REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
A sífilis
congênita (SC) se apresenta como um importante problema de saúde pública1.
No Brasil, de 2010 a 2017, foi observado um aumento no número de casos, sendo
registrados 8,6 casos por mil nascidos vivos; e, dentre
as regiões em maior evidência, percebemos a inserção da região Nordeste, com
30,5% dos casos (57.422) notificados no país. Além disso, os potiguares estão
com a taxa de incidência de SC acima da média nacional, referindo 9,9 casos/mil
nascidos vivos2.
Apesar de ser uma
doença com diagnóstico e tratamentos bem consolidados, acredita-se que sua
incidência e prevalência estejam vinculadas, sobretudo, a limitações na
assistência pré-natal, sendo essencial que haja melhorias na atenção primária3.
Dessa forma, é fundamental que sejam traçadas novas medidas com vistas a
reduzir esses casos, podendo-se destacar a capacitação continuada dos
profissionais de saúde, mediante discussão dos casos; monitoramento eficaz dos
resultados do Veneral Disease
Research Laboratory (VDRL)
de gestantes através da consolidação da vigilância epidemiológica; e, ações que
culminem com a prevenção da sífilis e do Vírus da Imunodeficiência Humana
(HIV)/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids)1.
No Brasil, a detecção da sífilis é
considerada um indicador importante para a redução da mortalidade que
influencia diretamente nos índices de desenvolvimento do país4. Por
sua vez, faz-se necessária a oferta do cuidado, a prevenção e a detecção
precoce dos casos no que se diz respeito a SC, a fim de reduzir a taxa de
morbimortalidade das crianças.
Devido ao aumento deste problema
de saúde pública, é necessário realizar intervenções para o seu controle, uma
vez que a SC é 100% evitável desde que a gestante receba o tratamento e
acompanhamento necessário durante o pré-natal.
Desse modo, é essencial a atuação
do(a) profissional enfermeiro(a) no diagnóstico e tratamento da SC, uma vez que
esta é uma profissão com relações complexas e multifacetadas, composta por uma
grande variedade de elementos e apresenta-se de maneira única para o bom
prognóstico do paciente. Um desses elementos é o cuidado, refletido como a
essência da Enfermagem, considerando que cuidar, para o enfermeiro, além de ser
um imperativo moral pessoal, comum a todos os seres humanos, é também um
imperativo moral profissional, não negociável5.
É necessário ofertar um cuidado de
forma ampla e integral ao recém-nascido (RN) com SC, uma vez que estes
pacientes são mais sensíveis e propensos às infecções, uma vez quenão possuem imunidade e nem autonomia para lidar com tal
agravo de forma independente e, por isso, necessitam receber o cuidado de
maneira multidimensional.
Nesse contexto, o cuidar na
enfermagem se relaciona com a Teoria da Complexidade de Edgar Morin, para quem o ser humano apresenta-se ao mesmo tempo
como biológico, psíquico, social, afetivo e racional6; utilizando o
seu pensar e agir ou agir e pensar de forma concomitante. Diante do exposto
temos a seguinte questão norteadora: Como a Teoria da Complexidade poderia ser
aplicada no cuidado aos recém-nascidos (RNs) com
sífilis congênita?
Nesse sentido, o presente estudo
tem como objetivo realizar uma reflexão acerca do cuidado aos RNs com sífilis congênita à luz da Teoria da Complexidade.
MÉTODO
Trata-se de uma reflexão
teórico-filosófica do cuidado aos RNs com SC, a qual
se fundamenta na Teoria da Complexidade, cujo autor, Edgar Morin,
trata a complexidade como uma maneira de compreender o mundo, de forma
integral, de modo que as relações as quais sustentam a coexistência entre os
seres no mundo e possibilitam o reconhecimento da ordem e da desordem7.
Esta reflexão foi construída a
partir de leituras correlacionadas com a temática abordada.
Foram realizados acessos ao portal
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
consulta a livros e artigos relacionadas à Teoria da Complexidade e uma revisão
integrativa nas bases de dados: Bases de Dados em Enfermagem (BDENF), US National Library of MedicineNationalInstitutesof Health (PubMed) e Scopus. Ao final da
busca, chegamos a uma amostra de 7 artigos.
Os critérios de inclusão para
seleção dos artigos foram: artigos que abordassem a temática do cuidado da SC
em RN nas bases de dados selecionadas. Como filtros, utilizamos artigos
completos, nos últimos cinco anos, nas temáticas de pediatria e doenças
contagiosas. Como critérios de exclusão: editoriais, cartas ao editor, opinião
de especialistas e revisões integrativas e sistemáticas.
