REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
Os acidentes por animais peçonhentos em especial o escorpionismo e o ofidismo, podem
ser causadores de diversas complicações, sequelas e até mesmo o óbito. Essas
ocorrências são de grande frequência e magnitude, principalmente na área rural,
local no qual o acesso aos serviços de saúde e assistência aos acidentados é
bastante limitado. Diante disso, pode-se afirmar que os acidentes por animais
peçonhentos se enquadram como um importante agravo de saúde no mundo. (1)
Estima-se que, anualmente
ocorrem no mundo cerca de 1,8 a 2,7 milhões de acidentes ofídicos, destes 81
mil a 138 mil vítimas vão a óbito em decorrência dos mesmos. Aproximadamente
400 mil pessoas no mundo sofrem com sequelas dos acidentes ofídicos como restrição
de mobilidade, amputação, cegueira entre outros. (2)
Em regiões com saúde deficiente, como no continente africano, as
notificações ocorrem com precariedade, aproximadamente 40% das pessoas que
sofrem acidentes ofídicos são hospitalizadas, o que resulta em cerca de 20.000
óbitos por ano nessa região em decorrência do ofidismo.
Em contrapartida, em países como Estados Unidos e Canadá, são raros os
acidentes, ocorrendo uma média de 8.000 por ano, dos quais 15 a 30 são letais. (2-3)
No Brasil, implantou-se, em 1986, o Programa Nacional de Controle
de Acidentes por Animais Peçonhentos, que tem como objetivo diminuir a
letalidade dos acidentes por este grupo de animais, através do uso adequado da
soroterapia, e diminuir o número de casos por meio da educação em saúde, da
melhora do saneamento básico e das ações de vigilância em saúde. (3-4)
De acordo com o Ministério da Saúde (2016), foram notificados no
Brasil, no período compreendido entre 2000 a 2013, 360.506 acidentes ofídicos e
desses, 1.487 foram a óbito, onde as regiões de maior incidência foram a norte
e nordeste. (3,5) Segundo o Sistema de Informação de Agravos e
Notificações (SINAN), no ano de 2015 foram notificados 5.200 casos e 19 óbitos
por acidentes ofídicos na região sudeste, destes 2.530 casos e 7 óbitos
ocorreram em Minas Gerais. Na região norte de Minas, em 2006 foram registrados
2.137 casos e 2 óbitos (6,7)
Neste sentido, justifica-se a realização da presente investigação
para acrescentar informações pertinentes acerca do ofidismo
no norte de Minas Gerais- Brasil, e que poderá subsidiar o planejamento das
ações voltadas a clientela de risco e o estabelecimento de estratégia de saúde
mais adequadas, a fim de promover e contribuir para melhor qualidade de vida
das vítimas dos acidentes ofídicos e melhorar a vigilância em saúde.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi caracterizar o
perfil epidemiológico dos acidentes ofídicos em cinco microrregiões do norte de
Minas Gerais- Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, quantitativo, com
dados secundários e de acesso público. A região norte de Minas Gerais é
composta por 86 municípios, porém optou-se por analisar a ocorrência dos
acidentes ofídicos na área de abrangência da Superintendência Regional de Saúde
de Montes Claros (SRS- MOC), por ser composta por municípios que são referenciados
para a cidade de Montes Claros quanto ao manejo dos casos de ofidismo. A macrorregião de estudo é composta por cinco
microrregiões, a saber: Salinas/Taiobeiras, Coração de Jesus, Montes
Claros/Bocaiúva, Janaúba e Francisco Sá, que totalizam 53 municípios.
Os dados foram obtidos por meio do banco de dados
SINAN-DATASUS-TABNET correspondendo ao período de 2007 a 2016, disponíveis no
endereço eletrônico:
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203&id=29878153, na
plataforma foi alocado o nome dos municípios e selecionadas as demais variáveis
que tinham disponíveis no sistema, uma a uma, quando terminada a busca o
próprio sistema disponibilizava uma tabela com os dados plotados, onde foi
preciso reorganizar esses dados em novas tabelas para serem analisados. (6)
As variáveis de estudo foram as
seguintes: sexo, faixa etária, ano do acidente, tempo decorrido entre a picada
e o atendimento, tipo de serpente, tipo de acidente, classificação final e a
evolução do caso.
