Artigo oRIGINAL

 

ENTRE GOLPES E GINGAS: A PRESENÇA DAS LUTAS NO ENSINO MÉDIO

 

WITH BLOW AND SWING: THE PRESENCE OF THE FIGHTS IN HIGH SCHOOL.

 

ENTRE ESTAFAS Y GINGAS: LA PRESENCIA DE PELEAS EN LA ESCUELA SECUNDARIA

 

Taís Novais de Souza Descrição: download Descrição: Lattes

           Universidade Estadual de Montes Claros, Januária (MG), Brasil

          E-mail: tais200novaes@gmail.com

 

          Daniel Venâncio de Oliveira Amaral Descrição: download Descrição: Lattes

        Universidade Estadual de Montes Claros, Januária (MG), Brasil

       E-mail: dvoamaral@gmail.com

 

Data de Submissão:02/12/2023 - Data de Publicação: 23/04/2024

Como citar: SOUZA, T. N.; AMARAL, D. V. O. Entre golpes e gingas: a presença das lutas no ensino médio. Revista Eletrônica Nacional de Educação Física - RENEF, v. 15, n. 23, jun. 2024. https://doi.org/10.46551/rn2024152300087

 

RESUMO

A luta é um conteúdo que oferece um rol expressivo de ganhos afetivos, cognitivos, motores e sociais. A disciplina de Educação Física apresenta-se como um agente de importância ímpar para haver a fruição, no âmbito escolar, de um espectro diversificado de gestualidades e movimentos nas diversas práticas corporais inseridas na disciplina, sendo as lutas incorporadas nesse ensejo. Tomando como objeto de análise 4 escolas públicas estaduais, instaladas na sede citadina de Januária, cidade situada no Norte mineiro, este artigo descreve e interpreta a presença das lutas no Ensino Médio. De forma mais específica, buscou-se avaliar se as práticas de combate são desenvolvidas nas aulas, as modalidades mais recorrentes, dificuldades para aplicabilidade, possíveis correlações entre lutas e compartamentos violentos, e, por fim, se os docentes dialogam com os planos de curso que referenciam o trabalho  da Educação Física escolar, em Minas Gerais. Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo e de corte transversal, com o espectro informativo subsidiado por um questionário adaptado, contando com a participação de 9 professores. Em linhas, o conjunto de dados arrolados na pesquisa revela que a maior parte dos professores cotejados desenvolvem o conteúdo nas aulas, não enxergam relações explícitas entre lutas e comportamentos violentos, bem como utilizam o currículo estadual para balisar suas atuações. Na mesma esteira, constatou-se, ainda, um repertório variado de práticas de combate ministradas pelos docentes, sendo a capoeira a modalidade com maior ocorrência de registros.  

Palavras Chave: Lutas. Educação Física. Ensino Médio. Januária, MG.

 

ABSTRACT

The fights are subjects that offers an expressive role in affective, cognitive, motor and social gains. The discipline of Physical Education presents itself as an agent of unique importance for the fruition, within the school environment, of a diverse spectrum of gestures and movements in the different bodily practices included in the discipline, with internal struggles in this teaching. Taking as the object of analysis 4 state public schools, located in the city of Januária, a city located in the North of Minas Gerais, this article describes and interprets the presence of fights in high school. More specifically, we seek to evaluate whether combat practices are developed in classes, the most recurrent modalities, difficulties in applicability, possible correlations between fights and violent compartments, as well as whether teachers dialogue with the course plans that reference the work of school Physical Education in Minas Gerais. This is a quantitative, cross-sectional study, with the information spectrum supported by an adapted questionnaire, with the participation of 9 teachers. In short, the set of data listed in the research reveals that most of the teachers compared develop the subject in classes, as well as using the state curriculum to guide their actions, and do not see explicit relationships between fights and violent behavior. In the same vein, there was also a varied repertoire of combat practices taught by teachers, with capoeira being the fight with the highest number of records.

Keywords: Fights. Physical education. High school. Januária, MG.

