REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM

ISSN: 2317-3092

 

 

 

Como citar este artigo

 

Pedroso VSM, Thurow MRB, Medeiro AC, Scarton J, Rodrigues ST, Siqueira HCH. Orientações do enfermeiro e mudanças no comportamento: caminho para a sobrevivência do usuário transplantado renal. Rev Norte Mineira de enferm. 2019; 8(1): 92-102.

Autor correspondente

 

Mara Regina Bergmann Thurow.

Universidade Federal do Rio Grande Correio eletrônico: marathurow@gmail.com

 

 

 

ARTIGO ORIGINAL

ORIENTAÇÕES DO ENFERMEIRO E MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO: CAMINHO PARA A SOBREVIVÊNCIA DO USUÁRIO TRANSPLANTADO RENAL*

 

Nurse guidelines and changes in behavior: way for renal transplanted user survival

 

* Extraído da dissertação – MODO DE VIVER DO USUÁRIO NO DOMICÍLIO APÓS TRANSPLANTE RENAL: ABORDAGEM ECOSSISTÊMICA, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Rio Grande-FURG, em 2018.

Vanessa Soares Mendes Pedroso1, Mara Regina Bergmann Thurow2, Adriane Calvetti de Medeiro3, Juliane Scarton4, Sidiane Teixeira Rodrigues5, Hedi Crecencia Heckler de Siqueira6.

 

1 Enfermeira. Doutoranda Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. http://orcid.org/0000-0003-2400-7955

2 Enfermeira. Doutoranda Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-7992-4403

3 Enfermeira Doutora. Universidade Federal de Pelotas, Hospital Universitário, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-8403-9644

4 Enfermeira. Doutoranda Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-3676-0672

5 Enfermeira. Mestranda Universidade Federal do Rio Grande, RS, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-7741-6309

6 Enfermeira e Administradora hospitalar. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente Emérita da FURG- Universidade Federal do Rio Grande, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, RS, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-9197-53503

 

 

 

Objetivo: Analisar as orientações do enfermeiro ao usuário de transplante renal e averiguar as mudanças no seu comportamento no ambiente domiciliar, no pós-transplante. Método: Estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa, realizado com 13 usuários por meio de entrevista semiestruturada e Análise Temática dos dados. Resultados: As orientações levaram os usuários a rever seus hábitos, que inferiram mudanças de comportamento e/ou adequações em seu processo de seu enxerto renal. Identifica-se que os comportamentos dos usuários, estão, em parte, de acordo com as orientações recebidas pelo enfermeiro. Conclusão: O transplante renal provoca algumas transformações comportamentais nos usuários, associadas, às mudanças nos hábitos alimentares, restrições de contato, medicações, entre outras capazes de impactar os seus projetos de vida e, assim interferir e influenciar no seu modo de viver. Assim, podem e/ou não contribuir para a construção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de comportamentos saudáveis e, consequentemente a sobrevida do enxerto renal.

 

 

Descritores: Transplante Renal. Sobrevivência. Cuidados de Enfermagem. Relações Enfermeiro-Paciente. Ecossistema.

 

Objective: To analyze the nurse's instructions to the kidney transplant user and to verify the changes in their behavior in the home environment after transplantation. Method: Descriptive, exploratory study with qualitative approach, conducted with 13 users through semi-structured interviews and thematic analysis of the data. Results: The guidelines led users to review their habits, which inferred behavioral changes and / or adjustments in their renal graft process. It is identified that the users' behaviors are, in part, in accordance with the guidelines received by the nurse. Conclusion: Kidney transplantation causes some behavioral changes in users, associated with changes in eating habits, contact restrictions, medications, among others that can impact their life projects and thus interfere and influence their way of life. Thus, they may and / or may not contribute to the construction of an environment conducive to the development of healthy behaviors and, consequently, renal graft survival.

Keywords: Kidney Transplant. Survival. Nursing care. Nurse-Patient Relations. Ecosystem.

