a dar a aula. Quando entra no planejamento e você vai tentar explicar, justificar o que você vai fazer, mesmo que você não use a palavra radical – eu nunca uso o termo radical, uso a palavra aventura – o pessoal já fica com algum receio. Mas depois que você faz, os equipamentos estão lá bem montados, com a corda, mosquetões, cadeirinhas, tudo certificado, passa credibilidade à Direção. Se houver questionamentos é importante mostrar que os equipamentos são certificados, mostrar os selos etc. Eu já faço isso tempos, já fiz em muitos lugares. Tenho alguns anos de experiências na Educação Física Escolar. Eu já tive resistência, mas tive mais aceitação do que resistência. O pessoal também enxerga como uma oportunidade, um diferencial da escola, mesmo em escolas do município que é onde tenho mais experiência.

 

SILVA, I. M.: Quando você fala de cair, o que isso significa?

LIMA, R. S.: Imagine que de dois em dois metros na parede da sua casa você coloca um grampo em cima, no alto, imagine que fossem três andares, sem o teto. Você coloca um grampo no primeiro nível, no segundo andar você coloca outro grampo e no terceiro andar outro grampo. Eu começo a escalar, subo, você está segurando a corda, quando eu chego nesse primeiro grampo coloco a costura, fico com o mosquetão dependurado e passo a minha corda nesse mosquetão. Eu posso soltar o meu corpo porque você está me segurando. Se daí pra cima eu escorregar e cair, eu vou ficar dependurado nesse grampo. Mas, cair no primeiro grampo é muito perigoso porque dependendo do tanto de corda que tem você pode ir pro chão. Então, quanto mais alto você está, mais seguro você está. As proteções ficam de dois em dois metros, mais ou menos, dependendo da escala. Nesse caso, essa é a altura máxima que se cai.

 

SILVA, I. M.: Onde é o Campo Escola em Governador Valadares?

LIMA, R. S.: Atrás do Ibituruna, na Comunidade do Córrego do Brejaúba.

 

SILVA, I. M.: Dentro da sua trajetória qual história você consideraria mais marcante?

LIMA, R. S.: Já tive muitas histórias legais, de perrengue, de “cortar veneno”, de estar na montanha e a corda agarrar e termos que puxar – eu, Renata, Nizier e o Kássio – e a corda nada de soltar, nós presos na pedra, sem ter como descer, pois precisávamos da corda. Já estávamos com fome, era o segundo dia de escalada, estávamos com sede, pois já não tinha mais água. Mas, por conta desses treinamentos que eu e aquele meu amigo fazíamos, eu lembrei da possibilidade de fazer um sistema de redução na corda, em que você aumenta sua força para puxar e ela se desprendia. Mas, acho que o mais legal de todas essas histórias foi o acúmulo de experiências que me possibilitou levar isso para as escolas. Hoje em dia eu trabalho com o “brincar”, então eu sempre coloco uma escadinha de corda em uma árvore, ou na própria Educação Física uso o slackline, ou então a tirolesa; essas experiências me possibilitaram trazer isso para minha prática profissional, trabalhar com o que eu gosto e poder apresentar às crianças modalidades diferentes, com segurança e também desmistificando as questões do risco. Pois o risco é controlado, é diferente do esporte radical.

 

SILVA, I. M.: Quando você fala na questão dos homens e das mulheres, que é a próxima questão, quer fazer mais algum reforço dessa reflexão? Os homens se envolvem mais do que as mulheres, as mulheres não se envolvem, ou as mulheres estão chegando?

LIMA, R. S.: É difícil falar da escalada de uma forma geral,  porque tem vários guetos nesse universo. Tem os “esportiveiros”, tem os escaladores tradicionais, tem a galera da competição que escala mesmo só para competir; o feminino tem crescido muito nesse universo da escalada esportiva, nos “points”, “picos” de escalada, então você sempre vê as mulheres escalando e forte. Tem mulheres desde sempre. Sempre teve exemplos positivos da capacidade e possibilidade delas estarem onde quiserem. Você vai abrindo precedente, encorajando, e eu acho que elas estão por aí, estão vindo para ocupar de modo igual em todas as áreas. Estão conquistando, rebocando mochila, carregando peso para cima, batendo marreta e indo para grandes montanhas também. Sempre existiu mulheres no universo do montanhismo, mas hoje em dia você vê mais fortemente.

 

SILVA, I. M.: Uma pessoa que quer escalar, precisa apresentar alguma carteirinha ou basta ter os equipamentos certificados?

