REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
O modelo de saúde no Brasil foi, ao longo da
sua história, baseada em um modelo hospitalocêntrico, em que a concepção de
saúde concentrava-se na ausência de doenças. Incentiva-se a inversão dessa
concepção desde a criação do Sistema Único de Saúde a partir da compreensão da
saúde no seu processo de forma holística, a qual considera, entre outros
aspectos, a influência de determinantes e condicionantes sobre o processo
saúde-doença(1-2).
A Política Nacional de Humanização (PNH)
destaca-se como ferramenta importante nesse contexto de transformações, que tem
como um dos seus objetivos a melhoria e a mudança no modelo de atenção e gestão
da saúde, por intermédio da humanização e do caráter transversal atribuídos à
política. Busca-se por meio da humanização da saúde garantir um sistema de
saúde mais integral, democrático e de qualidade(3).
Em 2003 cria-se a PNH com a perspectiva de
tornar ainda mais evidente a necessidade da integralidade na assistência em
saúde, considerando-se os atores envolvidos nesse processo. Assim, busca-se uma
visão unilateralizada para sanar as necessidades não só individuais, mas, com a
compreensão de um ser coletivo, as carências comunitárias(4).
Diante do panorama da PNH destaca-se o
acolhimento, uma vez que representa uma das diretrizes da política,
realçando-se a indispensabilidade do protagonismo dos envolvidos no modo de
fazer saúde, desde os gestores, profissionais e usuários(4).
O acolhimento designa-se como um conjunto de
ações que viabiliza melhora do serviço, colocando no centro do cuidado o
paciente que o receberá. Entende-se que o processo de acolher deve se perpetuar
por todas as esferas da assistência, desde o primeiro contato até a
resolubilidade das demandas de maior complexidade, quando possível(5-6).
Nesse sentido, destaca-se que o processo de
acolhimento se constitui, no seu sentido mais amplo, como uma ferramenta que
possibilita a interação entre a comunidade e os profissionais, de forma
sistemática e proativa, visando dispensar um cuidado direcionado às
necessidades de saúde da comunidade(7). Dessa forma, o estudo
objetiva-se descrever as concepções sobre o acolhimento e as experiências, na
prática cotidiana da Estratégia Saúde da Família (ESF).
MÉTODOS
O estudo caracteriza-se como descritivo e
exploratório, com abordagem qualitativa. Optou-se por tais métodos de pesquisa
por proporcionarem a exploração e interpretação de um fenômeno gerado no meio
social, considerando as crenças, valores e significados das pessoas desse meio(8-9).
Fora realizado o estudo no município de
Iguatu-Ceará. Entrevistaram-se os profissionais de saúde que compõem as equipes
de saúde da família das Estratégias Saúde da Família do município, o qual
possui 29 unidades de saúde distribuídas entre zona rural e urbana, segundo
dados da Secretaria Municipal de Saúde.
Participaram do estudo os profissionais
médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, cirurgiões-dentistas, técnicos em
saúde bucal e agentes comunitários de saúde. Convidaram-se os participantes
para a pesquisa mediante apresentação da pesquisadora e assinatura no Termo de
Consentimento Livre Esclarecido, no ato do exercício da profissão na ESF.
As equipes em que, após três visitas
consecutivas à unidade, não foi possível a realização da entrevista com pelo
menos três dos profissionais integrantes, seja por indisponibilidade de tempo
ou por afastamento para férias, licença ou adoecimento durante o período de
realização da pesquisa, foram excluídas da pesquisa.
Para coleta dos dados, utilizou-se a técnica
de entrevista semiestruturada direcionada por instrumento do tipo roteiro
composto por seis perguntas sobre a identificação do profissional, a
compreensão deste sobre o acolhimento, a forma como se realizava o acolhimento
na sua unidade, os instrumentos/estratégias utilizados para efetivação, as
facilidades e dificuldades encontradas, bem como a avaliação do profissional
quanto à realização do acolhimento na unidade de saúde em que trabalhava.
Este tipo de entrevista foi escolhhido por
esta possibilitar o entrevistado falar livremente, porém, de forma direcionada,
sobre suas vivências, experiências e opiniões sobre a temática.