 

                                             RESUMEN

Pelear es un contenido que ofrece una importante lista de beneficios afectivos, cognitivos, motores y sociales. La disciplina de Educación Física se presenta como un agente de singular importancia para el disfrute, en el ámbito escolar, de un espectro diverso de gestos y movimientos en las diversas prácticas corporales incluidas en la disciplina, incorporándose a esta oportunidad las luchas. Tomando como objeto de análisis 4 escuelas públicas estatales, ubicadas en la ciudad de Januária, ciudad ubicada en el norte de Minas Gerais, este artículo describe e interpreta la presencia de luchas en la escuela secundaria. Más específicamente, se buscó evaluar si en las clases se desarrollan prácticas de combate, las modalidades más recurrentes, las dificultades de aplicabilidad, las posibles correlaciones entre peleas y conductas violentas y, finalmente, si los docentes dialogan con los planes docentes que referencian el trabajo de la escuela de Física. Educación en Minas Gerais. Se trata de un estudio descriptivo, cuantitativo y transversal, con el espectro de información sustentado en un cuestionario adaptado, con la participación de 9 docentes. En definitiva, el conjunto de datos recogidos en la investigación revela que la mayoría de los docentes comparados desarrollan los contenidos en las clases, no ven relaciones explícitas entre peleas y conductas violentas, y utilizan el currículo estatal para guiar sus acciones. En la misma línea, también existió un variado repertorio de prácticas de combate impartidas por profesores, siendo la capoeira la modalidad con mayor número de registros.

Palabras clave: Peleas. Educación Física. Escuela secundaria. Januária, MG.

 

 

INTRODUÇÃO

 

As lutas configuram-se como conteúdo importante nas aulas de Educação Física, visto que sua fruição pode contribuir com o desenvolvimento motor, controle do tônus muscular, aprimoramento da lateralidade, coordenação global, equilíbrio, noções de corpo e espaço temporal. Segundo Ferreira (2006), o trabalho com práticas de combate, para além dos aspectos citados acima, oferece possibilidades de avanços nos eixos cognitivos por atuar na melhora do raciocínio, percepção, atenção e formulação de estratégias. Soma-se, nessa junção de variáveis positivas, os ganhos sociais e afetivos dos praticantes de diferentes modalidades de lutas, a exemplo da postura no meio social, perseverança, socialização, ou ainda, questões que envolvem respeito ao próximo.

Disputas corporais são trabalhadas em diversos espaços públicos e privados, atingindo grupos sociais diferenciados, sendo a escola um desses lugares. De acordo com Nascimento (2008, p. 37), a inserção do conteúdo luta no ambiente educacional justifica-se no bojo do entendimento de que, os esportes de combate são “produções humanas carregadas de significados construídos historicamente e que estabelecem relações constantes com e nas sociedades onde estão inseridas e, portanto, um significativo conteúdo a ser estudado na escola”.

Reconhecendo sua importância e o amplo espectro de possibilidade de trabalho com a luta, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento produzido, em 2018, pelo Ministério da Educação, com o intuito de nortear “o conjunto de aprendizagens essenciais dos estudantes brasileiros”, insere os esportes de combate no eixo temático das linguagens, que incorpora as disciplinas educacionais de Artes, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa. Segundo esse documento do governo federal, a aprendizagem das linguagens tem por responsabilidade oportunizar a efetivação de habilidades e reflexões nas áreas “artísticas, corporais e verbais”  (Brasil, 2018, p. 482).                       

Nessa perspectiva, a disciplina de Educação Física possibilita, de maneira ímpar, um estrapolamento da gestualidade e dos movimentos nessas diversas práticas corporais, abarcando distintos grupos culturais, incutindo valores, análises de produções e materializações de experiências (Brasil, 2018).

As modalidades de enfrentamento ao lado dos conteúdos de jogos, brincadeiras, esportes, ginástica, danças e práticas corporais de aventuras fazem-se presentes nos currículos da rede básica de ensino, estrutura educacional que, nas palavras de Cury (2008, p. 294), “é um direito e também uma forma de organização da educação nacional” , sendo constituída das seguintes etapas: Educação Infantil (4 a 5 anos), Ensino Fundamental I (6 a 10 anos) e II (11 a 14 anos) e Ensino Médio (15 a 18 anos). Na tarefa de compor o escopo curricular das etapas supracitadas, as lutas são reconhecidas pela BNCC como: “disputas corporais, nas quais os participantes empregam técnicas, táticas e estratégias específicas para imobilizar, desequilibrar, atingir ou excluir o oponente de  um determinado espaço, combinando ações de ataque e defesa” (Brasil, 2018, p. 218).