INTRODUÇÃO

 

Os avanços científicos, tecnológicos, farmacológicos e imunogenéticos aplicados ao transplante de órgãos e tecidos, nas últimas décadas, têm possibilitado alternativas potenciais e efetivas de tratamento e melhoria da qualidade à vida humana. Essa modalidade terapêutica beneficia usuários que necessitam de órgãos sólidos, tecidos e células por meio do desenvolvimento e melhoria das técnicas e procedimentos cirúrgicos, avanços na prática do cuidado, inovação de equipamentos de última geração e disposição de medicamentos imunossupressores necessários para o êxito dessa terapia alternativa(1).

 

O Ministério da Saúde (MS) define transplante como o procedimento cirúrgico que consiste na reposição de um órgão (coração, pulmão, rim, pâncreas e fígado) ou tecido (medula óssea, ossos e córneas) de um usuário/receptor, por outro órgão ou tecido normal de um usuário/doador vivo ou morto (2).

 

O Transplante Renal (TR) tem sido descrito como o tratamento mais efetivo para a Doença Renal Crônica (DRC) terminal, com melhora da qualidade de vida e sobrevida do usuário a longo prazo (3). Além de melhorar a qualidade de vida, o transplante bem-sucedido confere grandes benefícios aos usuários com doença renal terminal entre os quais: melhora da morbidade, diminuição da mortalidade entre os com doença renal terminal, em detrimento daqueles que continuam com à Terapia de Substituição Renal (TSR) (4). Nessa acepção, o TR possibilita mudanças no comportamento do usuário transplantado, podendo significar além de uma melhora no seu modo de viver, até mesmo, um caminho para a sua sobrevivência.

 

O TR gera algumas transformações comportamentais nos usuários, associadas, principalmente, as relações familiares, os hábitos alimentares, as medicações, aos projetos de vida, ou seja, interfere e influencia no modo de viver do usuário transplantado. A mudança nesses fatores pode ou não contribuir para a construção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de comportamentos de saúde, incluindo a aderência ao tratamento e a sobrevivência do usuário (5).

 

Dentre a variabilidade de situações domiciliares que podem interferir no comportamento, associado à terapêutica, salienta-se, a atuação do enfermeiro nos diferentes níveis de atenção à saúde. O enfermeiro é o profissional capacitado a incentivar, alertar e fornecer orientações no pré, trans e pós-transplante ao usuário acerca da modificação de comportamentos necessários para o viver saudável, após o procedimento cirúrgico(6).

 

Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos(ABTO)(7), em seu protocolo de assistência de enfermagem ao usuário que se submeteu ao transplante, o enfermeiro deve fornecer orientações para o cuidado domiciliar, baseadas no protocolo institucional. Com base no exposto, objetivou-se analisar as orientações providas pelo enfermeiro ao usuário de transplante renal e averiguar as mudanças no seu comportamento no seu ambiente domiciliar, no pós-transplante.

 

MÉTODO

 

Os princípios éticos, conforme prevê a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012, foram respeitados durante essa investigação, e o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), RS, Brasil, sob o nº.  115/2018. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias.  O anonimato dos participantes foi garantido pela sua identificação com as letras de Usuário Transplantado“UT”, seguida de um  numeral arábico, de acordo com a ordem cronológica crescente da realização das entrevistas, por exemplo, UT1, UT2 e, assim, sucessivamente.

 

Estudo do tipo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, realizado com usuários pós-transplantes, cadastrados na Associação Sul Riograndense de Transplantados e Portadores de Doenças Crônicas (ASTRADOC), no município de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. ASTRADOC trata-se de Instituição sem fins lucrativos, fundada por um usuário transplantado, situada na cidade de Pelotas, rua Cassiano nº 648. Ela atende usuários portadores de doenças crônicas e que utilizam medicamentos especiais fornecidos pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

 

A população do estudo foram usuários que realizaram transplante renal. Na seleção dos participantes foram observados como critérios de inclusão: ser maior de 18 anos; ter realizado somente um transplante; ter realizado o transplante há, no máximo, 10 anos, residir na região urbana de Pelotas. Os critérios de exclusão foram: usuário com rejeição do órgão transplantado. A coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2018.

 

As entrevistas foram norteadas por um instrumento elaborado pelas pesquisadoras, contendo questões referentes ao perfil sócio demográfico: sexo, idade, tempo de doença renal crônica, tempo de terapia renal substitutiva e de transplante renal. As questões abertas admitiram capturar inquietações, desafios, facilidades e dificuldades, bem como, novas possibilidades advindas dos participantes envolvidos, como também as orientações do enfermeiro, realizadas durante a internação hospitalar, ao transplantado renal, para o cuidado domiciliar.