Realizaram-se as entrevistas entre fevereiro a
abril de 2017. Utilizou-se um gravador portátil para áudio gravação, como forma
de assegurar maior fidedignidade na transcrição dos depoimentos, os quais foram
apresentandos posteriormente em categorias segundo a análise
hermenêutico-dialética operacionalizada por Minayo(9), que se
desdobra em três etapas: pré-análise, exploração do material ou codificação e
tratamento dos resultados alcançados/Interpretação.
Nesta primeira etapa realiza-se a organização
das informações do material coletado para uma posterior análise. Na segunda, o
material é explorado, as categorias são definidas e os conteúdos da análise são
codificaçados e classificados. Na
terceira e última etapa, realiza-se a
condensação de todas as informações adquiridas, abrindo espaço para uma análise
crítica e reflexiva dos resultados(9).
Os profissionais foram identificados pelo nome
de sua formação profissional em caixa alta, seguido pelo número cardinal
referente à sua ESF atribuído por ordem de sorteio, por exemplo: ENFERMEIRA 1,
MÉDICO 2, ACS 3, e assim sucessivamente.
A pesquisa, durante a sua execução, respeitou
os preceitos éticos e legais contidos na Resolução Nº 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde, a qual recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Regional do Cariri sob o Nº 1.836.797 e CAAE 55335616.4.0000.5055.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
Foram entrevistados 49 profissionais da saúde,
entre médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, cirurgiões-dentistas,
técnicos em saúde bucal e Agentes Comunitários de Saúde (ACS), gerando 245
discursos. Sortearam-se 15 unidades para a coleta de dados, porém, devido a
algumas limitações no decorrer do estudo, como a exclusão de algumas equipes a
partir dos critérios anteriormente elencados e a recusa de profissionais,
restringiu-se a coleta a profissionais de 12 ESF.
Foram entrevistados ainda seis médicos
(12,2%), dos quais quatro com nacionalidade cubana; oito enfermeiros (16,3 %);
dez técnicos em enfermagem (20, 4%); nove cirurgiões-dentistas (18,3%); seis
auxiliares/ técnicos em saúde bucal (12,2%) e dez ACS (20,4 %). Salienta-se que
três das unidades de saúde visitadas funcionavam com mais de uma equipe e, em
duas destas, o médico, o cirurgião-dentista e o técnico em saúde bucal
correspondiam à mesma equipe.
Mediante os dados, verificou-se o predomínio
de profissionais do sexo feminino principalmente com idade entre 31 e 50 anos,
mas variando ente 20 e 65 anos. Destaca-se, ainda, que quando ao tempo de
formação, grande parte dos participantes (40,8%) possuíam mais de dez anos de
formação profissional e atuavam em ESF entre um e dez anos.
Os profissionais participantes foram
questionados sobre o que compreendiam a respeito do acolhimento e alguns
profissionais demonstraram visão mais ampliada e até empática, outros, porém,
evidenciaram concepção limitada do acolhimento, remetendo à recepção do usuário.
Agregando-se as diversas opiniões sobre o tema, observou-se familiaridade com o
termo, conforme ilustram as falas a seguir:
“Acolhimento é a recepção do usuário, é a
escuta qualificada, saber qual é a demanda, o que é que ele está demandando da
unidade, saber se pode ser resolvido apenas com uma orientação ou se precisa
triar para passar em consulta médica, enfermeiro ou dentista, de acordo com o
problema.” (ENFERMEIRA 1)
“[...] a gente que trabalha na unidade, ao
facilitar o acesso do paciente à unidade, seja por meio de visita, atividades
coletivas na área ou outra coisa que facilite o acesso. É isso.” (CIRURGIÃO-DENTISTA
3)
“Acolhimento é só a forma que a gente recebe o
paciente que vem aqui. Eu entendo por isso.” (TECNICO/AUXILIAR EM HIEGIENE BUCAL 4)
“Entendo
por colhimento es la recepción del paciente, víu? É que o paciente chega e seria então [...] Siempre pergunta lo
estado general de el paciente, viu? [...]Preguntar cuál es la queja que tiene
en este momento, como poderá ajudar ele [...] sería la tomada de su pressão,
temperatura, Y ver cómo se puede ir resolviendo sus problemas, viu?” (MÉDICA 11)
No concernente às dimensões de acolhimento
trazidas pelo Ministério da Saúde, como sendo prevenir, cuidar, proteger,
tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde, os profissionais
compreendem o acolhimento como um modo de receber bem o usuário na unidade,
direcionando-o ou referenciando-o.
