REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
Com a Nova Lei da Adoção (Lei nº 12.210/2009) e a Lei nº 13.509 de 22 de novembro de 2017, foram estabelecidas prioridades em relação a alguns tipos de adoções, sendo essas classificadas como as adoções necessárias, que incluem as adoções de crianças maiores, com necessidades especiais, com algum tipo de adoecimento crônico, inter-racial ou de grupo de irmãos.(1,2,3) Com o intuito de promover esses tipos de adoções, a Lei nº 12.955/2014 propôs uma alteração no parágrafo 9º do artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece prioridade nos processos de adoção quando o adotando for uma criança com necessidades especiais ou com algum quadro de adoecimento crônico.(4)
O adoecimento crônico é uma condição importante e normalmente apresenta desenvolvimento lento, com períodos extensos de duração, com efeitos a longo prazo e não apresenta uma causa específica, mas diversos fatores, não sendo possível prever os acontecimentos da doença.(4) O sistema familiar que convive com um diagnóstico de adoecimento crônico entra em contato com desafios e tensões que podem ocasionar uma desorganização nesse meio, sendo necessário um processo de adaptação por parte da família.
Desta forma, no caso das adoções de crianças com adoecimento crônico é necessário o envolvimento não só dos pais por adoção, como também a rede de apoio social que o sistema familiar tem acesso. Embora os termos rede de apoio social e apoio social sejam apresentados muitas vezes como sendo equivalentes, possuem diferenças entre si. (5,6)
A rede de apoio social de uma família é formada por um sistema de apoio constituído por diferentes pessoas, pertencentes ao círculo de convivência no qual a pessoa adoecida é inserida. A família e o adoecido podem receber apoio material, emocional, afetivo, de informação e interação social positiva, contribuindo para o bem-estar dos envolvidos. A rede de apoio social é uma forma de suporte para o enfrentamento das situações, fazendo com que o indivíduo não prenda sua atenção apenas nos seus problemas.(5,7,8)O apoio social faz referência à dimensão pessoal, podendo ser composto por membros da rede social que sejam efetivamente importantes para quem recebe esse apoio.(5,6)
A rede de apoio social de famílias de crianças com adoecimento crônico pode constituir uma das estratégias de enfrentamento para melhorar a qualidade de vida, tanto da criança como dos outros membros da família, desde o início da doença quanto no seu percurso. Ao entrarem em contato com a demanda de cuidados desse contexto essas famílias podem mobilizar as pessoas e os recursos para atenderem a essas necessidades. Apesar do aumento de pesquisas com o foco na rede de apoio social, ainda pouco se discute quando tal rede é referente ao adoecimento crônico, uma vez que uma das principais características desse tipo de adoecimento é o cuidado contínuo(7,9), complexo, individualizado, integrado e dinâmico.(10)
Estudos sobre adoções de crianças com necessidades especiais e o apoio social que esses indivíduos recebem ainda não são tão frequentes na literatura científica(3,6), tanto por essas adoções ainda figurarem como um “tabu”, como pela dificuldade de acessar essas famílias. Essa realidade também pode ser estendida aos casos de adoção de crianças e adolescentes com quadro de adoecimento crônico. A partir do exposto, reconhece-se a necessidade de ampliar o conhecimento científico acerca de um fenômeno de forte relevância social. Considerando tal lacuna, este estudo teve por objetivo conhecer as redes de apoio social de pessoas que adotaram crianças com adoecimento crônico, bem como suas percepções em relação ao apoio recebido.
MÉTODO
Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo de caso coletivo(11) fundamentado na metodologia de pesquisa qualitativa e organizado segundo as diretrizes do protocolo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research – COREQ(12). O referencial teórico de análise foi o da Psicologia Positiva(13,14).
Participantes
A amostra de conveniência foi composta por quatro famílias que adotaram crianças e/ou adolescentes com algum quadro de doença crônica, sendo quatro mães e três pais, todos residentes em uma cidade do interior do Estado de Minas Gerais. Não houve restrições com relação à orientação sexual do casal, quadro de adoecimento crônico, presença de filhos consanguíneos ou de outros filhos por adoção e as condições socioeconômicas. Em relação aos critérios de exclusão, não foram incluídos casais que passaram por processos de adoções de crianças e/ou adolescentes com necessidades especiais. Crianças e adolescentes com necessidades especiais de saúde possuem maior risco de apresentar condições físicas, comportamentais e psicológicas que demandem, em comparação com crianças e adolescentes em geral, maior necessidade de uma rede de serviços especializados de saúde(15), como no caso de sujeitos com síndrome de Down e transtornos mentais, por exemplo.
Instrumentos
Para a realização desta pesquisa foram utilizados dois instrumentos: (a) Roteiro de entrevista com os pais, que abordou aspectos relacionados à repercussão da adoção na família e amigos, os responsáveis para com o cuidado com o filho(a) e as especificidades desses cuidados nas rotinas desses sistemas; (b) Diagrama de Escolta, que teve como objetivo investigar a relação interpessoal do casal no processo de adoção de crianças e/ou adolescentes que apresentam algum quadro de adoecimento crônico. O modelo escolhido foi o de Escolta de Apoio Social(16).
Coleta de dados
Para este estudo, quatro famílias foram contatadas. O processo de coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2018 e foi conduzido pela primeira autora, psicóloga voluntária de um Grupo de Apoio à Adoção da cidade pesquisada. O recrutamento das famílias foi realizado a partir do banco de dados desse grupo. A partir das buscas pelas adoções de crianças com adoecimento crônico realizadas na cidade, localizaram-se cinco famílias. No entanto, uma delas não aceitou participar, não relatando o motivo da recusa.