Vis-à-vis, emergindo de forma mais detalhada no Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG) do Ensino Médio, que tem como base os conteúdos explicitados na BNCC, a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais disponibiliza a cada ano, desde 2020, no site da instituição, os Planos de Curso que norteiam o trabalho dos docentes no cotidiano das escolas. Logo, há inclusão do profissional de Educação Física por trazer, no corpo do documento, o conteúdo disciplinar que é trabalhado em cada etapa da Educação Básica.

Nessa direção, ao debruçarmos nos Planos de Curso da Educação Física, produzidos em Minas Gerais,  no ano de 2023, o documento sugere, para 1º ano do Ensino Médio, que o aluno tome conhecimento das lutas de domínio, a exemplo do Sumô, Jiu-jitsu e Judô. A partir da fruição das práticas corporais indicadas, se propõe uma abordagem distintiva entre luta e briga, de modo a compreender, dessa forma, os conceitos históricos constitutivos dessas manifestações.

No 2º ano, o documento indica o ensino de Capoeira, Taekwondo, Muay thai e Boxe, resgatando suas trajetórias históricas, além da fruição de principais golpes, organização de rodas e adaptações do espaço escolar.

Já, no 3º ano, o documento sugere um trabalho mais específico para executar a Capoeira, com direcionamentos pedagógicos, por meio da aplicação nas aulas. Sendo assim, apresentam os conhecimentos, os saberes e as práticas dessa manifestação corporal expressa em ritos, regulamentos, competições, graduações, rodas, batizados ou ainda festivais de Capoeira.

A pesquisa ora em tela buscou analisar e descrever a presença das lutas nas aulas de Educação Física do Ensino Médio. De forma mais específica, tomando como objeto de estudo 4 escolas da rede pública estadual do município de Januária, buscou responder se as práticas de combates são desenvolvidas nas aulas, as modalidades mais recorrentes, dificuldades para aplicabilidade, possíveis correlações entre lutas e compartamentos violentos, bem como se os docentes dialogam com os planos de curso que referenciam o trabalho  da Educação Física escolar, em Minas Gerais.

Dado o exposto, diante do amplo leque de possibilidades de trabalho com lutas, evidenciado pela presença privilegiada das modalides de combate nos currículos escolares, a investigação deste tema na rede básica de ensino oferece duas contribuições principais. Primeira, amplia o universo de referências acadêmicas acerca do assunto. Segunda, municia profissionais da Educação Física de subsídios científicos para haver uma compreensão mais aguçada do ensino das lutas no meio escolar. 


 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo e de corte transversal. Segundo Pereira e Ortigão (2016, p. 69), esse tipo de metodologia é indicada para “responder a questionamentos que passam por conhecer o grau e a abrangência  de determinados traços em uma população”. O campo de investigação constituiu-se das 4 escolas públicas estaduais que oferecem o Ensino Médio na sede citadina de Januária, município situado no Norte mineiro, cuja população, segundo censos demográficos atualizados, é calculada em 65.130 moradores (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023).

Fizeram parte da amostra todos os profissionais de Educação Física que atuam nas instituições citadas acima, quer sejam, 9 docentes de ambos os sexos, subdivididos em 5 mulheres e 4 homens, com idades compreendidas entre 25 e 50 anos. Os critérios de inclusão e exclusão dos professores ocorreram nos seguintes termos: inclusão, docentes graduados em Educação Física e que aceitaram participar de forma voluntária desta pesquisa; exclusão, profissionais que recusaram assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) ou não responderam completamente o questionário.