Foi possível evidenciar que, predominantemente
essa concepção de acolhimento nas falas dos entrevistados. Averiguou-se que,
apesar de a maioria dividir mesma concepção, ainda existem aqueles que
valorizam a dimensão subjetiva do outro, o compreendendo em sua singularidade e
como parte de um contexto cultural e socioeconômico, permitindo a visão mais
ampla que um simples problema de saúde, como é observado nas falas abaixo:
“[...] ele é muito importante, porque a pessoa
chega na unidade, muitas vezes, com muitos problemas, né? Muitas vezes não está
nem sentindo aquela dor, mas às vezes ela está passando dificuldade na casa
dela e ela chega na unidade até para conversar [...] precisando de um carinho,
de uma conversa, que muitas vezes não encontra em casa [...].” (ACS 1)
É sabido que o acesso, recepção e triagem
compõem a estrutura organizacional das unidades de saúde e devem ser realizados
quando o usuário chega ao serviço, diferente do acolhimento, assim, não essas
práticas não devem ser confundidas como é perceptível nas seguintes falas:
“Mas aqui o acolhimento ele acontece
principalmente por parte do atendente, né?” (ENFERMEIRA 1)
“Esse acolhimento, na verdade, não é
direcionado a nós como agente de saúde. Essa parte aí fica na porta de entrada,
com o pessoal que trabalha no balcão de atendimento, né? Com as atendentes.” (ACS 7)
“Primeiro eu cumprimento a pessoa, né? Dou bom
dia, boa tarde, conforme o horário seja, e digo o procedimento que vou
realizar, porque o acolhimento parte da recepção, né?” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 8)
A partir das falas, percebe-se que o processo
de trabalho ocorre de forma fragmentada e individualizada. Aponta-se como
atribuição dos atendentes/recepcionistas a preparação dos atendimentos, escuta
das necessidades e expectativas dos usuários, portanto, o acolhimento.
Percebe-se ainda que, com esse pensamento, o acolhimento é uma estratégia de
trabalho restrita apenas aos limites internos da ESF.
“[...] quando o paciente chega, a gente aborda
ele, [...] pergunta se ele vai passar no médico, na enfermeira, o que é que
está sentindo, para gente fazer tipo uma triagem […].” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 2)
“Se ele chegar me pedindo qualquer tipo de
informação, aí eu peço para ele entrar, peço para ele explicar o que é que tá
acontecendo. Aí eu tento resolver o problema dele dando conselho [...].” (TÉCNICO EM ENFERMAGEM 6)
“[...] o acolhimento, de fato, não acontece!
Porque os nossos pacientes, dos programas específicos são agendados, e eles
são, por exemplo: gestante, hipertenso, puericultura... Eles já são agendados,
né? E os pacientes, aqueles que vêm para demanda livre, eu juntamente com a
atendente, a gente faz um agendamento e, assim, uma classificação de risco
[...].” (ENFERMEIRA 3)
No que tange à relação ao acolhimento como
triagem dos usuários com a classificação de risco, verifica-se que os
depoimentos acima apontam para uma fragmentação dos saberes, que deve ser
trabalhada e discutida em reuniões da equipe. Identifica-se que, quando o acolhimento
é também descrito como passagem de informações e orientações, os resultados são
igualmente insatisfatórios, como se observa nas falas a seguir:
“[...] a estratégia que a gente tem é o
agendamento de toda a demanda. É uma das estratégias que a gente procura fazer
dentro da unidade. [...] Assim a gente procura proporcionar o melhor
acolhimento pra ele.” (CIRURGIÃO-DENTISTA
6)
Os profissionais desenvolvem suas atividades
semanais utilizando o cronograma como sinônimo de acolhimento. Perdem-se, a
partir disso, as oportunidades de aproximação com usuário para a criação de
vínculo, cumplicidade, escuta qualificada e acesso, que tanto são necessários
no processo de cuidado. Apontam-se, ainda, estratégias para o controle do
acesso aos serviços e organização para atender a demanda espontânea. Observe:
“[…] nós temos […] uno posto aquí na porta,
una pancarta informativa que ella fala sobre atendimiento que se faz por a
parte de médico acá no PSF. […] fala do atendimiento, día que to acá
con a crianza, el día que eres salud mental, el día que é para atendimiento
demanda libre e hacer mas cosa así, orientando el paciente que día ten que
chegar aquí no […] nosso PSF para procurar atendimento.” (MÉDICO 4)
“Antes de tudo eu cumprimento a pessoa, né?
