REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

 

Como citar este artigo

 

Silva JVS, Brandão TM. Os centros de atenção psicossocial na percepção dos enfermeiros egressos de uma residência de saúde mental. Rev Norte Mineira de enferm. 2019; 8(1):40-48.

Autor correspondente

 

John Victor dos Santos Silva 1.

Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas

Correio eletrônico:john.setedejulho@gmail.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NA PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS EGRESSOS DE UMA RESIDÊNCIA DE SAÚDE MENTAL

 

The psychosocial care centers in the perception of nurses egressed from a mental health residence

John Victor dos Santos Silva1, Thyara Maia Brandão2.

 

1. Graduando do curso de Enfermagem. Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.

2. Enfermeira. Especialista em Psiquiatria e Saúde Mental. Mestre em enfermagem. Professora da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.

 

 

 

Objetivo: descrever a percepção dos enfermeiros egressos de um programa de residência de Enfermagem em Saúde Mental sobre os Centros de Atenção Psicossocial de uma capital do Brasil. Método: Pesquisa com abordagem qualitativa, caracterizada como exploratória. Participaram 10 egressos submetidos à entrevista semiestruturada com questionário aberto. Foi realizada gravação em áudio e anotação em diário de campo. O material produzido foi analisado através da técnica de análise de Conteúdo, na modalidade Análise Temática. Resultados: das falas dos sujeitos emergiram as temáticas: “Os trabalhadores e o Trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial”, que se refere às características dos serviços; e “A Enfermagem nos Centros de Atenção psicossocial”, reverente às características desses profissionais nos serviços. Considerações Finais: Inúmeros fatores internos e externos relacionados ao trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial podem comprometer a efetividade de suas ações no processo de reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento mental.

 

Descritores: Serviços de Saúde Mental; Trabalhadores; Trabalho; Internato não Médico.

 

Objective: to describe the perception of nurses graduating from a Nursing residency program in Mental Health about Psychosocial Care Centers in a capital of Brazil. Method: Research with a qualitative approach, characterized as exploratory. Ten graduates who participated in the semi-structured interview with an open questionnaire participated. Audio recording and annotation in a field diary were performed. The material produced was analyzed using the content analysis technique, in the Thematic Analysis modality. Results: from the subjects' speeches, the themes emerged: “Workers and Work in Psychosocial Care Centers”, which refers to the characteristics of services; and "Nursing in Psychosocial Care Centers", reverent to the characteristics of these professionals in the services. Final Considerations: Numerous internal and external factors related to work in Psychosocial Care Centers can compromise the effectiveness of their actions in the process of psychosocial rehabilitation of people in mental distress.

 

Descriptors: Mental Health Services; Workers; Work; Intership, Nonmedical.

INTRODUÇÃO

 

Com a aprovação da lei 10.216 de 2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica e que dispõe sobre os direitos e a proteção da pessoa em sofrimento mental, começou um redirecionamento no tratamento e assistência em saúde mental no Brasil, a partir da gradativa substituição dos serviços com características asilares por serviços abertos e comunitários.(1)

 

A principal proposta de serviço comunitário e aberto para a assistência no campo da saúde mental foram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), instituídos no ano de 2002. Os CAPS sãos serviços que pertencem à Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e que tem como finalidade oferecer tratamento para pessoas em sofrimento mental severo e persistente, atuando como ambulatórios e na lógica territorial, independentes dos serviços hospitalares.(2)

 

Atualmente, no Brasil, existem 07 modalidades de Centros de Atenção Psicossocial: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS ad, CAPS ad III, e CAPS IV. Cada uma das modalidades é direcionada para regiões demográficas, estratégias, abordagens, ações, serviços e públicos distintos, sendo uma delas para atendimento de crianças e adolescentes e outras três para o atendimento exclusivo de pessoas em sofrimento mental pelo uso abusivo de crack, álcool e outras drogas.(2,3,4)

 

Os principais serviços ofertados nos CAPS são: atendimento individual; atendimento familiar; atendimento em grupo; acolhimento diurno, terceiro turno e noturno; oficinas e grupos terapêuticos; tratamento medicamentoso; educação em saúde; acompanhamento domiciliar; atenção às crises; práticas que visam à reabilitação psicossocial; promoção da saúde mental, entre outras.(3,5)

