REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

 

Como citar este artigo

 

Souza PO, Tonelli SQ, Lima MSFF, Sá PPA, Almeida CKM, Nunes E, Silveira FF. Abordagem clínico-radiográfica de dentes tratados endodonticamente: status periapical e qualidade das obturações e restaurações coronárias. Rev Norte Mineira de enferm. 2019; 8(1):77-83.

Autor correspondente

 

Frank Ferreira Silveira.

PUC Minas, Belo Horizonte, MG, BR frankfoui@uol.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

ABORDAGEM CLÍNICO-RADIOGRÁFICA DE DENTES TRATADOS ENDODONTICAMENTE: STATUS PERIAPICAL E QUALIDADE DAS OBTURAÇÕES E RESTAURAÇÕES CORONÁRIAS

Clinical-radiographic approach of endodontically treated teeth: periapical status and quality of coronary fillings and restorations

Patrícia Oliveira de Souza1, Stéphanie Quadros Tonelli2, Michel Sena Fernandes Faria Lima2, Pedro Paulo Alves Sá2, Camila Karen de Melo Almeida1, Eduardo Nunes2, Frank Ferreira Silveira1,2

1 Curso de Graduação em Odontologia, Universidade de Itaúna, Minas Gerais, Brasil.

2 Departamento de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

 

 

Resumo: O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade radiográfica de tratamentos endodônticos e correlacionar com o status periapical e adequação da restauração coronária.  Métodos: Cento e quarenta e três dentes tratados endodonticamente foram avaliados clínica e radiograficamente e agrupados de acordo com a qualidade da obturação (adequada e inadequada) e restauração coronária (adequada e inadequada). O status periapical radiográfico foi considerado como sucesso (ausência de lesão periapical) e insucesso (área radiolúcida periapical); e clínico como adequado (ausência de sinais e sintomas) e inadequado (presença de sinais ou sintomas). Resultados: Setenta e um dentes apresentaram tratamento endodôntico adequado e obtiveram maior sucesso periapical (n=63); dos 72 inadequados, apenas 19 apresentaram sucesso (p>0,05). As taxas de sucesso foram de 97,5%, para obturação e restauração adequadas e de 17,07% para ambas inadequadas. Conclusão: A qualidade da obturação endodôntica influenciou no sucesso do tratamento. No entanto, a restauração coronária também foi importante para a saúde periapical.

Descritores:  Endodontia. Obturação do Canal Radicular. Periodontite Periapical. Radiografia Dentária. Restauração Dentária Permanente.

Abstract: The aim of this study was to evaluate the radiographic quality of endodontic treatments and to correlate with periapical status and capability of coronary restoration. Methods: One hundred and forty-three endodontically treated teeth were clinically and radiographically evaluated and grouped according to the quality of obturation (adequate and inadequate) and coronary restoration (adequate and inadequate). Radiographic periapical status was considered as success (absence of periapical lesion) and failure (periapical radiolucent area); and clinical as adequate (absence of signs and symptoms) and inadequate (presence of signs or symptoms). Results: Seventy-one teeth presented adequate endodontic treatment and had greater periapical success (n = 63); Of the 72 inadequate, only 19 were successful (p> 0.05). Success rates were 97.5% for adequate obturation and restoration and 17.07% for both inadequate. Conclusion: The quality of endodontic obturation influenced the treatment success. However, coronary restoration was also important for periapical health.

Descriptors: Dental Radiography. Endodontics. Permanent Dental Restoration. Periapical Periodontitis. Root Canal Obturation.

INTRODUÇÃO

 

O tratamento endodôntico compreende o esvaziamento do conteúdo do sistema de canais radiculares, seguido da modelagem e posterior obturação dos canais com material inerte e biocompatível, com o objetivo principal de tratar ou prevenir o desenvolvimento de lesões perirradiculares(1,2). Desta forma, o sucesso do tratamento endodôntico caracteriza-se pela ausência de doença perirradicular e de sinais e sintomas após certo período de proservação(1,3,4). Os fatores microbianos são considerados a causa primária do insucesso do tratamento endodôntico, no entanto, o mesmo também pode ser causado pela ocorrência de acidentes e complicações durante os procedimentos clínicos ou por falta de domínio técnico do profissional(3,4,5).

