REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
Com
a aprovação da lei 10.216 de 2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica
e que dispõe sobre os direitos e a proteção da pessoa em sofrimento mental,
começou um redirecionamento no tratamento e assistência em saúde mental no
Brasil, a partir da gradativa substituição dos serviços com características
asilares por serviços abertos e comunitários.(1)
A
principal proposta de serviço comunitário e aberto para a assistência no campo
da saúde mental foram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), instituídos no
ano de 2002. Os CAPS sãos serviços que pertencem à Rede de Atenção à Saúde do
Sistema Único de Saúde (SUS) e que tem como finalidade oferecer tratamento para
pessoas em sofrimento mental severo e persistente, atuando como ambulatórios e
na lógica territorial, independentes dos serviços hospitalares.(2)
Atualmente,
no Brasil, existem 07 modalidades de Centros de Atenção Psicossocial: CAPS I,
CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS ad, CAPS ad III, e CAPS IV. Cada uma das
modalidades é direcionada para regiões demográficas, estratégias, abordagens,
ações, serviços e públicos distintos, sendo uma delas para atendimento de
crianças e adolescentes e outras três para o atendimento exclusivo de pessoas
em sofrimento mental pelo uso abusivo de crack, álcool e outras drogas.(2,3,4)
Os
principais serviços ofertados nos CAPS são: atendimento individual; atendimento
familiar; atendimento em grupo; acolhimento diurno, terceiro turno e noturno;
oficinas e grupos terapêuticos; tratamento medicamentoso; educação em saúde;
acompanhamento domiciliar; atenção às crises; práticas que visam à reabilitação
psicossocial; promoção da saúde mental, entre outras.(3,5)
Para desenvolver essas atividades e serviços, os CAPS contam
com um conjunto de profissionais de nível médio e superior com diferentes
formações atuando na assistência direta e indireta dos usuários do serviço.
Além disso, nos últimos anos o número de CPAS cresceu consideravelmente no
país, sendo eles, também um serviço público que tem um papel formador dentro da
política do SUS.(6,7)
Sabendo
que o SUS tem grande responsabilidade na formação para saúde, os CAPS se tornam
campos para práticas de estudantes de diversos cursos de graduação e também
programas de residência, para desenvolver habilidades e práticas para a
formação e para o trabalho, dentro do modelo de tratamento de saúde mental
preconizado pelas políticas públicas existentes, preparando esses estudantes
para as diversas situações na assistência em saúde mental pública.(6,8)
Para
os programas de Residência na área da Saúde Mental, que tem o objetivo de
formar profissionais através das práticas nos próprios serviços de saúde, é
imprescindível que esses profissionais inseridos nesses programas passem um
período da residência atuando nos CAPS para conhecer o sistema, ter aproximação
com os profissionais e usuários no intuito de desenvolver suas habilidades para
a assistência na atenção psicossocial.(9)
Essa
vivência nos CAPS permite aos residentes ter compreensões, sentidos e
percepções sobre como o serviço vem sendo desenvolvido, quais as fragilidades e
potencialidades que o trabalho apresenta e de que forma ele contribui para a
assistência dos usuários e na formação de novos profissionais para a saúde
mental.(9)
Desse
modo, o presente estudo teve como objetivo conhecer a percepção dos enfermeiros
egressos de um programa de residência em saúde mental sobre os Centros de
Atenção Psicossocial.
MÉTODOS
Trata-se
de uma pesquisa com abordagem qualitativa, caracterizada como exploratória. A
pesquisa qualitativa permite uma aproximação e aprofundamento da temática
através das percepções, sentidos e subjetividades de cada indivíduo.(10)
Os
sujeitos da pesquisa formam os Enfermeiros Egressos de um Programa de
Residência em enfermagem em Psiquiatria e Saúde Mental de uma Instituição de
Ensino Superior (IES) de um estado da região nordeste do Brasil. Foram
incluídos os sujeitos que concluíram o programa até o ano de 2018 e excluídos
os que não conseguiram responder aos contatos para participação durante o
período da coleta, que correspondeu o período de abril até agosto de 2018.
O
estudo compreendeu uma amostra de 10 enfermeiros egressos, selecionados através
da técnica de amostragem intencional. A amostra do estudo seguiu as orientações
da pesquisa qualitativa(10), que não se preocupa com a quantidade
dos sujeitos mais com a subjetividade e contribuições de cada um, seguido dos
critérios de saturação para o número final de participantes incluídos no
estudo, que determina a interrupção de novos sujeitos quando os dados
produzidos passam a se tornar repetitivos.(11)
Os
participantes foram recrutados após o contato com a Supervisão de Pós-graduação
Latu Sensu da Instituição proponente
do programa através de busca ativa. Os sujeitos foram abordados de forma
individual em diversos cenários, como serviços de saúde, universidades, entre
outros.