Faço sempre perguntas abertas, né? ´A senhora está sentindo o quê? Aí eu deixo
a pessoa contar tudo.” (MÉDICA
9)
Se posicionar respeitosa e humanamente ao
tratar o usuário também foi apontado como prática cotidiana de acolhimento.
Assim, compreendem que a resolutividade de problemas envolve tanto aspectos
organizacionais do serviço, bem como a postura profissional mediante o usuário
e suas demandas.
O relacionamento respeitoso e empático entre o
profissional e o paciente possibilita o acolhimento do usuário em suas
condições. Sabe-se ainda que uma assistência prestada com qualidade é
fortemente influenciada pela habilidade de comunicação do profissional frente
ao sujeito envolvido.
Quando questionados sobre as facilidades
encontradas para acolher os usuários em suas demandas, identificaram-se os
seguintes aspectos que influenciavam positivamente um acolhimento fácil e
espontâneo:
“Compreensão dos pacientes, né? Graças a Deus,
os nossos pacientes são bastante compreensíveis, né?” (ENFERMEIRA 2)
“Assim, eu já acho que já conta o meu tempo de
serviço. Já me ajuda, porque a experiência já nos coloca como mais aptas a
atender aquilo ali, né?”
(TÉCNICA EM ENFERMAGEM 10)
“Eu acho que las facilidades que eu encontro
para acolher mejor aos usuários son los recursos necessários para atender de
forma apropriada aos pacientes: medicamientos, privacidad, boa iluminação,
ventilação... essas coisas.” (MÉDICO
12)
“O vínculo que eu tenho com a minha comunidade
[é uma facilidade]. [...] Conhecê-los bem, eles confiarem em mim e eu ter
respaldo pra isso, entendeu? De eu ser primeiro elo que eles vão correr atrás
até pra falar da própria vida familiar, da própria vida pessoal dele.” (ACS 11)
Quando paciente e profissionais se mostram
dispostos e acessíveis ao diálogo, observa-se que a inviabilidade da
assistência no momento passa a ser mais facilmente compreendida pelos usuários
quando dá. Entretanto, que isso remonta ainda ao conhecimento e práticas
limitadas sobre o acolhimento. Pode-se comprometer a atenção integral e
dissolver a confiança do usuário com o serviço por não ter sido atendido no
momento em que precisava.