Inicialmente, contactou-se as direções escolares, em que foi explicado o interesse do projeto e a metodologia. Neste momento foi apresentado o Termo de Concordância da Instiuição (TCI). Posteriormente, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura dos profissionais de Educação Física. Simultaneamente, promoveu-se o agendamento para aplicação do questionário.

O instrumento de coleta de dados constituiu-se de um questionário adaptado de Ferreira (2006), que aborda o tema das lutas na Educação Física escolar. O questionáio contou com 5 questões de múltipla escolha, que buscaram informações acerca dos esportes de combate ministrados no Ensino Médio, com os desiderados informativos circunscritos, em síntese, nos seguintes eixos de interesses: 1) as lutas são desenvolvidas nas aulas de Educação Física? Caso a resposta seja positiva, qual o repertório trabalhado? 2) Quais as dificuldades para efetivar sua aplicação? 3) As lutas constituem-se como elemento motivador para comportamentos agressivos dos alunos? 4) As aulas de Educação Física dialogam com o Plano de Curso mineiro que rege essa fase escolar? 5) O professor entende como importante trabalhar com o conteúdo lutas?

Os dados foram avaliados com utilização do programa Excel, sendo os resultados apresentados por meio de porcentagem, incutidos em gráficos, bem como descrições no corpo do texto.

No decorrer da pesquisa, respeitou-se o aspecto ético, observando-se as recomendações da Resolução número 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das diretrizes e normas que regulamentam pesquisas que envolvem seres humanos (Brasil, 2023). Desse modo, o número do parecer é 6.196.369 e teve sua aprovação datada do dia 23 de julho de 2023. 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos questionários arrolados nesta pesquisa revelam que as práticas de combate inserem-se dentro de um universo privilegiado de trabalho dos docentes e de fruição dos escolares. De forma mais detalhada, dos 9 professores que compõem o escopo investigativo, ao serem inquiridos se desenvolvem o conteúdo das lutas nas aulas de Educação Física, 7 (78%) afirmaram que utilizam o tema, ao passo que apenas 2 (22%) apontaram para haver uma negativa na escolha desse conteúdo.

Gráfico 1 Você trabalha com o conteúdo de lutas nas aulas de Educação Física?

 

 

 

 

 

 

 

         Fonte: Próprio Autor

O gráfico acima explicita, em alguma medida, pelo menos no recorte que envolve as escolas públicas estaduais que trabalham com Ensino Médio, no perímetro urbano januarense, um movimento gradual do ensino das lutas na Educação Básica, incrustrando-se, de modo alvissareiro, na vivência profissional dos professores.

Essa constatação inicial é verdadeiramente importante, posto que, pesquisas acerca deste tema, datadas de menos de uma década enfatizaram, naquele momento, uma sensível resistência dos professores na abordagem das diferentes práticas de combate e suas possibilidades reflexivas e corporais. Rufino e Darido, por exemlo, no ano de 2015, em análise do ensino das lutas na Educação Física escolar, trouxeram conclusões que apontaram para preocupantes restrições da utilização dos esportes de enfrentamento, ficando as lutas carecendo, nas palavras dos autores, “da falta de abordagem dessas práticas, ou ainda, com formas superficiais de se ensinar esses conteúdos” (p. 516). Nessa consonância, ainda em 2015, Matos et al., tratando dessa temática, chegaram a conclusão semelhante: “  pelo  menos  três  décadas  se  discute  a  necessidade  de  diversificação  dos  conteúdos  na Educação  Física  e  um  tratamento  pedagógico que  supere  práticas  tecnicistas. Apesar disso, as Lutas, têm enfrentado dificuldades em  sua  inserção” (p. 119).

Nos parecem ser recente, portando, indícios mais perceptíveis de uma estimulante reviravolta, embora traçar uma linha do exato momento de virada para esse novo cenário de presença mais efetiva das lutas na Educação Básica tenha fugido aos desideratos desta pesquisa. O fato é que, no quadro atual, evidenciado neste curto recorte, nota-se uma tentativa dos professores de buscarem alternativas de aulas que fujam da exclusividade das práticas esportivas tradicionais, a exemplo do basquetebol, handebol, voleibol e futsal. Neste esforço, a luta, aos poucos, tem adquirido algumas “jardas”, no linguajar esportivo, à medida que se afirma como tema relavante e até impressindível nas aulas de Educação Física.   