Foi
utilizada a técnica da entrevista semiestruturada para a produção dos dados com
questionário aberto produzido pelos pesquisadores de acordo com o objetivo da
pesquisa. Houve gravação da entrevista em áudio consentida pelos participantes
e anotação em diário de campo. A duração média das entrevistas foi de 30
minutos.
Os
dados produzidos durante as entrevistas foram transcritos na íntegra. Para as
análises dos materiais, optou-se pela técnica de Análise de Conteúdo proposta
por Bardin(12), na modalidade Análise Temática. As falas dos
sujeitos foram agrupadas em temas que serão descritos nos resultados.
Para
assegurar o anonimato e sigilo dos participantes, os mesmos foram identificados
no estudo de E1 a E10, de forma aleatória. Todos foram informados sobre os
objetivos da pesquisa e receberam os esclarecimentos. Logo após foram
solicitadas as assinaturas dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.
Este
estudo seguiu os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos, sendo enviado
para o Comitê de Ética em Pesquisa e tendo aprovação através do CAAE nº
84575418.5.0000.5011.
RESULTADOS
Através
da análise das falas dos sujeitos, foram identificados dois grandes temas: Os
trabalhadores e o trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial; e A Enfermagem
nos Centros de Atenção Psicossocial.
Os Trabalhadores e o Trabalho nos
Centros de Atenção Psicossocial
Um
dos principais aspectos relacionados ao trabalho nos Centros de Atenção
Psicossocial, na percepção dos enfermeiros egressos, é o exercício da
interdisciplinaridade. Eles relatam que é uma característica muito forte,
prevalecendo o trabalho em conjunto desenvolvido por todos.
“É tudo bem misturado, o
trabalho é tão amarrado de forma interdisciplinar que a gente até esquece qual
a formação das pessoas ali, do que elas são formadas, né” (E10).
Os egressos relatam que nas equipes que trabalhavam de forma
interdisciplinar os resultados no processo da reabilitação psicossocial eram
bem visíveis, porém algumas equipes tinham dificuldade para atuar
interdisciplinarmente.
“Quando a gente chegou no CAPS
[...] a gente viu equipes que sabiam realmente, que trabalhavam juntos, que a
gente viu que os resultados fluíam melhor, mas também a gente via equipes que
não conseguiam trabalhar a interdisciplinaridade, viviam cada um no seu
quadradinho” (E1).
Outro
aspecto encontrado nas falas dos
egressos é que há engajamento por parte de alguns profissionais para trabalhar
apesar de todas as dificuldades encontradas, sejam esses fatores internos,
relacionados ao próprio processo de trabalho; ou externos, como questões
relacionadas à gestão dos serviços.
“Eu vi que existem
profissionais que são muitos engajados, que abraçam a causa mesmo e que tentam
fazer a diferença apesar de todas as dificuldades” (E1).
Embora
todo o engajamento e trabalhos por parte da maioria dos profissionais para
desenvolver suas atividades nos serviços de maneira efetiva e eficaz, existem
vários fatores que dificultam todo esse processo, como está descrito na fala a
seguir:
“Apesar
de todos os esforços que existem, né, porque quando a gente passa (...) a gente
pode ver de perto, né, que existe muito esforço, né, mas que existem muitas
barreiras que fazem com que o trabalho não ande como deveria andar” (E1).
Outro
fator encontrado nas falas dos egressos e que dificulta o desenvolvimento do
processo de trabalho nos CAPS é a falta de preparação dos profissionais,
relacionado tanto ao conhecimento sobre o processo de reabilitação psicossocial
quanto de habilidades específicas necessárias para o trabalho e que seriam
fundamentais para uma real efetivação das ações desenvolvidas. De qualquer forma, cada serviço apresenta
suas dificuldades.
“Eu acredito que essa
deficiência advém de profissionais que não estão preparados para trabalhar e é
isso que deixa a gente muito triste” (E2).
“Eu percebi que algumas
dificuldades das pessoas das equipes (...) é que talvez não tivessem algumas
habilidades que requeriam para a saúde mental. Mas, assim, a cada tipo de
serviço tinha as suas dificuldades” (E4).