Em relação às dificuldades, verifica-se que as
equipes elencaram diversos desafios como o imediatismo, a falta de capacitação
profissional, o desconhecimento dos usuários sobre o processo de trabalho na
ESF, a grande demanda e a sobrecarga burocrática. Compartilharam-se muitas
destas dificuldades entre as equipes, sobressaindo, entretanto, os aspectos
relacionados aos usuários, conforme a seguir:
“[...] a população dificulta o acolhimento
porque ela quer um atendimento imediato. [...] O pessoal tem muito aquela coisa
do imediatismo, né?” (ENFERMEIRA
3)
“[...] muitas vezes também o paciente não
entende a dinâmica do PSF e cria confusão. Aí, se não tiver paciência, tem
briga.” (TECNICO EM ENFERMAGEM
3)
Também como fator que inviabiliza o
acolhimento as sobrecargas pessoais de cada profissional. Sabe-se que o
preenchimento do dia com atividades acumuladas e o estresse diário, bem como
problemas de ordem pessoal e a necessidade de usufruir de vida social são
algumas demandas que os profissionais precisam gerenciar. Entende-se que a
capacidade de organização de cada item é algo muito particular e seu
enfrentamento inadequado pode ocasionar desajustes, recaindo em consequências
que podem afetar a relação profissional-usuário, conforme demonstra o seguinte
relato:
“[...] algum profissional que venha a ter
algum tipo de problema para acolher. [...] Porque tem alguns profissionais que
são complicados, são difíceis de lidar... São impacientes, estão cansados, estressados
e, às vezes, acolhem o paciente da forma indevida, né? Não escuta bem, né?” (ENFERMEIRO 1)
Também o não comparecimento dos usuários às
consultas devido à visão errônea de buscar o serviço somente em situações de
urgência, como ilustrado a seguir:
“[...] posso dizer que [as dificuldades para o
acolhimento] são mais em relação ao paciente que não quer ser atendido. A gente
faz de tudo, a gente disponibiliza muitos meios dele ser atendido, sem muita
burocracia e não precisar vim marcar aqui, mas tem gente que não quer!” (CIRURGIÃO-DENTISTA 3)
“Às vezes você marca e ele não vem. Isso é uma
grande dificuldade. Eles fazem a fila, você marca e, no dia do atendimento,
eles não vêm.” (TECNICO EM
HIGIENE BUCAL 7)
Situações como essas normalmente podem
relacionar-se ao desconhecimento da população sobre a importância da promoção
da saúde bucal e prevenção dos agravos orais, ou ainda remeter a um pensamento
sólido de uma odontologia mutiladora. Neste sentido, é imprescindível a orientação
destes aspectos aos usuários.
Na literatura apresenta-se consenso quanto aos
sentidos sobre o acolhimento, que vão desde recepção do usuário até a atenção
resolutiva de seus problemas. Porém, mesmo diante de variados conceitos e
definições, todos confluem para descrições que abordam o acolhimento como uma
diretriz do processo de trabalho direcionada ao usuário, que organiza os
serviços de saúde, visando à garantia dos princípios do Sistema Único de Saúde
e ao atendimento mais humanizado(5-6-10).
Em estudo semelhante, verifica-se que os
profissionais compreendem o acolhimento ainda de forma muito restrita,
relacionando tal fato à falta de capacitação desses profissionais quanto às
diretrizes da PNH antes de ingressarem no mercado de trabalho(6-11).
No cotidiano das unidades das ESF, sabe-se
que, adaptam-se várias atividades às condições da unidade, por isso,
confundem-se com o acolhimento, como acontece com as ações realizadas na
recepção para ouvir e conversar com usuários e/ou resolver os seus problemas.
Salienta-se que, todos os profissionais que trabalham na Atenção Primária à
Saúde precisam desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes para este tipo
de atendimento(12).
Portanto, reconhece-se o acolhimento como uma
fase do atendimento nos serviços de saúde. Busca-se, desde a criação da PNH,
visibilidade quanto a sua importância e conceitos próprios, para além da
definição limitada de recepção do usuário(13-14).
Por conseguinte, deve-se compreendê-lo como um
exercício diário dos profissionais a ser ativamente praticado por todos e entre
todos os profissionais em saúde, em todos os setores, em cada sequência de atos
e modos que compõem o processo de trabalho. Assim, não se deve atribuí-lo como
atividade específica de um determinado profissional(6-15).
Assim, faz-se necessário esclarecer que a
triagem com classificação de risco é abordada na PNH, com a finalidade de
otimizar o atendimento. Identifica-se, através dessa estratégia, o grau de
necessidade do usuário por meio de avaliação clínica criteriosa para se ordenar
sua prioridade de atendimento. Entende-se, portanto, que deve ser realizado por
profissional capacitado em um protocolo de avaliação previamente definido.
Tenta-se, com isso, substituir o conceito tradicional de triagem, caracterizado
por usuários atendidos por ordem de chegada, demanda de pacientes disposta em
filas extensas e, muitas vezes, exclusão e atendimento insuficiente(16-17).
Compreender o acolhimento como um esforço multiprofissional, envolvendo os
usuários e a coletividade, não o restringindo apenas a agendamentos(18).