Os dados foram organizados em um banco de dados e submetidos à
análise estatística descritiva. Para uma análise inferencial da
variável sexo, foi utilizado o teste do χ2 a 5% de nível de significância por meio do programa
SAEG 9.1. A análise estatística viabilizou a construção de tabelas,
considerando o objetivo propostos nessa pesquisa.
Para se calcular o tempo de atendimento de cada
microrregião, utilizou-se a média de dados agrupados por intervalo de classes,
ou seja, determinou-se primeiramente a média de cada intervalo multiplicando o
resultado pela frequência absoluta do intervalo em seguida, calculou-se a soma
dos mesmos e dividiu-se pelo somatório da frequência absoluta, constituindo a
média dos valores agrupados em intervalos.
O estudo foi
desenvolvido em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº
466, de 12 de dezembro de 2012. Foi dispensado de apreciação por Comitê de
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, por se basear exclusivamente em
dados secundários consolidados no SINAN-DATASUS-TABNET, de domínio público e
sem identificação nominal.
RESULTADOS
Na tabela 1 é apresentada a análise do número de casos por 100.000
habitantes e observada a evolução pelo período de dez anos (2007 a 2016). Ao
analisar os casos totais da macrorregião, o ano de 2012 foi o que teve mais
casos, atingiu 29,7/100.000, em seguida tem-se o ano de 2007 com 29,2/100.000.
Em análise de todo o período, a microrregião de Francisco Sá obteve maior média
32,7/100.000, destacando-se o ano de 2007 que totalizou 54,1/100.000, seguida
pela microrregião de Coração de Jesus 31/100.000. Montes Claros/ Bocaiúva ficou
com a menor média 11,4/100.000.
Tabela 1: Número de
casos de acidentes ofídicos notificados no período de 2007 a 2016 em cinco
microrregiões pertencentes a uma macrorregião norte de Minas Gerais, Brasil.
Anos |
|
|
Microrregiões |
|
|
|
|
Salinas/ Taiobeiras |
Coração de Jesus |
Montes
Claros/Bocaiúva |
Janaúba |
Francisco
Sá |
Total/média |
2007 |
34,6 |
30,9 |
14,2 |
12,2 |
54,1 |
29,2 |
2008 |
22,1 |
34,7 |
13,5 |
15,8 |
50,9 |
27,4 |
2009 |
24,4 |
20,4 |
7,2 |
15,0 |
25,9 |
18,6 |
2010 |
16,6 |
14,9 |
9,6 |
17,2 |
27,1 |
17,1 |
2011 |
24,6 |
40,4 |
15,2 |
16,8 |
35,1 |
26,4 |
2012 |
23,0 |
42,5 |
12,7 |
19,8 |
50,3 |
29,7 |
2013 |
26,1 |
39,2 |
16,3 |
16,9 |
40,5 |
27,8 |
2014 |
23,6 |
28,9 |
11,2 |
10,0 |
20,2 |
18,8 |
2015 |
8,6 |
26,8 |
6,2 |
14,0 |
6,7 |
12,5 |
2016 |
12,9 |
30,9 |
7,6 |
9,6 |
16,0 |
15,4 |
Total/média |
21,7 |
31,0 |
11,4 |
14,7 |
32,7 |
22,3 |
|
|
|
|
|
|
|
Fonte:
SINAN-DATASUS-TABNET/ Número de acidentes por 100.000 habitantes
Ao analisar a idade dos indivíduos acometidos, a faixa etária de
20 a 59 anos manteve-se sempre acima de 50% em todos os anos e totalizou 58,6%
dos casos notificados. Os com menor frequência foram as crianças menores de 1
ano, que foram 2,1% (Tabela 2).