Essa falta de conhecimento sobre a atenção
psicossocial leva alguns profissionais a interpretarem o trabalho nos CAPS
erroneamente e não atingindo seu objetivo que é promover a reabilitação
psicossocial das pessoas em sofrimento mental, como descreve o egresso a
seguir:
“Porque
infelizmente as pessoas não tem noção do que é o trabalho na saúde mental, acha
que não precisa de muita coisa, de nada praticamente. Acha que só é preciso ter
paciência pra trabalhar com os ‘doidinho’, que é assim que o povo pensa, e
fazer um grupo e que qualquer grupo que você faça vai valer a pena ali,
entende?” (E2).
Outra
característica identificada no trabalho dos CAPS é a tutela que existe entre os
profissionais e os usuários. Os profissionais, por zelarem excessivamente pela
proteção e cuidado com os usuários, acabam prejudicando o protagonismo e a
autonomia desses sujeitos nas situações cotidianos nos serviços.
“A gente percebe a questão
da tutela, tutoria, os profissionais eles se sentem muito pais daqueles
usuários e em outros serviços a gente não percebe isso” (E5).
Muitas
dessas dificuldades que existem nos CAPS são apontadas pelos egressos como
deficiência na articulação da gestão com os serviços e da forma como eles
interagem, como relata o egresso:
“Existem problemas lá na ponta que
dependem da gestão e questões da gestão que dependem também da atuação desse
profissional lá na ponta” (E8).
Os
egressos falam que muitos profissionais buscavam vencer os obstáculos e em alguns
casos recebiam treinamento dos próprios residentes. Essa busca por conhecimento
para melhorar o cuidado é vista de forma positiva pelos egressos, mas também
mostra o despreparo que há nos serviços.
“Isso é bom porque mostra
interesse por parte dos profissionais, mas mostra também a falta de
conhecimento, falta de preparo daquelas pessoas que estão ali atuando no
serviço e isso implica diretamente no tratamento daquelas pessoas” (E2).
Sobre
a responsabilidade da melhoria da assistência, há opiniões distintas entre os
egressos. Alguns dizem que deveria partir dos profissionais, outros falam que
isso depende de quem está gerenciando os serviços.
“Tem que partir dos próprios
profissionais mesmo, essa valorização, por quem escolheu a saúde mental, né”
(E6).
“Na gestão, que tem algumas
dificuldades na implementação das políticas públicas” (E4).
Todas
essas questões abordadas mostram uma preocupação por parte dos egressos, pois
os mesmos não conseguem enxergar muita mudança nos serviços.
A Enfermagem nos Centros de Atenção
Psicossocial
A
outra temática que ficou bastante evidente nas falas dos enfermeiros egressos
foi sobre a enfermagem, sua atuação nos CAPS e seu papel no processo da
reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento mental. Na percepção dos
egressos, a enfermagem se apresenta muito distante, não tendo tanta
visibilidade e aproximação no trabalho interdisciplinar mencionado
anteriormente.
O
trabalho interdisciplinar desenvolvido pelos profissionais, em especial os de
nível superior, tem um papel fundamental no processo de reabilitação
psicossocial, porém as ações menos perceptíveis são da enfermagem.
“A gente visualizar a
enfermagem na equipe interdisciplinar e destacar a enfermagem tá difícil.
Então, a gente percebe assim, tá um trabalho geral, coletivo, mas que a gente
termina não identificando muito o trabalho do enfermeiro naqueles dispositivos”
(E5).
Enfermeiros,
técnicos e auxiliares de enfermagem são as categorias encontradas nos CAPS de
Maceió, onde cada uma tem atuações e funções distintas a depender da modalidade
dos serviços, porém os egressos relatam que as atividades são semelhantes e
bastante sistematizadas.
Os
egressos identificam que o enfermeiro fica restrito ao fazer burocrático, como
a triagem, a marcação de consultas, preenchimento de formulários, organização
dos prontuários, entre outras atividades administrativas, o que acabava
distanciando esses profissionais das atividades com os usuários, como as
oficinas e grupos terapêuticos.
“A gente não se aproximava
da enfermeira, né, a enfermeira ficava muito aos papeis burocráticos, mas,
assim, na atividade interdisciplinar, a gente não via tão presente” (E1).
A
enfermagem também fica muito relacionada à administração, organização dos
medicamentos dos usuários do CAPS, embora os egressos relataram que a
administração fica a cargos dos profissionais de nível médio, que são os
técnicos ou auxiliares, e ao enfermeiro cabe a supervisão.
“Quem
faz medicação é o técnico, o enfermeiro não precisa fazer” (E7).
Embora
a administração de medicamentos seja de competência dos profissionais de
enfermagem, os egressos falam que a enfermagem poderia atuar junto da equipe
nas ações mais coletivas, como expressa o egresso:
“Eu acho que ainda na equipe
de saúde mental ela ainda precisa se engajar um pouco mais, pra fazer parte
ativamente dessa equipe, não ficar só nessa parte medicamentosa” (E6).