O número de atendimentos limitados, além da
determinação de dia específico para agendar consulta e atender cada faixa
etária como medidas desnecessárias e até injustas. Compreende-se, então, que a
limitação no número de atendimentos representa uma forma de trabalho
fundamentada na divisão de responsabilidades e tarefas(19).
Cabe considerar que diversas vezes o paciente
se apresenta frágil e inseguro pelo estado de saúde e necessidade de ajuda.
Para além disso o profissional deve ser cauteloso, saber falar e também ouvir,
concentrando-se no paciente e mantendo postura neutra, para favorecer o
conforto, a confiança e a segurança. Portanto, compreende-se que a excelência
profissional está mais relacionada à forma de tratamento do paciente como ser
humano, respeitando suas opiniões e dialogando sobre a melhor forma de conduzir
suas demandas de saúde(20).
Para que as experiências adquiridas em
decorrência do enfrentamento das situações difíceis e inesperadas do trabalho
favoreceram o aprendizado tão quanto o conhecimento teórico. Aponta-se, então,
que os saberes da experiência instrumentalizam o profissional a partir do que
se vivencia e aprende cotidianamente com os outros e consigo mesmo(21).
Tais experiências também contribuem para o
desenvolvimento de uma relação de confiança e respeito entre os profissionais e
usuários, essencial como parte organizacional do processo de trabalho quando da
correspondência às necessidades dos usuários(22). Enfatiza-se que o
vínculo como diretriz para a construção da integralidade na ESF se representa
como uma ferramenta importante na construção de elos entre os profissionais e
usuários(23).
Muito embora as condições do ambiente não
forem agradáveis e adequadas às expectativas dos usuários e profissionais,
podem acarretar frustração e insatisfação para ambos, caracterizando outro
fator negativo no processo de acolhimento(24).
Nesse contexto, o conhecimento dos usuários
sobre o serviço de saúde associa-se ao protagonismo de cada indivíduo diante
das situações. Acredita-se que práticas de educação desenvolvidas com a
população torna o indivíduo mais disposto ao acordo e mais ativo na busca de
melhorias. Ressalta-se, nesse contexto, que para que ocorra uma prática educativa
dialógica, é indispensável estabelecer a participação da comunidade nas ações
da unidade, vista que protagonismo destes pode levar à melhorias na qualidade
dos cuidados de saúde(25).
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Desse modo nota-se que a concepção de
acolhimento ainda é fragmentada, contribuindo para o distanciamento da
integralidade da saúde e que, possivelmente, esta lacuna se relaciona à
compreensão equivocada do conceito de acolhimento, como se observou em muitos
discursos.
Destarte, ainda que, no processo de trabalho
das equipes, a compreensão de acolhimento é incumbência dos atendentes e/ou
recepcionistas, ficando esta prática restrita ao ambiente interno da unidade.
Assim, evidenciou-se a grande fragilidade existente nas ações cotidianas dos
profissionais, distanciando-os cada vez mais de conduta acolhedora.
Ressalta-se, portanto, que o trabalho deve pautar-se na construção e
fortalecimento do vínculo com os usuários, na confiança e no respeito,
elementos essenciais à garantia de uma assistência mais humanizada e com
elevado nível qualidade.
Logo, deve-se compreender que o acolhimento
ainda se configura como um grande desafio na estruturação de um cuidado
integral na Atenção Primária à Saúde, apesar de reconhecê-lo como essencial para
construção de vínculos, satisfação dos usuários, bem como para a
instrumentalização e operacionalização da gestão dos serviços de saúde.
Ademais, acredita-se que a mobilização para a formação dialógica de
profissionais para o acolhimento pode também reconfigurar a concepção dos
usuários a respeito ESF como um espaço de pronto atendimento, contribuindo para
solidificar a Atenção Primária à Saúde brasileira.
Por fim, aponta-se como principal limitação do
estudo a recusa significativa de profissionais em participar do estudo.
Sugere-se, concernente às mudanças no cenário da saúde brasileira, que o
processo de acolhimento seja elencado em pesquisas e debates posteriores, uma
vez que esse se figura com relevância diante de uma assistência integral.
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