Tabela 2: Porcentagem
de casos de acidentes ofídicos por faixa etária, notificados no período de 2007
a 2016 pertencentes a uma macrorregião norte de Minas Gerais, Brasil.
Idade |
Ano |
|||||||||
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
|
< 1 ano |
2,8 |
2,4 |
1,3 |
1,3 |
2,4 |
2,7 |
1,3 |
1,2 |
1,8 |
3,3 |
1 a 19 |
27,8 |
31,3 |
30,0 |
27,8 |
26,4 |
25,9 |
27,1 |
23,4 |
14,9 |
26,0 |
20 a 59 |
60,1 |
58,8 |
60,7 |
56,4 |
56,7 |
56,9 |
57,0 |
63,2 |
61,6 |
54,6 |
> 60 |
9,1 |
7,3 |
7,8 |
14,2 |
14,4 |
14,3 |
14,4 |
12,0 |
21,5 |
15,9 |
Total |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
Fonte: SINAN-DATASUS-TABNET
Na tabela 3 tem-se o tipo de
serpente que causou o acidente. Em todos os anos foi observado que o maior
número de acidentes foi causado pelo gênero Bothrops no qual se enquadram as jararacas, destacando-se o ano de 2008, no
qual 77,3% dos acidentes foram causados por esse gênero.
Tabela 3: Porcentagem
de casos de acidentes ofídicos por espécie de serpente, notificados no período
de 2007 a 2016 pertencentes a uma macrorregião norte de Minas Gerais, Brasil.
Espécie |
|
|
|
|
Ano |
|
|
|
|
|
|
|
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
|
Ign/ Branco |
8,1 |
6,9 |
13,0 |
10,2 |
18,2 |
22,4 |
25,4 |
24,8 |
31,1 |
31,0 |
|
Bothrops |
73,5 |
77,3 |
72,5 |
74,1 |
64,9 |
57,4 |
56,1 |
55,9 |
49,0 |
50,4 |
|
Crotalus |
14,9 |
11,8 |
8,5 |
13,6 |
12,0 |
13,0 |
10,9 |
11,1 |
11,3 |
13,4 |
|
Micrurus |
0,9 |
0,9 |
0,6 |
0,0 |
0,0 |
1,8 |
2,6 |
1,8 |
1,8 |
0,8 |
|
Lachesis |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,4 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
0,0 |
|
Não
peçonhenta |
2,4 |
2,9 |
5,2 |
2,0 |
4,3 |
5,1 |
4,8 |
6,2 |
6,6 |
4,2 |
|
Total |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
100,0 |
|
Fonte: SINAN-DATASUS-TABNET
Descritas na tabela 4 estão as porcentagens acerca do sexo dos
acometidos. Na microrregião de Coração de Jesus, por exemplo, foram 75,5% do
sexo masculino. Em todas as microrregiões, o sexo masculino manteve-se sempre
predominante, acima de 70% dos casos, sendo estatisticamente superior ao sexo
feminino no teste do χ2, o valor obtido de p
foi 19,977.
Tabela 4: Média e
porcentagem de casos de acidentes ofídicos por sexo, notificados no período de
2007 a 2016 por microrregião, pertencentes a uma macrorregião norte de Minas
Gerais.
Microrregião |
Masculino |
Feminino |
Salinas/ Taiobeiras |
31,3 (72,9%) |
12,0 (27,0%) |
Montes Claros/ Bocaiuva |
39,9 (74,5%) |
13,6 (25,4%) |
Janaúba |
28,4 (71,0%) |
11,5 (29,0%) |
Francisco Sá |
17,1 (72,4%) |
6,5 (27,5%) |
Coração de Jesus |
11,1 (75,5%) |
3,6 (24,4%) |
Total |
25,5 (73,3%) |
9,4 (26,7%) |
χ2= (p >
19,977) / Fonte: SINAN-DATASUS-TABNET
Estão expostos na tabela 5 o tempo entre a picada e o atendimento.