Essa
característica do trabalho de administração de medicamentos é tão forte na
enfermagem, que esse profissional acaba sendo referência até mesmo para a
dispensação de medicamentos na ausência do profissional farmacêutico, como
relata o egresso:
“Na
época uma enfermeira tava de licença, então o funcionamento já não tava normal,
né, porque a outra enfermeira ficava cobrindo a farmácia porque a farmacêutica
tava de férias, então pra cobrir a farmácia ela ficava lá (...) só dispensando
remédio, no CAPS” (E6).
Por
se apropriar dessas atividades mais burocráticas e medicamentosas, a enfermagem
acaba não desempenhando tantas ações interdisciplinares com os demais
trabalhadores dos CAPS. Esse afastamento das atividades coletivas torna o fazer
da enfermagem bastante invisível.
“Porque o papel da
enfermagem nos CAPS, que é o que eu vivenciei na minha época, era que a figura
do enfermeiro era muito invisível” (E10).
Os egressos também relatam que alguns dos
enfermeiros que estão trabalhando nos CAPS não possuíam formação ou
especialização em saúde mental, como preconiza o Ministério da Saúde.
“Tem
enfermeiras hoje trabalhando em CAPS que não são especialistas em saúde mental,
quando a gente sabe que a partir do CAPS II a enfermeira precisa ser
especialista em saúde mental” (E3).
Essa
falta de especialização na área da saúde mental pode ser determinante para o
desenvolvimento das ações da enfermagem, segundo os egressos.
DISCUSSÃO
A
importância da interdisciplinaridade no trabalho em saúde mental é
indiscutível, mas muitas vezes esse trabalho interdisciplinar é entendido por
parte dos profissionais apenas como trabalhar junto, em equipe. Há uma grande
diferença entre trabalhar em equipe e trabalhar de forma interdisciplinar.
Contar com o apoio de um profissional do serviço e que seja de formação
diferente não confere ao trabalho a característica interdisciplinar.(13)
É preciso
que o conhecimento específico de cada formação se interaja e construa junto
ações e estratégias integradas e que são necessárias para alcançar os objetivos
estabelecidos pelas equipes para a reabilitação psicossocial dos indivíduos que
fazem tratamento nos serviços. Um fato é que o profissional que tenha
dificuldade no trabalho em equipe também terá dificuldade de trabalhar de forma
interdisciplinar.(13)
O
trabalho desenvolvido nos CAPS depende muito do comprometimento dos
trabalhadores com esse processo. Mesmo que os CAPS possuam recursos e
instrumentos para promover a reabilitação dos indivíduos, se os profissionais
não estiverem comprometidos é bem provável que o processo tenha algumas
lacunas. O engajamento dos profissionais permite que as dificuldades externas e
principalmente internas encontradas nos serviços sejam superadas.(5)
A formação específica para o trabalho no modelo da atenção
psicossocial é um problema. Um estudo de Ribeiro(6) realizado com os
trabalhadores dos CAPS de Alagoas mostra que essa falta de formação específica
para a área causa certo distanciamento entre os profissionais, o que por sua
vez também dificulta o trabalho interdisciplinar mencionado anteriormente. Essa
deficiência na formação específica para o trabalho no CAPS é apontado por
outros autores como algo que vem desde a graduação até pela ausência de
capacitação pelo próprio serviço.(7)
É comum que os profissionais atuem nos CAPS com pouca ou
nenhuma experiência(14). Essa pouca experiência também é resultado
de como o modelo de atenção psicossocial vem sendo estruturado e existindo
concomitantemente ao modelo psiquiátrico(15). É imprescindível que a
gestão realize capacitações baseadas nas políticas públicas e no modelo da
atenção psicossocial para promover a qualificação dos trabalhadores. O ato de
capacitar os profissionais para o trabalho nos serviços de saúde mental permite
que o processo de reabilitação psicossocial seja compreendido e executado de
forma mais eficaz.(16)
O processo de trabalho na saúde mental é entendido como o
fazer dos profissionais, através dos meios e recursos existentes, com a
finalidade de alcançar os objetivos estabelecidos e que no modelo de atenção
psicossocial é proporcionar a integração do indivíduo em sofrimento mental na
família, no trabalho e na sociedade(16). Para que esse objetivo seja
alcançado, os profissionais precisam ter a compreensão do trabalho, do
propósito e ter, por parte dos serviços, os instrumentos necessários para que
as ações não sejam comprometidas ou realizadas sem propósito.(15)
A forma como o trabalho é desenvolvido nos CAPS revela muito
da compreensão por parte dos profissionais. A tutela dos usuários é algo
bastante frequente nos serviços de saúde mental de Alagoas(6). A