 

A análise e interpretação dos dados foram realizadas pela técnica da Análise Temática de Minayo(8). Pré-análise que consiste na ordenação dos dados obtidos nas entrevistas, incluindo: transcrição, leitura e organização do material e dos objetivos iniciais da pesquisa; Exploração do material que diz respeito, essencialmente, a uma classificação dos dados: sendo dividido em três etapas de forma não seqüencial:a) Leitura exaustiva e repetida dos dados oriundos das entrevistas. Com possibilidade da apreensão das estruturas de relevância, as idéias centrais que tentam transmitir e os momentos chave de suas existências sobre as ações e serviços do enfermeiro no TR. O resultado deste processo definiu as categorias empíricas. b) Retomada da revisão de literatura sobre a temática em questão. c) Constituição de um ‘corpus’ que foi recortado e reagrupado de acordo com as categorias empíricas definidas. O tratamento dos resultados obtidos e interpretação é o momento em que o pesquisador propõe inferências e realiza interpretações inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente (8).

 

 

 

RESULTADOS

 

Foram 13 participantes que atendiam aos critérios de inclusão e todos foram encontrados em sua residência no endereço fornecido. A partir da análise dos depoimentos dos participantes, relacionados às orientações recebidas no pré e pós-transplante, emergiram duas categorias: Orientações do enfermeiro ao usuário após transplante renal para o cuidado domiciliar e Mudanças no comportamento do usuário pós-transplante renal, com base nas orientações do enfermeiro, no ambiente domiciliar.  

 

Orientações do enfermeiro ao usuário após transplante renal para o cuidado domiciliar

 

Ao mencionar os cuidados específicos com as restrições alimentares, a maioria dos entrevistados fez referência ao consumo de sal, gorduras e refrigerantes, com a finalidade de prevenir complicações que possam comprometer a sobrevida do órgão transplantado, como evidenciado nos discursos:

 

Me falaram que o transplante não era uma cura e sim um tratamento [...] que eu teria que cuidar o sal, comidas fortes, o cigarro, a bebida. O rim, se bem cuidado, pode durar muito tempo [...] eu poderia falecer sem perder esse rim e sim por outras doenças [...] por isso tinha que se cuidar muito.(UT2)

Depois do transplante me deram umas receitas, tipo uma cartilha do que eu poderia fazer e comer pra evitar as calorias, as gorduras e a quantidade de sal. Sempre disseram para evitar sal e refrigerante.(UT4)

Não andar no sol [...] cuidar dos dentes e unhas. Nada de bebida alcoólica e diminuir o sal.(UT6)

Ao fazer referência aos cuidados inerentes a não rejeição do enxerto renal, os participantes mencionaram:

Antes da cirurgia me falaram da medicação para tomar por toda vida.(UT5)

No dia do transplante o médico da equipe me deu remédio pra não rejeitar. Recebi a orientação que deveria tomar os remédios todo dia até o fim da vida.(UT9)

 

O uso das medicações imunossupressoras, de modo a evitar a rejeição do órgão transplantando, foi ressaltado pelos entrevistados como um dos cuidados a serem adotados para a manutenção do transplante renal, fato que também foi evidenciado pela literatura(9).

 

Os depoimentos evidenciam que houve necessidade de seguir as orientações quanto ao uso de remédios, restrições alimentares e cuidados de higiene, tendo como finalidade diminuir os riscos de rejeição envolvidos após o TR.

 

[...] quanto ao bichinho de estimação, a minha cachorrinha [...] me disseram que não pode, mas a doutora deixou claro que eu poderia ficar com ela desde que houvesse higiene [...] a higiene já existia quando eu fazia à peritoneal, então a cachorrinha já vivia dentro de casa só não podia entrar no meu quarto, nesse sentido em casa não mudou nada, porque eu já vinha cuidando.(UT1)

Se cuidar sempre [...] com a alimentação, higiene, relação sexual, porque a gente fica com imunidade baixa.(UT2)

Recebi uma cartilha com várias orientações [...] também com relação à alimentação, higiene, uso dos medicamentos.(UT4)

 

Após o TR manter comportamentos que minimizem a exposição aos riscos de infecções, pela diminuição da imunidade, pode contribuir com a manutenção do órgão transplantado e, assim com a sobrevivência do usuário.