 

Para desenvolver essas atividades e serviços, os CAPS contam com um conjunto de profissionais de nível médio e superior com diferentes formações atuando na assistência direta e indireta dos usuários do serviço. Além disso, nos últimos anos o número de CPAS cresceu consideravelmente no país, sendo eles, também um serviço público que tem um papel formador dentro da política do SUS.(6,7)

 

Sabendo que o SUS tem grande responsabilidade na formação para saúde, os CAPS se tornam campos para práticas de estudantes de diversos cursos de graduação e também programas de residência, para desenvolver habilidades e práticas para a formação e para o trabalho, dentro do modelo de tratamento de saúde mental preconizado pelas políticas públicas existentes, preparando esses estudantes para as diversas situações na assistência em saúde mental pública.(6,8)

 

Para os programas de Residência na área da Saúde Mental, que tem o objetivo de formar profissionais através das práticas nos próprios serviços de saúde, é imprescindível que esses profissionais inseridos nesses programas passem um período da residência atuando nos CAPS para conhecer o sistema, ter aproximação com os profissionais e usuários no intuito de desenvolver suas habilidades para a assistência na atenção psicossocial.(9)

 

Essa vivência nos CAPS permite aos residentes ter compreensões, sentidos e percepções sobre como o serviço vem sendo desenvolvido, quais as fragilidades e potencialidades que o trabalho apresenta e de que forma ele contribui para a assistência dos usuários e na formação de novos profissionais para a saúde mental.(9)

 

Desse modo, o presente estudo teve como objetivo conhecer a percepção dos enfermeiros egressos de um programa de residência em saúde mental sobre os Centros de Atenção Psicossocial.

 

MÉTODOS

 

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, caracterizada como exploratória. A pesquisa qualitativa permite uma aproximação e aprofundamento da temática através das percepções, sentidos e subjetividades de cada indivíduo.(10)

 

Os sujeitos da pesquisa formam os Enfermeiros Egressos de um Programa de Residência em enfermagem em Psiquiatria e Saúde Mental de uma Instituição de Ensino Superior (IES) de um estado da região nordeste do Brasil. Foram incluídos os sujeitos que concluíram o programa até o ano de 2018 e excluídos os que não conseguiram responder aos contatos para participação durante o período da coleta, que correspondeu o período de abril até agosto de 2018.

 

O estudo compreendeu uma amostra de 10 enfermeiros egressos, selecionados através da técnica de amostragem intencional. A amostra do estudo seguiu as orientações da pesquisa qualitativa(10), que não se preocupa com a quantidade dos sujeitos mais com a subjetividade e contribuições de cada um, seguido dos critérios de saturação para o número final de participantes incluídos no estudo, que determina a interrupção de novos sujeitos quando os dados produzidos passam a se tornar repetitivos.(11)

 

Os participantes foram recrutados após o contato com a Supervisão de Pós-graduação Latu Sensu da Instituição proponente do programa através de busca ativa. Os sujeitos foram abordados de forma individual em diversos cenários, como serviços de saúde, universidades, entre outros.

 

Foi utilizada a técnica da entrevista semiestruturada para a produção dos dados com questionário aberto produzido pelos pesquisadores de acordo com o objetivo da pesquisa. Houve gravação da entrevista em áudio consentida pelos participantes e anotação em diário de campo. A duração média das entrevistas foi de 30 minutos.

 

Os dados produzidos durante as entrevistas foram transcritos na íntegra. Para as análises dos materiais, optou-se pela técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin(12), na modalidade Análise Temática. As falas dos sujeitos foram agrupadas em temas que serão descritos nos resultados.

 

Para assegurar o anonimato e sigilo dos participantes, os mesmos foram identificados no estudo de E1 a E10, de forma aleatória. Todos foram informados sobre os objetivos da pesquisa e receberam os esclarecimentos. Logo após foram solicitadas as assinaturas dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Este estudo seguiu os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos, sendo enviado para o Comitê de Ética em Pesquisa e tendo aprovação através do CAAE nº 84575418.5.0000.5011.