LIMA, R. S.: Não precisa ter nada, mas tem alguns parques que te cobram um  currículo mínimo.  Por exemplo, não sei se lá cobra, mas vou dar o exemplo: no Parque do Tabuleiro tem a terceira maior cachoeira do Brasil, a maior de Minas Gerais, lá tem vias de escalada, e quando você quer escalar esse paredão, como é um lugar que é exposto, o acesso é difícil, tem muitos blocos e quinas de pedra, às vezes a parede é úmida; você fica a mercê dessas condições. Então às vezes alguns parques cobram questões de vias já realizadas, tem que ter currículo para escalar lá, você precisa comprovar uma experiência. Mas, normalmente esses campos escola, outras pedras que tem em cidades que são polos de escaladas, mesmo que não tenha ninguém que tome conta, porque a maioria tem um grupo de escaladores que toma conta, normalmente é uma propriedade privada, você faz uma negociação com o dono do terreno, ele libera e ganha uma taxa de visitação e o grupo da região que está fomentando o espaço dá a manutenção nas vias, olha a questão de segurança, abertura de vias e recolhimento da taxa de visitação, dentre outras orientações. Mas não tem cobrança nenhuma em relação ao nível técnico ou saber manusear os equipamentos. De certa forma, tem muita gente que não tem experiência e que experimenta a escalada uma ou duas vezes na academia e empolga, tem grana, compra equipamento e vai para a pedra, é aí que vemos muitos pequenos acidentes que acontecem o tempo todo.

 

SILVA, I. M.: Sobre o rapel, quem escala sempre tem que aprender também a técnica do rapel, ou não é algo obrigatório?

LIMA, R. S.: Você tem a opção de escalar sem saber nada, você não vai guiar a via. Vamos supor que você tem vontade de escalar e nunca escalou, não gosta de malhar e nem de fazer nada, mas você quer aproveitar para escalar comigo e não quer se dedicar em fazer força, passar veneno, cair nos pontos, não quer guiar a via, só quer ter a experiência de eu colocar a cadeirinha em você para subir de forma recreativa, de Lazer sem comprometimento. Você pode fazer isso, não precisa desmontar, porque a corda vai ficar passando lá em cima nos dois grampos, lá no topo, por exemplo a 20 metros de altura. São colocados dois grampos, faz a costura e passa a corda no meio, ai é parecido com obra, quando puxam o balde para cima e depois volta o balde vazio. O escalador sobe de Top Rope e desce de baldinho. Mas quando a pessoa quer ficar autónoma, quer aprender os procedimentos, equipar uma via, guiar e desequipar, aí vai precisar de buscar esses conhecimentos, mas existe essa possibilidade de você não querer se comprometer e só experimentar, e pode subir com total segurança dessa forma.

 

SILVA, I. M.: Para quem quer se profissionalizar é ideal que aprenda sobre o rapel também?

LIMA, R. S.: Quando subo, deixo o equipamento lá no topo, onde a corda passa, pois a corda não pode passar direto dentro do grampo, tem muito atrito, passo a corda dentro do mosquetão. Depois que todo mundo já fez a escalada, subiu e desceu de baldinho, tenho que subir para buscar os equipamentos e desequipar a via, descendo com técnica de rapel. Então, posso subir guiando, ou de Top Rope com a corda já passando lá em cima. Quando chego lá em cima, faço o rapel para descer e pegar os equipamentos que ficaram na parede. Toda vez que você escala, quem vai desmontar a via deve fazer o rapel. O rapel é incluso em cursos, o escalador tem que saber desmontar a via. Mas normalmente o escalador e montanhista não gostam muito de fazer rapel, ele é apenas uma técnica de descida após a prática da escalada.

 

SILVA, I. M.: Pensando no surgimento de muitas escolas de escalada indoor, você acha que essas escolas com paredes artificiais têm incentivado as pessoas a buscar um meio natural, ou continuam ali e é o suficiente?

LIMA, R. S.: Acho que tem gente que se encontra no ambiente artificial, e nem quer tomar picada de pernilongo nem nada, já se realiza ali e consegue ficar forte, mandar alto grau de dificuldade. Tanto é que as competições são todas realizadas em ambientes artificiais, como agora nas Olimpíadas. Teve uma mudança drástica na escalada, que é a escalada de velocidade, de dificuldade e o boulder. O boulder e a escalada de dificuldade, parece que são acrobacias, as pessoas tem que virar de cabeça para baixo para realizar os movimentos, bem diferente do que a gente vê. E a escalada de velocidade, que é quem consegue subir primeiro, também é uma coisa nova. Já tiveram outros montanhistas feras que quebraram recordes de subir uma via, mas não necessariamente “correndo” igual vimos acontecer. Então isso tudo foi criado dentro do ambiente artificial. Tem gente que se encontra e vive disso. Em contrapartida, também acho que todo mundo fica provocado, principalmente quando mora na cidade que no entorno tem rochas, e acho que isso tem levado muitas pessoas a irem para a natureza.