 

Ainda com relação às orientações do enfermeiro ao usuário após TR, no período de internação, para o cuidado domiciliar, um dos participantes relata:

 

 

 

 

Antes do transplante fui orientado sobre tudo que teria que mudar [...] da equipe, médica e enfermeiro principalmente[...] hábitos de higiene, consumo de alimentos, bebidas  [...] eu tomo cuidado e sigo o que  o enfermeiro me orientou.(UT4)

 

As orientações do enfermeiro aos usuários transplantados, durante o período de internação e no momento da alta, são importantes para o planejamento da alta hospitalar e, principalmente para os cuidados, adesão ao tratamento e mudanças de comportamentos a serem observados no domicílio.

 

Diante da importância das orientações sente-se a necessidade de um protocolo norteador do Ministério da Saúde que padronize, pelo menos de modo geral, os cuidados a serem observados no ambiente domiciliar, abarcando áreas temáticas como: alimentação, ingesta medicamentosa, utilização do tabaco, relações sexuais, entre outros.

 

Mudanças no comportamento do usuário pós-transplante renal, com base nas orientações do enfermeiro, no ambiente domiciliar

 

Diante das falas dos participantes foi possível observar as mudanças que acontecem no modo de viver do usuário que se submeteu a TR. Os discursos evidenciam que essas mudanças ocorrem baseadas nas orientações que receberam durante a internação hospitalar e no momento da alta pós-transplante. Por conseguinte, é possível inferir que as orientações do enfermeiro refletem em mudanças de comportamento e esses influenciam na sobrevivência desse usuário.

 

O comportamento alimentar relacionado às orientações recebidas evidencia mudanças após transplante renal, conforme os relatos:

 

[...] consumo muito pouco sal e gordura[...] antes eu comia muita comida forte. Na época da diálise não era nada saudável porque antes a máquina tirava e agora eu tenho que manter esse rim funcionando. Agora é muita alface, frutas, legumes.(UT2)

Não tomo vinho, cerveja, vou ao churrasco e não como aquelas quantidades, tudo tem que ter moderação. É obrigada a ter, a gente recebe essa orientação.(UT4)

[...] chegava a comer sal escondido.  Hoje eu gosto de tudo com pouco sal.(UT6)

Não tenho restrição, fui orientada a diminuir a carne vermelha, então eu evito. Mas como uma vez por semana. Só não tomo refrigerante e suco de caixinha.(UT12)

 

Com vistas à prevenção das possíveis complicações, a adesão a uma dieta com baixo teor de sódio, açúcar e gorduras permanece uma necessidade de mudança para uma prática nutricional saudável nos hábitos alimentares e no seu comportamento, ainda não satisfeita nos usuários após TR.

 

Já o uso do tabaco não foi demonstrado pela maioria dos participantes. Entretanto, quatro depoimentos chamam atenção, pela prática consciente do comportamento negativo para a manutenção da sobrevivência do usuário transplantado renal.

 

Antes não fumava [...] agora parece que só pra complicar eu comecei [...] mas estou parando [...] porque os profissionais dizem que é ruim e traz prejuízos para o meu rim.(UT2)

Minha esposa fuma e isso me incomoda um pouco, sei que não posso ter contato com cigarro.(UT10)

Fumei por 25 anos. Quando comecei a dialisar eu consegui parar, para entrar na lista de espera, me orientaram que seria importante abandonar o fumo.(UT11)

Desde os treze anos eu fumo. Eu me lavo bem as mãos para manter a higiene e não ter cheiro de cigarro. Mas sempre fumei.(UT13)

 

O comportamento relativo as medicações fica evidente nas falas dos usuários e destaca-se, também a diferença presente nos discursos.