Os dados foram coletados durante o
período de julho a agosto de 2019. A coleta procedeu em três etapas distintas,
na primeira etapa, foram utilizados os descritores presentes nos Descritores em
Ciências da Saúde (DeSC) e Medical Subject Heading (MeSH): “Cuidados de Enfermagem”, “Assistência Integral à
Saúde”, “Sífilis Congênita”, cruzados por meio do operador booleano AND, e “Nursing Care”, “Comprehensive Health Care”,“Syphilis Congenital” cruzados pelo operador booleano OR, a
partir dos seguintes cruzamentos 3X3: “Cuidados de Enfermagem” AND “Assistência
Integral à Saúde” AND “Sífilis Congênita”; “Nursing Care” OR “Comprehensive Health Care” OR “Syphilis Congenital”.
Na segunda etapa, foi realizada a
pré-seleção a partir da leitura flutuante, apenas a seção de títulos e resumos.
Enquanto na terceira etapa, a amostra final foi alcançada pela leitura dos
manuscritos na íntegra. Por fim, foram escolhidos 8 artigos para leitura na
íntegra nas bases elencadas e 7 foram incluídos para no estudo. Todo o processo
de coleta foi graficamente representado de acordo com o fluxograma apresentado
na Figura 1.
Para análise do material, foi
realizada a leitura na íntegra dos artigos incluídos, com a finalidade de
realizar a análise direcionada pela questão condutora, como a Teoria da
Complexidade poderia ser aplicada no cuidado aos RNs
com SC?
No que se diz respeito à amostra
selecionada, foram utilizadas as seguintes variáveis:,
ano de publicação, local de realização, base de dados de indexação do artigo,
objetivo(s) e tipo de cuidado prestado.
RESULTADOS
Por meio
da análise dos 7 artigos selecionados, conforme observa-se na Tabela 1,
verificou-se que, em sua maioria, 3 artigos (42,8%) foram encontrados na base
de dados Scopus. Identificou-se, também, que todos os
artigos (100%) foram desenvolvidos na América, sendo que 1 artigo (14,2%) foi
realizado em vários países sendo caracterizado como multicêntrico.
Detectou-se
que todos os artigos (100%) abordavam o tema da sífilis como assunto principal
e apenas 2 (28,5%) abordaram os cuidados ofertados aos RN’s
com SC.
Tabela 1 – Descrição
dos artigos da revisão segundo título, ano, local, base de dados, objetivo (s)
e tipo de cuidado prestado, Natal, 2019.
Fonte: Autoria própria.
ANÁLISE E DISCUSSÃO
O estado do Rio Grande do Norte
apresenta as taxas de incidência de SC mais elevadas que as taxas de detecção
de SG4. Isso se dá por
existirem lacunas na assistência ao pré-natal quanto à prevenção, ao
diagnóstico e ao tratamento, desafios em relação à notificação oportuna ou
subnotificação dos casos de sífilis em gestantes e dificuldades na
interpretação dos critérios de definição dos casos de sífilis congênita.
Para que essas lacunas sejam
evitadas, a Organização Mundial da Saúde determinou quatro pilares ao qual
buscam assegurar empenho político e promoção sustentáveis, aumentar o acesso e
a qualidade de serviços de saúde para mães e recém-nascidos, detectar e tratar
mulheres grávidas e seus parceiros; e, estabelecer sistemas de vigilância,
monitorização e avaliação8.
Dessa maneira, é necessário que o
fluxo dos serviços seja complexo, na medida em que o cuidado ofertado deve
envolver de forma integrada os elementos distintos relativos à SC, a saber: o
RN, a mãe e o pai; tornando-os, pois, partes do todo e, dessa forma, garantindo
um cuidado de forma integral e interprofissional9. Do contrário,
apenas o aspecto biológico (doença) será considerado.
A teoria da complexidade vem sendo
utilizada em estudos como ferramenta para compreensão de fenômenos à luz de um
pensamento “complexus”, ou seja, similar ao de um
tecido junto. Tendo em vista isto, diversas áreas utilizam desta teoria para
elucidar novas compreensões para questões complexas da sociedade5.
Nesse sentido, focaliza-se a
compreensão humana, um dos sete saberes necessários à educação proposto por Morin e que visa o olhar humano não apenas como uma
ferramenta ou objeto, mas como sujeito. Dessa forma, para ofertar e garantir um
cuidado qualificado e acurado, faz-se necessário compreender a complexidade do
sujeito9.