 

O sucesso do tratamento endodôntico é compreendido pela remissão dos sinais e sintomas clínicos de dor e abcesso, além da ausência, redução ou desaparecimento completo da lesão periapical no dente tratado(5,6).  Está intimamente relacionado à atenção prestada a cada uma das fases que o constituem, desde a anamnese e o exame clínico inicial, em que se dará o diagnóstico, até o controle clínico e radiográfico longitudinal. Entretanto, uma atenção especial deve ser dada à fase de obturação tridimensional hermética do sistema de canais radiculares. Essa obturação impede a entrada de fluidos teciduais no canal, além do tráfego de saída de microrganismos e seus produtos para os tecidos perirradiculares(1,2).              

                 

Tradicionalmente, assumiu-se que uma obturação de boa qualidade técnica proporciona um selo eficaz do canal radicular obturado, o que é fundamental para o sucesso, enquanto uma obturação de má qualidade resultará em falha(5,6). Estudos epidemiológicos recentes investigaram a importância de um selamento coronário ideal e sugeriram que a qualidade da restauração coronária pode exercer influência sobre o resultado do tratamento endodôntico(8-11). Um estudo clássico da literatura evidenciou que a qualidade técnica da restauração coronal foi significativamente mais importante que a qualidade técnica do tratamento endodôntico para a saúde periapical(1). No entanto, não há um consenso acerca do impacto da restauração coronária na taxa de sucesso do tratamento endodôntico(1,8-13).

 

Este estudo teve como objetivo avaliar dentes tratados endodonticamente através do exame clínico e de radiografias periapicais, correlacionando os sinais e/ou sintomas encontrados à qualidade da restauração coronária e o tratamento endodôntico ao aspecto da região periapical, em pacientes atendidos numa clínica-escola de curso de graduação em Odontologia.

 

 

 

MÉTODO

 

Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer n° 3.035.454. Trata-se de um estudo transversal de caráter quantitativo e observacional que compreendeu uma amostra de 143 dentes tratados endodonticamente, de pacientes adultos atendidos nas clínicas odontológicas de curso de graduação em Odontologia. Os pacientes concordaram com a participação no estudo após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

 

Para inclusão no estudo o paciente deveria ter pelo menos um dente tratado endodonticamente e que permitisse a avaliação clínica e realização de exame radiográfico periapical do(s) dentes(s) tratado(s). As avaliações foram realizadas por dois endodontistas experientes, através de consenso. Os dentes avaliados foram agrupados de acordo com as qualidades radiográficas do preenchimento radicular e restauração coronária. Os critérios empregados na avaliação foram(11):

 

Tratamento Endodôntico - Adequado: todos os canais obturados, com preenchimento homogêneo, boa condensação e sem vazios visíveis, obturação entre 2 milímetros aquém e 1 milímetro além do ápice radiográfico. Inadequado: canais não preenchidos, preenchimento não homogêneo, mal condensado ou com vazios visíveis, obturação terminando mais de 2 milímetros aquém do ápice radiográfico ou em mais de 1 milímetro além do ápice radiográfico.

 

Restauração Coronária - Adequado: restauração permanente que apareça intacta radiograficamente. Inadequada: ausência de restauração ou restauração permanente com detectáveis sinais radiográficos de saliências, margens abertas, cárie recorrente ou cárie na restauração coronária provisória.

 

Status periapical - Sucesso: espaço do ligamento periodontal apresentando largura normal e aparência normal do osso circunvizinho. Completa reparação periapical. Insucesso: área radiolúcida perirradicular.

 

Além dos aspectos citados acima, foi realizada uma avaliação clínica dos dentes tratados endodonticamente. Foram observadas presença ou ausência de sinais como tumefação e fístula, através da inspeção clínica e/ou sintomas como dor provocada ou espontânea, através dos testes de percussão e palpação.

 

Avaliação Clínica - Adequado: ausência de sinais e sintomas. Inadequado: presença de sinais ou sintomas.