 

 

RESULTADOS

 

Através da análise das falas dos sujeitos, foram identificados dois grandes temas: Os trabalhadores e o trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial; e A Enfermagem nos Centros de Atenção Psicossocial.

 

Os Trabalhadores e o Trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial

Um dos principais aspectos relacionados ao trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial, na percepção dos enfermeiros egressos, é o exercício da interdisciplinaridade. Eles relatam que é uma característica muito forte, prevalecendo o trabalho em conjunto desenvolvido por todos.

 

“É tudo bem misturado, o trabalho é tão amarrado de forma interdisciplinar que a gente até esquece qual a formação das pessoas ali, do que elas são formadas, né” (E10).

 

Os egressos relatam que nas equipes que trabalhavam de forma interdisciplinar os resultados no processo da reabilitação psicossocial eram bem visíveis, porém algumas equipes tinham dificuldade para atuar interdisciplinarmente.

 

“Quando a gente chegou no CAPS [...] a gente viu equipes que sabiam realmente, que trabalhavam juntos, que a gente viu que os resultados fluíam melhor, mas também a gente via equipes que não conseguiam trabalhar a interdisciplinaridade, viviam cada um no seu quadradinho” (E1).

 

Outro aspecto encontrado nas falas dos egressos é que há engajamento por parte de alguns profissionais para trabalhar apesar de todas as dificuldades encontradas, sejam esses fatores internos, relacionados ao próprio processo de trabalho; ou externos, como questões relacionadas à gestão dos serviços.

 

“Eu vi que existem profissionais que são muitos engajados, que abraçam a causa mesmo e que tentam fazer a diferença apesar de todas as dificuldades” (E1).

 

Embora todo o engajamento e trabalhos por parte da maioria dos profissionais para desenvolver suas atividades nos serviços de maneira efetiva e eficaz, existem vários fatores que dificultam todo esse processo, como está descrito na fala a seguir:

 

“Apesar de todos os esforços que existem, né, porque quando a gente passa (...) a gente pode ver de perto, né, que existe muito esforço, né, mas que existem muitas barreiras que fazem com que o trabalho não ande como deveria andar” (E1).

 

Outro fator encontrado nas falas dos egressos e que dificulta o desenvolvimento do processo de trabalho nos CAPS é a falta de preparação dos profissionais, relacionado tanto ao conhecimento sobre o processo de reabilitação psicossocial quanto de habilidades específicas necessárias para o trabalho e que seriam fundamentais para uma real efetivação das ações desenvolvidas.  De qualquer forma, cada serviço apresenta suas dificuldades.

 

“Eu acredito que essa deficiência advém de profissionais que não estão preparados para trabalhar e é isso que deixa a gente muito triste” (E2).

 

“Eu percebi que algumas dificuldades das pessoas das equipes (...) é que talvez não tivessem algumas habilidades que requeriam para a saúde mental. Mas, assim, a cada tipo de serviço tinha as suas dificuldades” (E4).

 

Essa falta de conhecimento sobre a atenção psicossocial leva alguns profissionais a interpretarem o trabalho nos CAPS erroneamente e não atingindo seu objetivo que é promover a reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento mental, como descreve o egresso a seguir:

 

“Porque infelizmente as pessoas não tem noção do que é o trabalho na saúde mental, acha que não precisa de muita coisa, de nada praticamente. Acha que só é preciso ter paciência pra trabalhar com os ‘doidinho’, que é assim que o povo pensa, e fazer um grupo e que qualquer grupo que você faça vai valer a pena ali, entende?” (E2).

 

Outra característica identificada no trabalho dos CAPS é a tutela que existe entre os profissionais e os usuários. Os profissionais, por zelarem excessivamente pela proteção e cuidado com os usuários, acabam prejudicando o protagonismo e a autonomia desses sujeitos nas situações cotidianos nos serviços.

 

“A gente percebe a questão da tutela, tutoria, os profissionais eles se sentem muito pais daqueles usuários e em outros serviços a gente não percebe isso” (E5).

 

Muitas dessas dificuldades que existem nos CAPS são apontadas pelos egressos como deficiência na articulação da gestão com os serviços e da forma como eles interagem, como relata o egresso:

 

“Existem problemas lá na ponta que dependem da gestão e questões da gestão que dependem também da atuação desse profissional lá na ponta” (E8).