A microrregião de Francisco Sá apresentou um tempo médio de 4,8 horas, quase
uma hora a mais que a de Montes Claros/Bocaiúva que obteve média de 3,9 horas.
A média geral das microrregiões foi de 3,6 horas. Coração de Jesus ficou com o
menor tempo entre a picada e o atendimento, que foi de 2,5 horas.
A classificação do atendimento como leve, moderado ou grave também
está na tabela 5. Os casos leves no percentual geral tiveram o maior percentual
47,0%, em seguida estão os casos moderados que perfizeram 40,9%. Já se tratando
dos casos graves, Montes Claros/Bocaiúva aparece com o maior número, 9,5%.
A maioria dos casos evoluiu para cura, estatisticamente os óbitos
são registrados em quantidade pequena. As únicas microrregiões que registraram
óbito foram, Montes Claros/Bocaiúva com 0,7% e Salinas/Taiobeiras com 0,4% dos
casos.
Tabela 5: Tempo médio
de atendimento e porcentagem de classificação do caso e óbitos notificados no
período de 2007 a 2016 em cinco microrregiões pertencentes a uma macrorregião
norte de Minas Gerais.
Microrregião |
Tempo de atendimento |
Leves |
Moderados |
Graves |
Óbito |
Salinas/
Taiobeiras |
3,4 |
50,5% |
37,8% |
6,9% |
0,4% |
Montes
Claros/ Bocaiuva |
3,9 |
41,9% |
44,5% |
9,5% |
0,7% |
Janaúba |
3,3 |
52,0% |
35,5% |
8,7% |
0,0% |
Francisco
Sá |
4,8 |
57,4% |
33,1% |
7,6% |
0,0% |
Coração de
Jesus |
2,5 |
33,1% |
53,7% |
6,9% |
0,0% |
Total |
3,6 |
47,0% |
40,9% |
7,9% |
0,2% |
Fonte: SINAN-DATASUS-TABNET
DISCUSSÃO
Este é um dos poucos estudos acerca do ofidismo
na região norte de Minas Gerais, ainda que a mesma seja considerada endêmica.
Outras localidades possuem mais trabalhos desenvolvidos sobre a temática.
Verificou-se no presente estudo que os dados sofreram variação em todos os
anos, não seguiram um padrão. O que pode ser explicado pela dificuldade de
acesso aos serviços de saúde e as deficiências nos sistemas de informação,
o que provavelmente tem como consequência, grande número de casos
subnotificados. (8-9)
Ocorre por parte dos usuários, por não procurarem
os serviços de saúde e recorrerem aos tratamentos caseiros e empíricos. Pelo
não preenchimento da ficha de notificação, ou ainda pelo preenchimento
incorreto ou incompleto desta por parte dos profissionais de saúde. E também pelas deficiências na manutenção e no funcionamento do
SINAN. (8)
Como observado, a microrregião de Francisco Sá foi a que obteve
maior média. Um dos fatores que pode favorecer o ofidismo
na região é que nessa localidade existe um número significativo de habitantes
na zona rural, visto que no último censo do IBGE de 2010 a população total
dessa microrregião era de 70.965 habitantes desses, 40.775 (57,5%) residiam na
zona urbana e 30.190 (42,5%) na zona rural. (10)
Os acidentes são multifatoriais e as ações humanas no ambiente
geram interferências significativas, visto que a quantidade dos casos ainda é
elevada. Alguns dos fatores que influenciam são, o uso de recursos naturais de
forma indiscriminada, a desordem do crescimento das cidades, as ocupações em
locais inadequados, falta de saneamento básico adequado, o processo de
industrialização, as alterações no clima em decorrência principalmente do
desmatamento e da poluição. (5)
Diante disso, a microrregião de Montes Claros/Bocaiúva quando
analisada obteve menor média. Trata-se de uma região na qual há grande parte de
seus habitantes residindo em área urbana, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), no censo demográfico realizado em 2010, essa
microrregião contava com uma população total de 454.682, sendo 406.968 (89,5%)