 

Horários dos medicamentos devem ser cumprido [...] não atrasar, tenho muito cuidado com isso [...] preciso cuidar desse rim.(UT1)

A vida depois do transplante é cheia de mudanças [...] como a quantidade de remédios por dia e a função da higiene.(UT3)

Cheguei a tomar 23 comprimidos por dia, hoje eu reduzi bastante. Tomo 3 de manhã e 3 de noite. Mas não sigo muito os horários, eu tomo a hora que lembro, tomo a hora que acordo. Não tem hora certa.(UT8)

 

Em relação às orientações e cuidados, os depoimentos apontam as mudanças no modo de relacionarem-se com as pessoas frente às restrições/limitações impostas pós-transplantes:

 

[...] não ter contato com as pessoas [...] nos primeiros tempos nem um abraço [...] evitar gente te agarrando as mãos [...] toda hora lavar as mãos direitinho em todo contato[...] eu fiquei uns quantos meses sem abraçar minha filha.(UT1)

Antes eu vivia na rua, assava um leitão em casa e tomava umas cervejas [...] os amigos me ligavam convidando pra sair e eu amanhecia na rua. Agora eu dou uma cuidada nisso. Pra manter meu rim [...] recebi orientação e sigo os cuidados.(UT4)

Não podia beijar, nem abraçar. Usei máscara por 6 meses. Foi bem rigoroso.(UT11)

Tive restrição de contato, mas nunca fiz. Nesse caso eu nunca fui muito obediente. Nos primeiros dias usei a máscara quando as pessoas iam me visitar, mas em seguida parei de usar.(UT12)

 

A restrição de contato é uma importante mudança no comportamento que emergiu no depoimento dos participantes. Essa prática é recomendada no pós-transplante a fim de evitar complicações imunológicas que acarretam no surgimento de infecções.

As mudanças no comportamento do usuário que se submeteu a TR permeiam vários aspectos do seu modo de viver, incluindo as relações sexuais, como surgem nos depoimentos a seguir. As falas remetem a algumas mudanças inesperadas, mas que recebem orientação posterior, e também orientações que anteveem uma mudança. 

 

[...] estava ciente que depois do transplante eu teria que mudar. A gente vai pra revisões e eles te chamam te explicam sobre as vacinas, relação sexual [...] mesmo passado tanto tempo a gente recebe essas informações.(UT4)

Estou tendo um problema, uma disfunção erétil. Já recebi orientação e tudo lá no hospital do médico e da enfermeira, mas eu estou com bastante medo disso continuar [...] depender de remédio pra ter relação.(UT8)

Apesar das restrições [...] me envolver com outras pessoas é preciso ter cuidado. [...] orientaram que não posso me arriscar em relação sexual, não posso me expor.(UT11)

É possível observar o comportamento relativo ao ambiente domiciliar, baseado em orientações que visam minimizar o contato do usuário transplantado com objetos e seres vivos que possam promover a proliferação de bactérias, fungos e vírus e também melhorar a higiene no domicílio.

[...] retirei tapetes e cortinas por orientação que recebi antes do Transplante, do enfermeiro da equipe operatória do hospital. Antes de fazer a cirurgia o enfermeiro me chamou e conversamos, ele me disse para evitar o contato com aves, animais de estimação, tapetes e cortinas [...] que retirasse de casa, assim eu fiz.(UT4)

Tiramos tapetes e cortinas. Higiene em tudo, não podia entrar com calçado da rua dentro de casa. Meu material de higiene era só meu, a cama era só pra mim, cuidado com relação sexual com minha esposa. Eu evito pegar em dinheiro e ambientes fechados, também não compartilho chimarrão com outras pessoas.(UT11)

Eu queria viver, por isso queria o transplante. Eu fui orientada a mudar o comportamento em várias coisas, mas sempre tive a convicção que não mudaria em nada.(UT13)

 

 

DISCUSSÃO

 

As mudanças comportamentais dos usuários pós-transplante renal, alicerçadas nas orientações recebidas pelo enfermeiro para o cuidado domiciliar, são identificadas a partir dos discursos, com algumas fragilidades na adesão dos usuários às condutas esperadas para a manutenção do enxerto transplantado. Nesse estudo, o comportamento pode ser entendido como às mudanças de postura dos usuários transplantados, variando em movimentos ou ações em relação a um determinado ambiente(10).