Já, no que diz respeito ao repertório das práticas de enfrentamento, o questionário apresentou as modalidades que são citadas nominalmente no Plano de Curso de Minas Gerais do ano de 2023. Os professores cotejados, que responderam positivamente efetivar o trabalho com lutas, puderam informar mais de uma alternativa. Os resultados deste questionamento foram instigantes, sugerindo uma variedade relativamente significativa de disputas corporais ministradas pelos professores, no ambiente escolar.

O Gráfico 2 revela que a Capoeira apresentou maior incidência de registros,  sendo mencionada por 6 (28,57%) professores, que foi seguida pelo Muay thay e Judô, com 4 (19,05%), o Jiu-jitsu, com 3 (14,29%), e o boxe, com 2 (9,52%) menções. Por fim, o menor alcance foi do Sumô e do Taekwondo, com 1 (4,76%) menção cada.

Gráfico 2 Se a resposta for positiva, marque as opções de lutas que você trabalha

 

 

 

 

    

 

     Fonte: Próprio Autor

O maior alcance da Capoeira e sua preferência entre os professores cotejados, pode ter relações, entre outras coisas, com sua tragetória longeva, originalidade e penetrabilidade na sociedade brasileira. Souza e Oliveira (2001, p. 44) apontam para a “historicidade” desta prática ao elencar seu destacado papel nos processos de resistência dos cativos no período da escravidão, assumindo, nesse contexto, uma autenticidade que permeia parte da identidade nacional, concomitantemente, processos que, na visão desses autores, “fundamentam a capoeira enquanto conteúdo da Educação Física”. A modalidade, no curso da história, enfrentou resistência e preconceito, caminhando, gradativamente, segundo Silva et al. (2019, p. 105), na direção da quebra de paradigmas, havendo, atualmente, nas palavras dos autores, “uma abertura maior para a capoeira, uma vez que ela possuí um caráter educacional e formativo”.

Soma-se aos fatores relatados, o fato da Capoeira ser o estilo de luta com maior número de incursões científicas, com presença reiterada em estudos que tratam da gênese e desenvolvimento histórico ou ainda do alcance e fruição no meio escolar (cf., por exemplo, Paula; Bezerra, 2014; Ponso; Araújo, 2017; Silva, 2020). Essa presença privilegiada, na literatura acadêmica, parece contribuir para haver o destaque dessa preferência entre os docentes, uma vez que, o avultado número de publicações oferece maiores subsídios informacionais da realidade e do trato dessa modalidade.

Por outro lado, ao si contrapor a preferência da Capoeira, o Sumô e o Taekwondo foram as modalidades de menor presença nas aulas. Embora seja diminuta a produção de investigações da presença desses estilos na realidade escolar brasileira, o que é um indício de desprestígio, alguns trabalhos discorreram acerca das possíveis variáveis que podem explicar suas fruições rarefeitas. No caso do Sumô, de acordo com Werneck (2022), há como barreira ao uso dessa abordagem nas aulas, a existência de estigmas e preconceitos em torno da modalidade. Já, no que diz respeito ao Taekwondo, Tiago (2008, p. 64) aponta a existência da correlação entre as instâncias de sua prática e a violência. Assim, reforça este argumento, em que o autor ainda relata: “quando se pensa na palavra luta, ou mesmo na atividade de Taekwondo nas aulas, primeiramente se associa a contato corporal, chutes, socos, quedas, disputa, atitudes agressivas”.                                 

Diante deste cenário, com os vínculos de força entre práticas de combate de maior ou menor grau de importância e o espraiamento no meio escolar, os professores participantes desta pesquisa foram indagados se o ensino das lutas é um importante elemento de trabalho nas aulas. O resultado foi unânime, posto que todos afirmaram que sim.

Gráfico 3 Você acha importante a presença deste conteúdo nas aulas de Educação Física?