 

Os egressos falam que muitos profissionais buscavam vencer os obstáculos e em alguns casos recebiam treinamento dos próprios residentes. Essa busca por conhecimento para melhorar o cuidado é vista de forma positiva pelos egressos, mas também mostra o despreparo que há nos serviços.

 

“Isso é bom porque mostra interesse por parte dos profissionais, mas mostra também a falta de conhecimento, falta de preparo daquelas pessoas que estão ali atuando no serviço e isso implica diretamente no tratamento daquelas pessoas” (E2).

 

Sobre a responsabilidade da melhoria da assistência, há opiniões distintas entre os egressos. Alguns dizem que deveria partir dos profissionais, outros falam que isso depende de quem está gerenciando os serviços.

 

“Tem que partir dos próprios profissionais mesmo, essa valorização, por quem escolheu a saúde mental, né” (E6).

 

“Na gestão, que tem algumas dificuldades na implementação das políticas públicas” (E4).

 

Todas essas questões abordadas mostram uma preocupação por parte dos egressos, pois os mesmos não conseguem enxergar muita mudança nos serviços.

 

A Enfermagem nos Centros de Atenção Psicossocial

 

A outra temática que ficou bastante evidente nas falas dos enfermeiros egressos foi sobre a enfermagem, sua atuação nos CAPS e seu papel no processo da reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento mental. Na percepção dos egressos, a enfermagem se apresenta muito distante, não tendo tanta visibilidade e aproximação no trabalho interdisciplinar mencionado anteriormente.

 

O trabalho interdisciplinar desenvolvido pelos profissionais, em especial os de nível superior, tem um papel fundamental no processo de reabilitação psicossocial, porém as ações menos perceptíveis são da enfermagem.

 

“A gente visualizar a enfermagem na equipe interdisciplinar e destacar a enfermagem tá difícil. Então, a gente percebe assim, tá um trabalho geral, coletivo, mas que a gente termina não identificando muito o trabalho do enfermeiro naqueles dispositivos” (E5).

 

Enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem são as categorias encontradas nos CAPS de Maceió, onde cada uma tem atuações e funções distintas a depender da modalidade dos serviços, porém os egressos relatam que as atividades são semelhantes e bastante sistematizadas.

 

Os egressos identificam que o enfermeiro fica restrito ao fazer burocrático, como a triagem, a marcação de consultas, preenchimento de formulários, organização dos prontuários, entre outras atividades administrativas, o que acabava distanciando esses profissionais das atividades com os usuários, como as oficinas e grupos terapêuticos.

 

“A gente não se aproximava da enfermeira, né, a enfermeira ficava muito aos papeis burocráticos, mas, assim, na atividade interdisciplinar, a gente não via tão presente” (E1).

 

A enfermagem também fica muito relacionada à administração, organização dos medicamentos dos usuários do CAPS, embora os egressos relataram que a administração fica a cargos dos profissionais de nível médio, que são os técnicos ou auxiliares, e ao enfermeiro cabe a supervisão.

 

“Quem faz medicação é o técnico, o enfermeiro não precisa fazer” (E7).

 

Embora a administração de medicamentos seja de competência dos profissionais de enfermagem, os egressos falam que a enfermagem poderia atuar junto da equipe nas ações mais coletivas, como expressa o egresso:

 

“Eu acho que ainda na equipe de saúde mental ela ainda precisa se engajar um pouco mais, pra fazer parte ativamente dessa equipe, não ficar só nessa parte medicamentosa” (E6).

 

Essa característica do trabalho de administração de medicamentos é tão forte na enfermagem, que esse profissional acaba sendo referência até mesmo para a dispensação de medicamentos na ausência do profissional farmacêutico, como relata o egresso:

 

“Na época uma enfermeira tava de licença, então o funcionamento já não tava normal, né, porque a outra enfermeira ficava cobrindo a farmácia porque a farmacêutica tava de férias, então pra cobrir a farmácia ela ficava lá (...) só dispensando remédio, no CAPS” (E6).