 

Conforme os depoimentos dos participantes do presente estudo observa-se que as mudanças no comportamento do usuário pós-transplante renal encontram-se inter-relacionadas às orientações fornecidas pelo enfermeiro ao usuário, no período de internação, para o cuidado domiciliar. Os participantes identificam que as orientações foram importantes no sentido de rever seus hábitos alimentares (UT2, UT4, UT6, UT12) higiene (UT1, UT2), uso de tabaco (UT2, UT10, UT11, UT13) restrição de contato (UT1, UT4, UT11, UT12), dependência da medicação imunossupressora (UT1, UT3, UT8), relação sexual (UT4, UT8, UT11) e das questões referentes ao ambiente domiciliar (UT4, UT11, UT13), entre outros aspectos que inferiram nas mudanças de comportamento e/ou adequações do usuário em seu processo de adaptação ao enxerto funcional.

 

Em relação aos hábitos alimentares, os participantes fazem referência aos cuidados com o consumo de sal, gorduras, refrigerantes e bebida alcoólica. Neste estudo, os participantes não relataram nada a respeito das orientações em relação as quantidades a serem consumidas e ou restringidas  na ingesta desses alimentos na sua dieta.

 

Para a manutenção do órgão transplantado, os cuidados com a alimentação são importantes, tendo em vista a necessidade de reduzir os fatores de risco e perda do enxerto em receptores de transplante renal. Em consonância, o estudo(11) que teve como objetivo identificar os cuidados realizados pelas pessoas com o transplante renal, para a manutenção do órgão transplantado, a pesquisa realizada com 20 usuários, pondera que uma ingestão demasiada de sódio e de gordura na dieta poderá comprometer a função renal.

 

O mesmo estudo(11) evidencia que a pessoa com o TR, consciente de que é possível perder o enxerto, assume cuidados que considera importante, tornando-se protagonista de sua saúde e co-responsável pelas ações do cuidado. Portanto, o comportamento alimentar é considerado um fator de mudança de comportamento importante no tratamento e sobrevida no pós-transplante.

 

Ao relatar as mudanças de comportamento alimentar, destinados à manutenção do transplante renal, os participantes manifestaram ter modificado o seu consumo de sal e gorduras e, somente um participante referiu o aumento na ingesta de alface, frutas e legumes. Outro participante relata não tomar vinho e cerveja, bem como, relata comer churrasco com moderação. Ainda, outro nos fala sobre as restrições alimentares, quanto ao consumo de carne vermelha e a não tomar refrigerantes e suco de “caixinha”. 

 

Assevera-se que a sobrevida do órgão transplantado, depende, em grande parte, dos cuidados com a alimentação, porque uma dieta que não cumpre com as orientações para o consumo de sódio, gorduras, carboidratos, entre outros alimentos, poderá comprometer o tratamento e a sobrevida do transplante renal. Ao estabelecer o suporte nutricional necessário para prevenir a obesidade, a hiperlipidemia, a hipertensão, o diabetes e a osteoporose, que são os efeitos adversos associados ao uso de drogas imunossupressoras, as orientações do enfermeiro são estratégias capaz de repercutir, positivamente, na prevenção e promoção da saúde ao usuário transplantado renal, que ao modificar o seu comportamento alimentar e adquirir hábitos saudáveis, convergirá para manter a saúde e maximizar a sobrevida do enxerto(12).

 

 

Deste modo, o comportamento do usuário transplantado renal representa as mudanças de postura observadas por meio de suas ações no domicilio, após a alta hospitalar. Essas ações podem influenciar na sobrevivência do usuário, como evidencia o estudo(13) ao indicar que as principais causas de óbito dos usuários transplantados são as doenças cardiovasculares associadas a fatores de risco comportamentais como sedentarismo, obesidade e alimentação com alto teor de gordura, bem como as infecções, que se relacionam com a terapia imunossupressora, práticas inadequadas de higiene e o tabagismo.

 

A despeito dos cuidados de higiene corporal e do domicilio, tendo como finalidade diminuir os riscos de infecções e rejeição do enxerto renal, os participantes relatam que receberam informações que impactaram mudanças de comportamento para a manutenção e sobrevida do enxerto renal. Dentre os cuidados com a higiene, somente dois dos participantes fizeram referência a lavagem das mãos. Quanto ao contato com animais de estimação, referiram algumas restrições e adequações, a fim de manter a higiene do domicilio e a proliferação de patógenos. Neste aspecto, os participantes referiram: retirada de tapetes e cortinas, não compartilhar chimarrão, não entrar em casa com calçados usados na rua e evitar ambientes fechados.