 

 

 

 

 

 

 

      Fonte: próprio autor

Essa percepção da importância do ensino das lutas, difundida e compartilhada pelos professores de Educação Física que atuam no Ensinos Médio das instituições públicas estaduais urbanas, em Januária, reforçam os indícios comprobatórios deste novo momento experimentado pelas práticas de combate no sistema básico da educação brasileira. Efetivar-se-ia, em movimento contínuo e transformador, uma inadiável valorização do ensino das lutas, processo que é defendido, às vezes, em tons de críticas e desapontamentos, por diversos estudiosos. Como bem argumenta Harnisch et al. (2018, p. 182), o esporte de combate é parte inseparável dos costumes da sociedade circundante, e, independente da modalidade, é primordial que o profissional de Educação Física tome ciência que esse conteúdo, quando aplicado de forma eficaz, oferece uma gama variada de possibilidades de trabalho, a exemplo de “respeito às regras, a hierarquia e a disciplina”, ou ainda, em outra frente, “valorizando a preservação da saúde física e mental de seus praticantes”.

Naturalmente, o ensino das lutas exige dos profissionais de Educação Física algum conhecimento das modalidades e percepções particulares da necessidade de aplicação nas aulas. Por outro lado, requer da escola algum grau de organização e oferta de espaços e materiais. Logo, não adiante apenas o professor ou a escola ter interesse na materialização dessas práticas nas vivências dos alunos. É necessário, como é prezumível, condições mínimas de trabalho que pode incluir interesse, experiência e estrutura física convidativa.

É nesses termos que a pesquisa indagou os professores da maior dificuldade que poderia, de alguma forma, oferecer barreiras na oferta das lutas, na plenitude das aulas ministradas. No recorte dos 9 professores, 3 (33%) afirmaram não possuir dificuldades para trabalhar com o tema. Em sentido ligeiramente diferente, outros 6 (67%) elegeram alguma variável dificultadora entendida como principal no trato das lutas, sendo, detalhadamente, 3 (33%) registros queixando-se da ausência de condições físicas, 2 (22%) registros queixando-se do escaceamento de materiais, e, com a menor recorrência, 1 (11%) registro confirmando falta de experiência.

 

Gráfico 4 Para o professor que se propõe trabalhar com o conteúdo de lutas na escola, qual a principal dificuldade para sua efetivação entre os alunos?

 

 

 

 

 

 

    

     Fonte: próprio autor

O gráfico acima é emblemático em revelar que, apesar da aparente difusão temática e espacial do ensino das lutas, existem ainda, no corpo deste movimento de disseminação, obstáculos que ainda dificultam sua maior inserção. Nada obstante, como bem argumentou Ferreira (2006), essas adversidades não podem ser entendidas como muros intransponíveis. Pelo contrário, o professor deve buscar, como meio de superação, “capacitação, trocar experiências com os colegas ou recorrer ao vídeo e à ajuda de especialistas”. Em sentido adjacente, esse autor recomenda ainda, no caso da limitação de espaço, a improvisação, “realizando suas atividades na  própria  sala  de  aula  (tendo  o  cuidado  com  a preparação  do  espaço)  ou  oferecendo  aos  alunos uma  aula  de  campo  (visita  a  academias,  por exemplo)” (p. 43).                                                                                                                     Outro aspecto surpreendente da pesquisa, que incinde para, sugestivamente, reforçar a conjecturação desse novo momento das lutas no ensino público básico, é a negativa de quase todos professores que fizeram parte desse recorte, em associar a modalidade de combate com violência. Nesse sentido, conforme demonstrado no Gráfico 5, dos 9 professores cotejados, 8 (88,89%) responderam  não entender que as lutas podem promover compartamentos violentos, enquanto, por outro lado, apenas 1 (11,11%) professor relatou perceber relações entre práticas de combate e influências de violência nos alunos.

Gráfico 5 Você acha que seus alunos se tornariam mais agressivos ao praticarem lutas?