 

Por se apropriar dessas atividades mais burocráticas e medicamentosas, a enfermagem acaba não desempenhando tantas ações interdisciplinares com os demais trabalhadores dos CAPS. Esse afastamento das atividades coletivas torna o fazer da enfermagem bastante invisível.

 

“Porque o papel da enfermagem nos CAPS, que é o que eu vivenciei na minha época, era que a figura do enfermeiro era muito invisível” (E10).

 

Os egressos também relatam que alguns dos enfermeiros que estão trabalhando nos CAPS não possuíam formação ou especialização em saúde mental, como preconiza o Ministério da Saúde.

 

“Tem enfermeiras hoje trabalhando em CAPS que não são especialistas em saúde mental, quando a gente sabe que a partir do CAPS II a enfermeira precisa ser especialista em saúde mental” (E3).

 

Essa falta de especialização na área da saúde mental pode ser determinante para o desenvolvimento das ações da enfermagem, segundo os egressos.

 

 

DISCUSSÃO

 

A importância da interdisciplinaridade no trabalho em saúde mental é indiscutível, mas muitas vezes esse trabalho interdisciplinar é entendido por parte dos profissionais apenas como trabalhar junto, em equipe. Há uma grande diferença entre trabalhar em equipe e trabalhar de forma interdisciplinar. Contar com o apoio de um profissional do serviço e que seja de formação diferente não confere ao trabalho a característica interdisciplinar.(13)

 

É preciso que o conhecimento específico de cada formação se interaja e construa junto ações e estratégias integradas e que são necessárias para alcançar os objetivos estabelecidos pelas equipes para a reabilitação psicossocial dos indivíduos que fazem tratamento nos serviços. Um fato é que o profissional que tenha dificuldade no trabalho em equipe também terá dificuldade de trabalhar de forma interdisciplinar.(13)

 

O trabalho desenvolvido nos CAPS depende muito do comprometimento dos trabalhadores com esse processo. Mesmo que os CAPS possuam recursos e instrumentos para promover a reabilitação dos indivíduos, se os profissionais não estiverem comprometidos é bem provável que o processo tenha algumas lacunas. O engajamento dos profissionais permite que as dificuldades externas e principalmente internas encontradas nos serviços sejam superadas.(5)

 

A formação específica para o trabalho no modelo da atenção psicossocial é um problema. Um estudo de Ribeiro(6) realizado com os trabalhadores dos CAPS de Alagoas mostra que essa falta de formação específica para a área causa certo distanciamento entre os profissionais, o que por sua vez também dificulta o trabalho interdisciplinar mencionado anteriormente. Essa deficiência na formação específica para o trabalho no CAPS é apontado por outros autores como algo que vem desde a graduação até pela ausência de capacitação pelo próprio serviço.(7)

 

É comum que os profissionais atuem nos CAPS com pouca ou nenhuma experiência(14). Essa pouca experiência também é resultado de como o modelo de atenção psicossocial vem sendo estruturado e existindo concomitantemente ao modelo psiquiátrico(15). É imprescindível que a gestão realize capacitações baseadas nas políticas públicas e no modelo da atenção psicossocial para promover a qualificação dos trabalhadores. O ato de capacitar os profissionais para o trabalho nos serviços de saúde mental permite que o processo de reabilitação psicossocial seja compreendido e executado de forma mais eficaz.(16)

 

O processo de trabalho na saúde mental é entendido como o fazer dos profissionais, através dos meios e recursos existentes, com a finalidade de alcançar os objetivos estabelecidos e que no modelo de atenção psicossocial é proporcionar a integração do indivíduo em sofrimento mental na família, no trabalho e na sociedade(16). Para que esse objetivo seja alcançado, os profissionais precisam ter a compreensão do trabalho, do propósito e ter, por parte dos serviços, os instrumentos necessários para que as ações não sejam comprometidas ou realizadas sem propósito.(15)

 

A forma como o trabalho é desenvolvido nos CAPS revela muito da compreensão por parte dos profissionais. A tutela dos usuários é algo bastante frequente nos serviços de saúde mental de Alagoas(6). A proteção exagerada do sujeito em sofrimento mental pode prejudicar o desenvolvimento da sua autonomia e protagonismo nas diversas situações do cotidiano, que por sua vez compromete também o objetivo da integração familiar e social do usuário.(16)