residentes na zona urbana e 47.714 (10,5%) na zona rural, o que pode ter
contribuído para que ocorressem menos casos, já que o ofidismo
ainda é predominante em zona rural. (10)
Não se sabe ao certo o que pode ter ocorrido para tal variação
entre os anos, não se pode afirmar se esse é o real número de casos ou se
tratam-se de subnotificações devido a perdas de documentos, falhas no processo
de notificação, dentre outros fatores que podem interferir no número de casos
que são notificados. (8)
As análises estatísticas desse estudo mostram o quanto a faixa
etária de 20 a 59 anos é superior em relação às demais. Assim como observado
neste estudo, a literatura especializada também identifica que o grupo mais
acometido pelo ofidismo é aquele em que está a
população economicamente ativa e que concentra a força de trabalho e ainda os
trabalhadores rurais, devido ao contato com as áreas de risco. (10-14)
Em concordância com o estudo feito
por Guimarães, Palha e Silva (5), que teve como objetivo
caracterizar o perfil clínico epidemiológico dos acidentes ofídicos ocorridos
na ilha de Colares, Pará, Amazônia oriental, obteve-se como resultados que, os
adultos em idade economicamente ativa (21 a 40 anos) foram mais acometidos
(43,62%), seguidos de crianças e jovens (0 a 20 anos) (25,53%), adultos (41 –
60 anos) (20,21%) e idosos (61 – 80 anos) (10,64%). (5)
Os grupos menos afetados pelo ofidismo na presente investigação foram as crianças e os
idosos. Porém, apresentam elevada vulnerabilidade clínica, sendo necessária uma
maior vigilância, o que não tira a importância da faixa etária mais acometida
(adultos de 20 a 59 anos), pois esses abrangem mais de 50% do total de vítimas,
um dado importante para as ações de vigilância em saúde. (11-13)
Sabe-se que, o acometimento das crianças se dá provavelmente por
conta da maior vulnerabilidade dessa faixa etária, o que agrava os casos é a
concentração do veneno nos órgãos alvo, a pequena massa muscular e a baixa
capacidade do sistema imunológico, há ainda um maior risco de reação adversa ao
soro antiofídico. (12-13,15) Os idosos também são pouco acometidos, devendo-se considerar a
baixa atividade dessas pessoas no campo, se expondo menos aos locais de risco.
(5)
Com isso, ao se fazer a análise do
gênero da serpente causadora do acidente, o gênero Bothrops totalizou 72,5%. Em consonância com este estudo, pesquisadores
confirmaram que, o número elevado de casos por esse gênero está descrito em diversos
estudos e chama atenção também para o segundo
e terceiro lugares que ficaram bem próximos, o gênero Crotalus e os
casos considerados ignorados e/ou brancos, que podem mais uma vez estar
representando as falhas do processo de notificação, bem como, uma
subnotificação maciça dos casos. (4,8,11)
Diante do exposto, a identificação da serpente que causou o acidente é uma importante ação que irá possibilitar a agilidade na alta da vítima picada por serpentes não peçonhentas e precisão no uso do soro antiofídico que será administrado. (16) Em Minas Gerais, encontram-se três dos quatro gêneros brasileiros responsáveis por acidentes ofídicos, a saber, Bothrops, Crotalus e Micrurus. (17)
Percebe-se que, a maior ocorrência de acidentes causados pelo gênero Bothrops, identificado tanto nesse estudo quanto na literatura de referência, se dá por diversos fatores, entre eles as diferenças físicas entre as serpentes. Os acidentes são facilitados pelo comportamento agressivo das serpentes desse gênero, elas apresentam o hábito de permanecerem imóveis e camufladas quando não perturbadas, e chegam a desferir seus botes sem produzir ruídos. Já as cascavéis possuem um chocalho terminal na cauda que produz um som particular quando ameaçada ou excitada, servindo também de aviso para possíveis vítimas. (14-15,18-19)