 

Os dados foram tabulados e para todas as variáveis foi determinada distribuição de frequência absoluta e relativa. Para a comparação da prevalência da qualidade do tratamento endodôntico em razão da adequação das restaurações coronárias e status periapical foi aplicado o teste estatístico quiquadrado. Os testes foram realizados por meio do software GraphPad Prism 6.0 (GraphPad Software, San Diego, Califórnia, EUA), adotando-se um nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

 

Dos 143 dentes avaliados, aqueles que apresentaram tratamento endodôntico adequado obtiveram maior condição de sucesso periapical, sendo que de 71 dentes com tratamento endodôntico adequado, 63 apresentaram região periapical com aspecto normal, indicando sucesso, enquanto que dos 72 dentes com deficiente tratamento endodôntico, apenas 19 dentes apresentaram sucesso. A diferença entre os dois grupos foi estatisticamente significativa (p<0.0001).

 

Os dentes que apresentaram adequado tratamento restaurador foram 71, sendo que destes 51 apresentaram sucesso. O grupo com tratamento restaurador inadequado obteve 72 dentes resultando em 31 dentes correlacionados com o sucesso (Tabela 1). A diferença entre os dois grupos foi significativa (p<0.0009). Quanto à avaliação clínica, 125 dentes apresentaram-se adequados, sendo que destes, 80 apresentaram sucesso. A diferença entre os grupos foi expressiva (p<0.0001) (Tabela 2).

 

Tabela 1: Condição periapical dos dentes de acordo com as condições do tratamento restaurador.

Tratamento restaurador

Sucesso

Insucesso

Total

Adequado

51

20

71

Inadequado

31

41

72

Total

82

61

143

 

Tabela 2: Condição periapical dos dentes de acordo com a avaliação clínica.

Avaliação clínica

Sucesso

Insucesso

Total

Adequado

80

45

125

Inadequado

2

16

18

Total

82

61

143

 

 

Quando confrontados o tratamento endodôntico e a avaliação clínica adequados, houve um total de 68 dentes, e no caso de tratamento endodôntico adequado e avaliação clínica inadequada o resultado foi 3 dentes, totalizando 71 dentes (Tabela 3). A comparação entre os grupos mostrou diferenças estatisticamente significativas (p=0.0184).

 

Tabela 3: Relação da qualidade do tratamento endodôntico com a avaliação clínica.

Tratamento endodôntico

Avaliação Clínica

 

Adequada

Inadequada

Total

Adequado

68

3

71

Inadequado

59

13

72

Total

127

16

143

 

 

A associação entre tratamento restaurador e avaliação clínica adequados reuniu 66 dentes, quando associados tratamento restaurador adequado e avaliação clínica inadequada o resultado foi de 5 dentes (Tabela 4). A análise estatística não mostrou diferenças entre os grupos (p=0.0831).        

 

Tabela 4: Relação da qualidade do tratamento restaurador com a avaliação clínica.

Tratamento restaurador

Avaliação Clínica

 

Adequada

Inadequada

Total

Adequado

66

5

71

Inadequado

59

13

72

Total

125

18

143

 

 

Quando os grupos com tratamento endodôntico e restaurador adequados foram combinados, a taxa de sucesso foi de 97,5%. Quando os grupos com tratamento endodôntico adequado e tratamento restaurador inadequado foram combinados, a taxa de sucesso foi de 77,42%. Os dentes com tratamento endodôntico inadequados combinados com os dentes com tratamento restaurador adequados, resultaram em uma taxa de sucesso de 38,71%, enquanto a combinação de tratamento endodôntico e restaurador inadequados resultou em uma taxa de sucesso de 17,07% (Tabela 5). A diferença entre a taxa de sucesso com tratamento endodôntico adequado e inadequado foi estatisticamente significativa (p=0.0004), independentemente da qualidade da restauração coronária.

 

Tabela 5: Relação da qualidade do tratamento endodôntico com a qualidade do tratamento restaurador.

Tratamento endodôntico

Tratamento restaurador

Número de dentes

Sucesso

%

Adequado

Adequado

40

39

97,5

Adequado

Inadequado

31

24

77,42

Inadequado

Adequado

31

12

38,71

Inadequado

Inadequado

41

7

17,07

 

DISCUSSÃO    

 

Alguns trabalhos foram desenvolvidos nas últimas décadas através de avaliação radiográfica em estudantes de odontologia com intuito de verificar a qualidade do tratamento endodôntico, observando a qualidade de dentes tratados, bem como sucesso ou insucesso do tratamento(1-3,5,7). O presente estudo teve por objetivo avaliar radiograficamente a qualidade das obturações endodônticas realizadas em uma clínica-escola e correlacionar com a adequação da restauração coronária e com achados clínicos e radiográficos de lesões periapicais.