 

A gestão dos serviços de saúde mental tem papel importantíssimo em todo esse processo e precisa dar suporte aos profissionais e aos usuários dos CAPS, seja em promover a capacitação desses trabalhadores, e até mesmo em estratégias para melhoria da estrutura, da organização, aquisição de recursos e instrumentos necessários para o trabalho(14). As instituições de ensino superior podem se tornar parceiras da gestão no desenvolvimento de melhorias para o serviço(17). Todas essas estratégias devem ser valorizadas e são ótimas oportunidades de qualificação do ensino e do serviço.(7)

 

No que diz respeito aos profissionais de enfermagem dos CAPS, as percepções dos egressos corroboram com a pesquisa feita por Brandão et al(18) com os enfermeiros dos CAPS de Maceió, relatando que esses profissionais estão mais presentes nas atividades burocráticas e administrativas, dedicando pouco tempo para as ações interdisciplinares, como as oficinas e grupos terapêuticos e quando isso acontece, geralmente é com a participação de outros profissionais. Os autores ainda falam, também, sobre a pouca qualificação para que a enfermagem desempenhe melhor suas atribuições nos serviços.

 

A formação da enfermagem para o trabalho na saúde mental é histórica e depende de como o profissional se enxerga dentro desse processo, porém os cursos de graduação e nível técnico não dão conta de formar os profissionais com instrumentos suficientes para o trabalho interdisciplinar que é exercido nos CAPS(18). O trabalho com o acolhimento, administração de medicamentos, educação em saúde se tornam as atividades mais executadas por serem as que mais se aproxima do fazer da profissão, já nas atividades mais coletivas a enfermagem não é tão expressiva.(19)

 

A pouca qualificação pode representar um obstáculo para que o processo de trabalho da enfermagem flua como deveria nos CAPS, além de prejudicar as ações de reabilitação psicossocial e causar insatisfação profissional na equipe de enfermagem, por não conseguir contribuir significativamente para os serviços, na perspectiva da interdisciplinaridade e da integração no serviço. Essa questão poderia ser melhor resolvida se os profissionais de enfermagem dos CAPS participassem de programas de educação permanente em saúde sobre o trabalho no modelo de atenção psicossocial.(20)

 

É importante enfatizar que a falta de capacitação para o trabalho em saúde mental não é exclusivo apenas dos profissionais de enfermagem, mas é a realidade da maioria dos trabalhadores que estão atuando nos CAPS de Alagoas.(6,14,15,18)

 

Apesar das questões relevantes trazidas pela pesquisa, identificamos que existem algumas limitações, como o fato das características sobre os trabalhadores, o trabalho e a enfermagem serem regionais, podendo não representar os demais serviços no país. Além de tratar-se apenas de percepções de enfermeiros que passaram pelos serviços enquanto estudantes de um programa de residência de saúde mental, necessitando de outras pesquisas com os demais profissionais dos CAPS para compreender melhor esses aspectos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente estudo trouxe a percepção de enfermeiros egressos de um programa de residência em saúde mental sobre os trabalhadores e o trabalho nos Centros de Atenção psicossocial, além de algumas características referentes aos profissionais de enfermagem que atuam nesses serviços. Embora esses egressos tenham passado por outros dispositivos da Rede de Atenção psicossocial de Alagoas, os CAPS são os principais serviços de referência ao atendimento e tratamento das pessoas em sofrimento mental no estado.

 

As características observadas pelos egressos mostram um pouco da realidade desses trabalhadores e também uma impressão de como se dá a construção do processo de reabilitação psicossocial, que depende muito do trabalho coletivo dos profissionais e da gestão, para uma efetividade das ações desenvolvidas. Referente à enfermagem, foi percebido certa invisibilidade das ações coletivas e interprofissional desses profissionais, prevalecendo às atividades específicas do trabalho.

 

É preciso realizar outras pesquisas que permitam um aprofundamento sobre a percepção dos próprios profissionais sobre seu trabalho e suas ações, para melhor compreensão de como se dá o processo de reabilitação psicossocial e os principais impasses que a rede e o serviço enfrentam para a assistência aos usuários.

 

REFERÊNCIAS

 

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