 

 

 

 

 

 

   

Fonte: próprio autor

Diferentemente desse entendimento, os estudiosos que traziam a prática escolar das lutas no referencial investigativo, em pesquisas publicadas no escopo temporal de menos de uma década, enfatizaram, não raras vezes, que a percepção dos professores inclinavam-se na observância das práticas de combate como uma via certeira para afloramento de compartamentos violentos. Um exemplo nessa direção pode ser encontrado na pesquisa de Lage et al., datada de 2016, em que os autores deixaram transparecer essa instância de ligação ao afirmarem que: “o tema lutas é um dos mais difíceis de introduzir na escola, pela falta de espaço, vestimenta, material e associação à violência” (p. 10).

O presente trabalho, diante dos dados obtidos, no que tange à influência da luta em comportamentos violentos, corrobora com resultados de outros estudos recentes, que relativizaram essas estreitezas dos vínculos entre lutas e violência, substanciados no imaginário dos professores, o que é mais um indicativo dessa transmutação das modalidades de combate, na realidade presente. Lopez et al., em pesquisa de 2019, na contramão da hipótese inicial da pesquisa, que partia da ideia da luta enquanto estimuladora da “agressividade nos educandos”, concluiram, com certa supresa, que “a maioria dos educadores assegurou que  o  conteúdo  e  a  aplicação  das  lutas  não  gera  violência,  nem  mesmo  aumenta  a agressividade” (p. 10).                                            

Por fim, os professores foram chamados a refletir acerca do Plano de Curso de Minas Gerais, mais precisamente, se seguiam o cronograma curricular, nas questões que abordam o material de apoio ao ensino das lutas, produzido pela Secretaria de Educação do governo do estado. Conforme revela o Gráfico 6, 7 (77,78%) professores responderam que tomam o documento como balisa norteadora das aulas. De outra parte, 2 (22,22%) professores responderam não se valer desse documento.     

Gráfico 6 Você utiliza as modalidades de lutas que são norteadas pelos Currículos de ensino ?

 

 

 

 

                  Fonte: próprio autor

    Este resultado pode ser avaliado sob dois prismas. Primeiro, uma parte significativa dos professores que compõem o recorte investigativo, entendem o Plano de Curso de Minas Gerais como documento capaz de oferecer subsídios temáticos e diretivos, que serve, nesses termos, como principal referencial para fazer a escolha das modalidades e dos eixos de trabalho do tema lutas. Segundo, ainda que em menor número, é notório que uma parte dos professores, no recorte januarense, apresentam algum tipo de resistência no uso desse documento, o que sugere um desconhecimento, ou uma percepção do arrefecimento da autonomia, ou ainda por não considerar relevante os conteúdos sugeridos. Com efeito, em razão da quase inexistência de pesquisas que tenham como intento principal avaliar as lutas e o uso de currículos oficiais, não é possível oferecer indícios mais claros dos motivos da adoção ou rejeição destes documentos normatizadores. Tal discussão, embora tenha escapado aos interesses da atual pesquisa, apresenta-se como uma incursão acadêmica urgente e inadiável, sendo objeto de análise em outra oportunidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, o conjunto de dados arrolados nesta pesquisa revela que a maior parte dos professores que atuam no Ensino Médio, em escolas públicas estaduais da cidade de Januária, desenvolvem o conteúdo lutas, não enxergam relações explícitas entre lutas e comportamentos violentos, bem como utilizam o currículo estadual para balisar suas atuaçoes. Nessa esteira, constatou-se, ainda, um repertório variado de práticas de combate ministradas pelos docentes, sendo a Capoeira a modalidade com maior ocorrência de registros.  

Essas constatações, ainda que se trate de uma pesquisa introdutória, permeada de falhas e lacunas, sugerem um novo momento experimentado pelas práticas de combate no sistema público educacional. O conteúdo das lutas, evidenciado no presente recorde, apresenta-se mais presente, “golpeando”, progressivamente, as barreiras limitadoras que permeavam a prática a menos de uma década. Esperemos que essa breve e estimulante avaliação encoraje novas incursões acadêmicas que ofereçam, igualmente, elementos inéditos da presença das lutas nas aulas de Educação Física, fornecendo, ao mesmo tempo, para professores e gestores educacionais, subsídios informacionais, que possam auxiliar na efetivação concreta e generalizada das modalidades de enfrentamento nas escolas brasileiras.

           

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