 

Para avaliação do sucesso ou insucesso do tratamento endodôntico, são empregados métodos clínicos e radiográficos, em que o insucesso é identificado por um aumento da espessura do ligamento periodontal; ausência do reparo ósseo no interior da lesão ou aumento do tamanho da rarefação; ausência da formação de uma nova lâmina dura; aparecimento de rarefações ósseas em áreas onde previamente não existiam; espaços não obturados visíveis no canal, apicalmente ou lateralmente associados a lesões perirradiculares; e reabsorções ativas associadas a outros sinais radiográficos(1-3). No presente estudo, foram associados dados clínicos aos achados radiográficos.

 

Estudos transversais como esse, possuem certa limitação quanto à análise dos dados, pois esses estão restritos às informações disponíveis. Não foi possível ter acesso quanto ao tempo exato decorrido desde o tratamento endodôntico dos dentes, tão pouco das condições pré-existentes antes do tratamento. Portanto, algumas lesões periapicais identificadas nos exames radiográficos podem denotar, na verdade, um processo de regeneração, devido a tratamentos recentes(12). Entretanto, vale ressaltar que interpretações errôneas e diagnósticos equivocados em estudos transversais são igualmente distribuídos, de modo que os resultados ainda permaneçam significativos(13).                 

 

Na literatura existe uma associação consistente entre um correto preenchimento do canal radicular e o sucesso do tratamento endodôntico, ou seja, ausência de radiolucência periapical (12,13). O que corrobora com os resultados do presente estudo. Nos dentes diagnosticados com tratamento endodôntico inadequado, a taxa de sucesso diminuiu independente da qualidade da restauração coronária. Desta maneira, se o sistema de canais radiculares não foi adequadamente obturado, a qualidade da restauração coronária terá pouca influência no sucesso do tratamento endodôntico. Este resultado está de acordo com estudos realizados anteriormente(11,13-16). Entretanto, está em discordância com os resultados encontrados em um estudo prévio(17), em que os autores concluíram que a qualidade da restauração coronária é significativamente mais importante do que a qualidade da obturação do sistema de canais radiculares, para garantir a saúde periapical.

 

De acordo com o presente estudo, ambos procedimentos exercem uma função importante para o sucesso do tratamento. Quando combinamos tratamento endodôntico e restauração coronária adequados, a taxa de sucesso foi de 97,5%. Ao mesmo tempo que, a combinação de tratamento endodôntico e restaurador inadequados, resultou em uma taxa de sucesso de 17,07%. A diferença foi substancial.

 

No presente estudo, a qualidade do tratamento endodôntico foi o fator mais importante para a saúde dos tecidos periapicais. Contudo, se o tratamento endodôntico for bem executado, uma adequada restauração coronária irá aumentar o índice de sucesso. No entanto, quando a obturação dos canais radiculares não for satisfatória, a qualidade da restauração coronária não terá grande impacto sobre o índice de sucesso. Desta maneira, se o tratamento endodôntico não foi realizado de forma adequada, a restauração coronária não garante o sucesso periapical (12,13). Quanto à eficácia na ausência de sinais e sintomas, não houve diferença entre a qualidade do tratamento endodôntico e restaurador, obtendo exatamente os mesmos resultados.

 

Apesar das limitações do presente estudo, ressalta-se a importância de se avaliar um serviço de saúde que está sendo ofertado à população na área de abrangência dessa clínica escola (18), além do benefício do desenvolvimento da pesquisa científica no âmbito da graduação, tanto por estimular os acadêmicos nessa área, quanto para maximizarem seus resultados na prática clínica(19). Sugere-se que mais estudos sejam conduzidos para incrementar os dados epidemiológicos pré-existentes na área da Endodontia e da Odontologia.

 

CONCLUSÕES

 

Através dos resultados deste estudo, pode-se concluir que, tanto a qualidade do tratamento endodôntico quanto da restauração coronária influenciou no sucesso do tratamento. Conclui-se também que a qualidade do tratamento endodôntico foi significativamente mais importante que a qualidade da restauração coronária para a saúde periapical.

 

AGRADECIMENTOS

 

Este estudo foi financiado em parte pelo BIC – Bolsa de Iniciação Científica institucional 9102 da FAPEMIG.

 

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