No tocante ao cuidado, quando
permeado pela complexidade, é capaz de compreender o funcionamento das
organizações de saúde, uma vez que estes ambientes são constituídos de
conexões. Nesse contexto compreendemos o sentido do cuidar na
enfermagem à medida que este profissional oferece atendimento pré-natal à
gestante na atenção primária (APS), assistência ambulatorial na assistência
secundária e tratamento à puérpera e ao RN com sífilis na atenção terciária.
Essa complexidade pode ser vista quando integramos os artigos
que compuseram a amostra final da revisão integrativa realizada deste trabalho.
Uma vez que alguns trabalhos abordaram o tratamento e diagnóstico da sífilis,
outros abordaram as normas para identificação de novos casos e novos tratamento
de acordo com os resultados dos testes não treponêmicos,
já outros trabalhos buscaram identificar a ocorrência em um espaço de tempo dos
casos de sífilis buscando compreender o aparecimento da infecção de maneira que
seja possível aos gestores desenvolverem políticas públicas de prevenção.
Destaca-se que o cuidado é definido como um conjunto de ações
dinâmicas, pensadas, refletidas, que perpassa a responsabilidade e a dedicação.
Durante o cuidado, executamos uma ação pensada, imaginada, prevista e
calculada, aplicando atenção, pensamento, imaginação e reflexão7. Na Enfermagem, o cuidado deve significar um trabalho
profissional específico.
Cuidar é um verbo cuja ação ocorre entre duas pessoas
presentes na situação e no ambiente de cuidado: uma pessoa que assume a posição
de ser o cuidador, e outra pessoa que assume a posição de ser cuidada. Para o
profissional enfermeiro, o cuidado deve significar zelo pelo bem-estar ou pela
saúde, preocupação e interesse por alguém. Além disso, o enfermeiro deve ser
capaz de desenvolver ações dinâmicas e inter-relacionadas com os demais
profissionais envolvidos no cuidado aos RNs com SC6.
Outro aspecto importante,
refere-se à necessidade de capacitar profissionais para cumprimento da demanda
relacionada à notificação dos casos de SC10. A formação dos cuidadores trará uma reflexão do cotidiano, o
questionamento e a transformação social uma vez que o pensamento linear e
fragmentado dará lugar ao cuidado complexo11. Ademais, quando não se tem destreza no seu fazer, nem conhecimento
de causa, a subjetividade e as dimensões do agir, sentir e pensar ficam
desassociados12.
CONCLUSÃO
A Teoria de Edgar Morin nos permite reflexões sobre a complexidade do cuidado
aos RNs com SC: estes cuidados devem ser elaborados
rompendo o modelo tradicional e com pensamento no sujeito, tendo como norte o
ser biopsicossocial que ele é e as interações desenvolvidas ao longo da
assistência prestada.
Neste estudo, foi possível perceber o cuidado de recém-nascidos com sífilis congênita à luz da Teoria da Complexidade de Edgar Morin através de diversas vertentes, sejam elas de prevenção, detecção, tratamento e/ou controle da SC considerando sobretudo as particularidades de cada situação, o que permite traçar um cuidado ampliado, seguro e efetivo.
Desse modo, essa complexidade do cuidado ao RN com SC foi identificado nas seguintes ações: na detecção do melhor teste diagnóstico da SC; no esforço para melhoria do olhar diagnóstico e de tratamento de graves consequências da sífilis, incluindo tratamento hospitalar; na implementação de medidas e esforços para erradicar a transmissão vertical da SC através da realização de novos estudos e da realização de um pré-natal de qualidade; na capacitação dos profissionais de saúde para melhor manejo da sífilis gestacional e compreensão dos determinantes sociais da sífilis; e, nas ações de educação em saúde em gestantes sobre prevenção da transmissão vertical em gestantes utilizando cartilha educativa.
Percebe-se, portanto, que o
cuidar/cuidado do enfermeiro aos RNs com SC não pode
ser realizado e nem considerado como uma ação simplificadora, mas algo
singular, que envolve interações, reflexões e autoconhecimento, ou seja, deve
ser complexo.
Quando o enfermeiro oferece um
cuidado complexo aos RNs com SC, este deve se voltar
para a inter-relação dos saberes de maneira que se possa proporcionar um
cuidado que respeite e aceite as singularidades tanto dos profissionais do
cuidado quanto do RN. O profissional de enfermagem deve ainda ampliar este
cuidado à puérpera e ao pai, uma vez que estes estão inseridos no contexto da
infecção da Sífilis e deve-se atuar com vistas a impedir a reinfecção.
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