Além disso, ainda há a diferença dos hábitos de vida de cada serpente, as jararacas são encontradas em áreas de maior convívio humano, plantas, umidade e locais onde os roedores proliferam facilmente, como celeiros, prédios abandonados, depósitos de lenha. Em contrapartida cascavéis são encontradas em áreas secas, arenosas e pedregosas, como campos abertos e fechados, mas estão ausentes da vegetação costeira ou densa. (14,18-19)
No que diz respeito ao sexo dos acometidos, observou-se um
predomínio do sexo masculino em todas as microrregiões. O resultado foi
estatisticamente superior ao sexo feminino, perfazendo acima de 70% dos casos
em todos os anos. Em conformidade com um estudo feito por Barbosa (2016), que
teve como objetivo analisar variáveis epidemiológicas e clínicas relacionadas
aos acidentes por animais peçonhentos ocorridos no estado do Rio Grande do
Norte observou-se incidência de 76,6% do sexo masculino nos casos de ofidismo. (20)
Em consonância com os dados encontrados no estudo de Cuellar-Gordo et. al., onde tem-se 73% dos casos notificados no sexo masculino e apenas 27% do sexo feminino. Justificando-se pelo fato de o homem estar mais integrado também a atividades de lazer como pesca, caça, fazendo interferência em terras onde habitam as serpentes. (21)
Portanto, os dados encontrados na presente investigação podem ser
explicados pela maior presença dos homens em idade economicamente ativa. Os
trabalhadores rurais, segundo os estudos, é que são os mais acometidos, no
exercício de sua atividade laboral, sem dúvidas, quanto mais próximo o homem
estiver da natureza e das atividades agrícolas os riscos de ocorrência de
acidentes ofídicos são aumentados. (1,5,7,9)
Foi identificado que não existe relação
entre o tempo de atendimento e a taxa de casos graves e óbitos nas três
variáveis analisadas conjuntamente. É importante ressaltar que o tempo médio
entre o acidente e o atendimento em todas as microrregiões foi maior que de 2
horas e meia. Chegando até mesmo a 4,8 horas, como na microrregião de Francisco
Sá.
Porém, não há descrito na
literatura um tempo exato para o atendimento às vítimas. O que se recomenda é
que o tempo entre o acidente e o atendimento seja o mais curto possível, para
que seja administrada a soroterapia em até seis horas do ocorrido, evitando
assim complicações maiores. Pois tudo dependerá da classificação do acidente e
do organismo de cada vítima. (15) É evidente a importância de
disponibilizar soros em locais estratégicos e em quantidade suficiente, pois os
mesmos são a forma mais eficaz no combate ao veneno e salvar a vítima. (13,22)
É de fundamental importância, o tempo decorrido entre o acidente e
o atendimento, para se estabelecer o prognóstico da vítima, pois quanto maior o
tempo, maiores são as possibilidades de ocorrerem as complicações como
insuficiência renal, síndrome de compartimento e necrose do tecido. (5,13,22)
Pode-se mencionar, por exemplo, um estudo feito por Lima et al. (2009) no norte
de Minas Gerais, no qual a classificação dos casos em sua maioria foi leve
(66,2%), o que está em consonância com os dados que demonstram o tempo de
procura do atendimento, de 0 a 1 hora (38%) e de 1 a 3 horas (28,5%).(7)
O percentual de casos classificados como leve foi de 47,0%, um
valor que se encontra em consonância com aqueles descritos em outros estudos.