 

Ainda, no que tange ás limitações impostas no pós-transplante, elencaram algumas das orientações a serem seguidas, tais como: contato físico e social com as pessoas e uso de máscara, a fim de evitar exposição e risco de infecções. Desse modo, a prevenção e o controle de infecção exigem medidas técnicas e comportamentais rigorosas à manutenção do enxerto renal. Estudo(14) que revisa a disfunção do aloenxerto e a sobrevida do usuário após o transplante, evidencia a necessidade de cuidados rigorosos, uma vez que os receptores de transplante de rim encontram-se sob regimes de imunossupressores complexos que os tornam suscetíveis à infecção, neoplasia maligna e doença cardiovascular. Além disso, os pacientes geralmente apresentam múltiplas comorbidades como causa de doença renal em estágio final subjacente.

 

No presente estudo, um participante revela que, mesmo tendo recebido orientações do enfermeiro, não modificou seu comportamento no modo de viver, após o transplante renal. Quanto a essa atitude o estudo(15) ressalta a relevância de avaliar o comportamento do transplantado diante das orientações dos profissionais de saúde, com o objetivo de identificar o limiar da não aderência às condutas estabelecidas no contexto do transplante renal.

 

Em contrapartida, estudo(16) evidencia que após o transplante renal, a adesão às recomendações de mudanças de estilo de vida - tomar medicação, prevenção de infecção, automonitoramento de sinais de rejeição, alimentação saudável, exercícios físicos e proteção solar, são fundamentais para o prognóstico de sobrevida do enxerto funcional.

 

Como fator de risco potencial para a sobrevida do enxerto, o uso do tabaco pelos participantes evidencia práticas conscientes de comportamentos prejudiciais a saúde e, principalmente, à sobrevivência do enxerto renal. O estudo(17) identifica que a continuidade do tabagismo está associada a aumento acentuado do risco de todas as causas e mortalidade não cardiovascular, bem como um risco 50% maior de perda do enxerto quando comparado aos não fumantes e àqueles que deixaram de fumar. Corroborando com esses dados, outro estudo evidencia, ainda, que a cessação do tabagismo provou melhorar a sobrevida do enxerto e, em menor grau, a sobrevivência do receptor(18).

 

Na mesma linha de pensamento, o impacto do hábito de fumar na probabilidade de eventos cardiovasculares no seguimento de receptores de transplante renal é clinicamente relevante, pois provocam implicações consideráveis ​​para a prevenção de riscos associados a perda do enxerto(19). Assim, estratégias para reduzir a morbimortalidade devem incluir melhorias na educação, situação socioeconômica, conscientização sobre os riscos do tabagismo e a necessidade de adesão aos hábitos saudáveis e mudanças de comportamentos.

 

Em conformidade com as orientações, destaca-se o uso da medicação imunossupressora. Embora esse aspecto apareça nos discursos das orientações, quando se trata de comportamento, alguns usuários referiam não praticar o que foi orientado, como o horário da ingesta medicamentosa. Em sentido oposto, estudo(11) realizado com 20 pessoas transplantadas renais, observou que os participantes conheciam o mecanismo de ação dos medicamentos e a importância de cumprir a rotina medicamentosa para garantir a manutenção do órgão transplantado.

 

Com o advento da melhora da imunossupressão e da técnica cirúrgica, as mortes decorrentes da doença cardiovascular tornaram-se uma causa cada vez mais importante de perda do enxerto, particularmente, após o primeiro ano pós-transplante(12). Outro estudo(20) que teve como objetivo explorar o valor preditivo da adesão à medicação imunossupressora em receptores no primeiro ano após o TR como determinante da perda e mortalidade do enxerto até 12 anos (análise prospectiva) e sua associação com fatores sociodemográficos, médicos e apoio social (análise transversal), identificou que a baixa adesão foi associada a maior risco de perda do enxerto e mortalidade em 12 anos. Sexo feminino, educação superior, maiores efeitos colaterais dos corticosteróides, melhor percepção da função cardíaca e renal e maior suporte social familiar percebido no primeiro ano pós-transplante foram associados à adesão total ao tratamento imunossupressor.