proteção exagerada do sujeito em sofrimento mental pode prejudicar o
desenvolvimento da sua autonomia e protagonismo nas diversas situações do
cotidiano, que por sua vez compromete também o objetivo da integração familiar
e social do usuário.(16)
A gestão dos serviços de saúde mental tem papel
importantíssimo em todo esse processo e precisa dar suporte aos profissionais e
aos usuários dos CAPS, seja em promover a capacitação desses trabalhadores, e
até mesmo em estratégias para melhoria da estrutura, da organização, aquisição
de recursos e instrumentos necessários para o trabalho(14). As
instituições de ensino superior podem se tornar parceiras da gestão no
desenvolvimento de melhorias para o serviço(17). Todas essas
estratégias devem ser valorizadas e são ótimas oportunidades de qualificação do
ensino e do serviço.(7)
No que diz respeito aos profissionais de enfermagem dos CAPS,
as percepções dos egressos corroboram com a pesquisa feita por Brandão et al(18)
com os enfermeiros dos CAPS de Maceió, relatando que esses profissionais estão
mais presentes nas atividades burocráticas e administrativas, dedicando pouco
tempo para as ações interdisciplinares, como as oficinas e grupos terapêuticos
e quando isso acontece, geralmente é com a participação de outros
profissionais. Os autores ainda falam, também, sobre a pouca qualificação para
que a enfermagem desempenhe melhor suas atribuições nos serviços.
A formação da enfermagem para o trabalho na saúde mental é
histórica e depende de como o profissional se enxerga dentro desse processo,
porém os cursos de graduação e nível técnico não dão conta de formar os
profissionais com instrumentos suficientes para o trabalho interdisciplinar que
é exercido nos CAPS(18). O trabalho com o acolhimento, administração
de medicamentos, educação em saúde se tornam as atividades mais executadas por
serem as que mais se aproxima do fazer da profissão, já nas atividades mais
coletivas a enfermagem não é tão expressiva.(19)
A pouca qualificação pode representar um obstáculo para que o
processo de trabalho da enfermagem flua como deveria nos CAPS, além de
prejudicar as ações de reabilitação psicossocial e causar insatisfação
profissional na equipe de enfermagem, por não conseguir contribuir
significativamente para os serviços, na perspectiva da interdisciplinaridade e
da integração no serviço. Essa questão poderia ser melhor resolvida se os
profissionais de enfermagem dos CAPS participassem de programas de educação
permanente em saúde sobre o trabalho no modelo de atenção psicossocial.(20)
É
importante enfatizar que a falta de capacitação para o trabalho em saúde mental
não é exclusivo apenas dos profissionais de enfermagem, mas é a realidade da
maioria dos trabalhadores que estão atuando nos CAPS de Alagoas.(6,14,15,18)
Apesar
das questões relevantes trazidas pela pesquisa, identificamos que existem
algumas limitações, como o fato das características sobre os trabalhadores, o
trabalho e a enfermagem serem regionais, podendo não representar os demais
serviços no país. Além de tratar-se apenas de percepções de enfermeiros que
passaram pelos serviços enquanto estudantes de um programa de residência de
saúde mental, necessitando de outras pesquisas com os demais profissionais dos
CAPS para compreender melhor esses aspectos.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O
presente estudo trouxe a percepção de enfermeiros egressos de um programa de
residência em saúde mental sobre os trabalhadores e o trabalho nos Centros de
Atenção psicossocial, além de algumas características referentes aos
profissionais de enfermagem que atuam nesses serviços. Embora esses egressos
tenham passado por outros dispositivos da Rede de Atenção psicossocial de
Alagoas, os CAPS são os principais serviços de referência ao atendimento e
tratamento das pessoas em sofrimento mental no estado.
As
características observadas pelos egressos mostram um pouco da realidade desses
trabalhadores e também uma impressão de como se dá a construção do processo de
reabilitação psicossocial, que depende muito do trabalho coletivo dos
profissionais e da gestão, para uma efetividade das ações desenvolvidas.
Referente à enfermagem, foi percebido certa invisibilidade das ações coletivas
e interprofissional desses profissionais, prevalecendo às atividades
específicas do trabalho.
É
preciso realizar outras pesquisas que permitam um aprofundamento sobre a
percepção dos próprios profissionais sobre seu trabalho e suas ações, para
melhor compreensão de como se dá o processo de reabilitação psicossocial e os
principais impasses que a rede e o serviço enfrentam para a assistência aos
usuários.
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