Os moderados ficaram um pouco acima do esperado dentro da literatura,
totalizaram 40,9%, já os casos graves foram 7,9%. A exemplo disso, os autores
Guimarães, Palha e Silva (2015), em seu estudo realizado na Ilha de Colares,
Pará, Amazônia oriental, relataram maior registro de casos de grau leve, com um
total de 62,7% casos, seguido pelos moderados com 30,8% casos, e 1,0% casos
considerados graves. (5)
Quando analisada a mortalidade nesse estudo encontrou-se um
pequeno número de casos, apenas 0,2% das vítimas de acidentes ofídicos foram a
óbito. Autoridades no assunto afirmam que, a letalidade pode ser elevada em até
oito vezes a depender do tempo entre o acidente e o atendimento, além do tipo
de envenenamento. (23)
Das cinco microrregiões foram notificados óbitos apenas em duas, a
saber, Montes Claros/Bocaiúva e Salinas/Taiobeiras. No Brasil ocorrem
aproximadamente 20.000 casos de ofidismo ao ano e
apenas 90 deles, ou seja, 0,45% das vítimas vieram a óbito, o que pode explicar
que a maioria dos casos evoluem com cura, situações igualmente encontradas em
outras pesquisas. (23)
Atualmente, a cidade de Montes
Claros, mais precisamente o Hospital Universitário Clemente de Faria é a
referência norte mineira para o atendimento às vítimas de acidentes com animais
peçonhentos. (7,24)
Faz-se necessário que haja a participação efetiva
de uma equipe multiprofissional tanto no âmbito da Atenção Primária, quanto na
Urgência e Emergência no atendimento às vítimas de acidente ofídico são medidas
para diminuir as inadequações apontadas, considerando que profissionais como os
enfermeiros atuam de forma ativa tanto na prevenção, quanto no tratamento das
vítimas. (25)
A partir daí se vê então o papel essencial da enfermagem nos casos
de ofidismo, a mesma deve atuar desde a prevenção até
a reabilitação. Na Estratégia Saúde da Família, devem ser promovidas ações de
educação em saúde sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e os
primeiros socorros que devem ser prestados às vítimas para evitar erros e
agravamentos de casos, como o uso de torniquete.
Nos serviços de Urgência e Emergência, o enfermeiro é quem recebe
essa vítima na classificação de risco e deve estar atento aos sinais e
sintomas. Durante a assistência ao cliente qualquer agravamento deve ter
intervenção. No âmbito clínico, o local de inoculação do veneno deve ser
cuidado e observado, pois pode ocorrer casos de síndrome compartimental
e o cuidado com a ferida também caracteriza papel da enfermagem.
Diversas foram as limitações deste estudo, a expressiva quantidade
de casos considerados como ignorados ou brancos, o que pode significar
subnotificação dos dados. O agrupamento de números discrepantes de casos em
alguns anos e um número baixo de notificações em outros anos. Há ainda a
dificuldade por não se encontrar variáveis que seriam fundamentais para o
enriquecimento do estudo, como a zona de ocorrência do acidente ofídico, se foi
rural, urbana ou periurbana, o local do corpo onde
houve inoculação do veneno.
CONCLUSÃO
Em síntese,
de acordo com os resultados deste estudo, o ofidismo
é um importante problema de saúde pública no norte de Minas Gerais,
os casos apresentam variabilidade epidemiológica quanto ao sexo, o tipo de
serpente, o tempo entre a picada e o atendimento, a classificação e evolução do
caso, os dados oscilam muito de ano para ano. Destaca-se a microrregião
de Francisco Sá que apresentou o maior tempo médio entre a picada e o
atendimento, sendo necessário avaliar as variantes que condicionaram isso e
propor estratégias para melhoria desse tempo.
As
estratégias de educação em saúde, para serem efetivas, precisam atingir toda a
população, pois podem orientar melhor os comportamentos e hábitos de prevenção
em relação ao risco de acidentes com animais peçonhentos. O tema deve ser
mais trabalhado e investigado, considerando que as pesquisas na região estudada
são escassas. Espera-se que esse estudo possa contribuir para
aprimorar a programação de políticas públicas eficazes na prevenção, proteção e
recuperação da saúde da população quanto aos acidentes ofídicos.
CONFLITOS DE
INTERESSE
Os autores informam que não há conflitos de interesse.
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