 

SILVA, I. M.: Fernando de Noronha é a cidade do mergulho, você sabe de alguma cidade considerada “a cidade da escalada”?

LIMA, R. S.: Rio de Janeiro e São Paulo são considerados o berço do montanhismo no Brasil. Em Minas Gerais aconteceu mais recentemente, mas tem muitos pontos, muitos lugares de escalada. Um dos mais importantes de Minas seriam a Serra do Cipó e Lagoa Santa. A qualidade da rocha, a altura das vias, a quantidade de agarras, grau de dificuldade nas vias, que vai desde a escalada tradicional até a esportiva. O montanhismo também tem muito no interior, tem montanhas por exemplo na região do Leste de Minas, em Governador Valadares e São José do Divino.

 

SILVA, I. M.: O que vocês fazem depois da escalada, existe um certo ethos, do tipo, “escalou, vai beber cerveja, ou ir para a cachoeira”?

LIMA, R. S.: Contemplação da natureza, fazer uma fogueira, um café, um “rango” no fogo, conversar. Quando você está na cidade, como em Lagoa Santa que você escala o dia inteiro e volta, às vezes toma uma cerveja depois. Se tiver um rio tomamos um banho, como na Serra do Cipó, ou um banho de cachoeira; vai curtir o vilarejo, ver o movimento da cidade; tomar uma coca-cola.

 

SILVA, I. M.: Fale sobre as gírias utilizadas na escalada. O “veneno” seria uma dessas gírias?

LIMA, R. S.: “Veneno” é a adrenalina que faz você sentir como se tivesse veneno na boca. Quando a proteção está boa e o grampo bem firme ou quando você faz uma ancoragem boa usando um bico de pedra ou algo natural, chamamos de “bomba”, ou “à prova de bomba”. Quando você está subindo e o segurança te libera muita corda, gritamos “chupa a corda” ou “recolhe”. Quando queremos corda, gritamos “coooorda”. A queda chamamos de “vaca”, é um termo universal, vacar é cair; ou “voar” quando a queda é muito grande. “Mandar” é quando você consegue mandar o lance, fazer a via. Quando a pessoa deseja saber que grau você escala, pergunta "cê manda que grau?”. Esse “cê manda” é relacionado ao grau que você escala com mais facilidade. Às vezes, quando você está tremendo a perna por conta da adrenalina, chamamos de “mal de Elvis Presley”. Quando você faz muito exercício, o antebraço incha, e o músculo fica duro, chamamos de “tijolou”.

 

SILVA, I. M.: O seu nome e a sua identidade podem ser expostos nas transcrições? Essa entrevista pode ser publicada?

LIMA, R. S.: Sim, concordo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A partir da entrevista com Rodrigo, a sua relação com a escalada e atuação profissional na Educação Física Escolar, concluímos que: 1) Nos cursos de graduação, devido a carga horária das disciplinas, é importante que os estudantes busquem capacitação em cursos livres, estágios, Projetos de extensão e vivências autônomas com grupos profissionais, como no exemplo do professor Rodrigo. Em específico as atividades de aventura na natureza, a perícia direcionada a essas práticas merece atenção, tanto porque envolvem o risco de morte quanto para desmistificar alguns riscos. Portanto, o saber prático é muito importante. 2) O fortalecimento e continuidade de algumas atividades de aventura na natureza no mercado de trabalho (escolas, cursos superiores, paredões de escala etc.) pode se dar pela presença de profissionais capacitados e pela divulgação das modalidades, como é o caso de alguns tipos de escalada serem parte dos Jogos Olímpicos de 2020. 3) As atividades de aventura na natureza são uma ferramenta importante para mediar debates a respeito da interação de pessoas com o ambiente natural, e por conseguinte do entendimento de meio ambiente como o que inclui as pessoas. Soma-se a isso que a confiança e o respeito são valores presentes, tanto no trabalho em grupo quanto no reconhecimento das ações realizadas por outras pessoas, como a preservação das vias abertas por outrem, o que pode refletir em outras dimensões e espaços da vida, como no meio urbano.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Esta entrevista é parte dos resultados do Projeto de pesquisa Trajetórias em práticas corporais diversificadas, coordenado pelo Dr. Igor Maciel da Silva, enquanto professor substituto do curso de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora-Campus Governador Valadares.