 

Para a manutenção do órgão transplantado, é necessário o acompanhamento periódico, objetivando a realização de exames para que a dosagem das medicações imunossupressoras seja ajustada adequadamente, de modo que se mantenha ação eficaz e segura, evitando a rejeição(21). Os usuários com transplante renal, portanto, ainda são considerados portadores de uma doença crônica(22).

 

Estudo(23) que teve como objetivo analisar as percepções de enfermeiros e dos transplantados sobre a consulta de enfermagem pré-transplante renal, com 10 enfermeiros e 20 usuários transplantados, ressalta a relevância de avaliar o comportamento do transplantado diante das orientações dos profissionais de saúde. Os resultados indicaram que, na prática, a fase de pré-transplante constitui um momento rico e capaz de favorecer abordagens educativas, esclarecimento de dúvidas, redução de ansiedade e reafirmação de comportamentos de adesão à terapêutica na fase de pós-transplantação, ou seja, componentes que retratam área de atuação do enfermeiro e mostram-se essenciais para assegurar o êxito da terapêutica no pós-transplante renal.

 

Tendo em vista o exposto, o comportamento pode influenciar diretamente a sobrevivência do usuário. E esse comportamento pode ser modificado, baseado em orientações, fornecidas pelo enfermeiro, durante o período de internação e alta hospitalar após a realização do TR.

 

No que tange ao comportamento sexual, o mesmo foi elencado, na presente pesquisa, em relação aos riscos de contrair doenças, na disfunção erétil.  Entretanto, há escassez de pesquisas sobre a sexualidade em receptores de transplante de rim, bem como, de estudos que avaliem a longo prazo as consequências do transplante na sexualidade de homens e mulheres(23-24).

 

Em relação ao risco de contrair infecções, sexualmente transmissíveis, pela população de transplantados é aumentado, devido ao grau de imunossupressão. A função sexual é sensível à doença, ao sofrimento psicológico e ao desequilíbrio das relações interpessoais. Dessa forma, a orientação para o comportamento preventivo, quanto as relações sexuais, representa estratégia importante para a função sexual de forma plena e com segurança(25).

 

Os cuidados com o processo do TR necessitam ser gerenciados pelo usuário e sua família de forma pró-ativa, porém, nem sempre evidenciados no percurso de transplante. As incertezas quanto ao atendimento pré, trans e pós-cirúrgico, as complicações, suas reações e sua sobrevivência, entre outras, nem sempre são consideradas pelos profissionais de saúde(5-13). Portanto as orientações, como processo relacional interativo de informação e esclarecimentos são fundamentais para o ajustamento de um comportamento saudável e responsável, promovendo a  aderência ao tratamento, aos resultados do TR e qualidade de vida.

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os resultados desse estudo, com base nas orientações recebidas pós-transplantes, evidenciam que alguns usuários modificaram seu comportamento no ambiente domiciliar e representaram importantes adaptações e/ou mudanças para os usuários dessa pesquisa, a fim de manter o rim transplantado e sua função preservada.    

 

Para tanto, essas orientações devem ser feitas de maneira objetiva e clara para melhor entendimento e, consequentemente, adesão ao tratamento proposto. Essa forma de compartilhar as informações possibilita ao usuário de TR o gerenciamento de sua própria saúde com participação proativa à adoção de cuidados que possam impactar de forma positiva na mudança de comportamento e adaptações necessárias a sobrevida do enxerto renal. 

 

É possível afirmar que este estudo é importante para a enfermagem/saúde, uma vez que, identificou lacunas nas orientações do enfermeiro ao usuário transplantado renal. Essa constatação abre possibilidades para novos estudos que possam reorientar o cuidado com foco em educar, prevenir complicações e promover a saúde. Assim, a incorporação de evidências nas práticas do cuidado serão capazes de ancorar mudanças no comportamento do usuário transplantado renal imprescindíveis a sua sobrevivência e, consequentemente, melhoria no seu modo de viver.

 

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