Primeiramente foi realizado o contato telefônico com as famílias, a fim de explicar o objetivo da pesquisa e, em caso de manifestação de interesse em participar, agendar o encontro. No encontro com os pais, após a leitura conjunta e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), houve a aplicação do roteiro de entrevista de modo individual com cada cônjuge e depois o Diagrama de Escolta de Apoio Social com o casal. No final do encontro foi identificada a rede de apoio social dessas famílias por meio dos nomes e telefones. A coleta aconteceu na casa dos participantes ou no ambiente de trabalho dos mesmos, em lugares reservados. Em respeito ao anonimato foram utilizados nomes fictícios. As entrevistas foram gravadas em formato de áudio e transcritas na íntegra.
Análise de dados
Para a análise, o corpus foi interpretado de duas formas, primeiro uma análise vertical para demonstrar o que foi destacado em cada caso, como cada família é composta, bem como características da rede de apoio apontada no Diagrama de Escolta. E a segunda, uma análise horizontal, para compreender os aspectos semelhantes e diferentes dos casos. Para a análise qualitativa das entrevistas foi utilizada a análise temática reflexiva(17), que tem como objetivo identificar, analisar e relatar padrões (temas) nos dados obtidos. A análise do Diagrama de Escolta considerou a estrutura e a função da rede de apoio social(16). O corpus (entrevistas e diagramas) foi interpretado em relação ao tema (adoção e apoio social) e com o apoio do referencial teórico da Psicologia Positiva(13,14).
Aspectos éticos
O projeto que deu origem a este estudo seguiu as recomendações da Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (CAAE nº 67768417.0.0000.5154, Parecer nº 2.162.841).
RESULTADOS
A partir da análise temática reflexiva foram produzidos dois temas principais: (1) “As características da rede de apoio social e os cuidados parentais” e (2) “O papel dos apoiadores no curso da doença crônica”.
As características da rede de apoio social e os cuidados parentais
Nesta temática foram incluídos os resultados relacionados às características das famílias e das respectivas redes de apoio, destacando-se a instabilidade da composição da rede no curso da doença crônica.Conforme pode ser observado no Quadro 1, os pais entrevistados tinham entre 38 e 48 anos de idade, com profissões diversas, a maioria relacionada à área de saúde. Uma das famílias era monoparental e outra estava em processo de separação conjugal. A religião professada pelos cônjuges não foi a mesma entre os casados. Em relação aos filhos por adoção, dois foram adotados no primeiro ano de vida e apenas um tinha uma doença transmissível. O número de pessoas mencionadas nas redes de apoio social desses pais variou de oito a 27.
As famílias, ao serem questionadas sobre a sua rede de apoio, no primeiro momento demonstraram dificuldades em elencar quem as auxiliavam no dia a dia. A maioria dos pais destacou que o cuidado ao filho no cotidiano era restrito a eles mesmos. No entanto, conseguiram apontar pessoas que foram significativas nesse processo, tanto da família extensa, ou seja, não nuclear, além de amigos e profissionais da área da saúde que deram suporte em momentos importantes ou de maior dificuldade. Em relação ao tipo de apoio oferecido, todas as famílias mencionaram o apoio emocional e três delas o apoio informacional. Apenas uma família mencionou o apoio financeiro. Em termos das mudanças de rotina, duas famílias mencionaram que houve uma redução da vida social e três relataram mudanças centralizadas nas necessidades dos filhos sem termos de tratamento, alimentação, higiene e cuidados básicos, por exemplo.
Quadro 1 – Caracterização dos pais e seus filhos por adoção, das redes de apoio social e das mudanças cotidianas nessas famílias em função do adoecimento crônico.
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Barney e Betty |
Jonathan e Martha |
Jenny |
Odin e Gaia |
Pais |
Idade |
41 e 38 |
48 e 44 |
56 |
38 e 46 |
Estado conjugal |
Casados |
Separando-se |
Viúva |
Casados |
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Profissão |
Negócios Saúde |
Setor Público Saúde |
Saúde |
Indústria e Do Lar |
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Religião |
Espírita e Católica |
Católica |
Espírita |
Católico e Evangélica |
Filho |
Idade de adoção |
8 meses |
4 anos |
3 anos |
4 meses |
Idade atual |
4 anos |
16 anos |
15 anos |
8 anos |
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Doença crônica |
HIV positivo |
Asma crônica |
Paralisia cerebral |
Paralisia cerebral |
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Rede de apoio |
Número de apoiadores |
15 |
27 |
14 |
8 |
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Tipo de apoio mencionado |
Tangível, financeiro e emocional |
Tangível, informacional, emocional |
Tangível, informacional, emocional |
Tangível, informacional, emocional |
Mudanças na rotina |
Vida social menos ativa/ Necessidades do filho (tratamento, alimentação, higiene, cuidados básicos) |
Necessidades do filho (tratamento, alimentação, higiene, cuidados básicos)
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Vida social menos ativa |
Necessidades do filho (tratamento, alimentação, higiene, cuidados básicos) |
Conforme pode ser observado na Figura 1, os apoiadores mencionados por Barney e Betty eram membros da família extensa, amigos, profissionais e o Grupo de Apoio à Adoção. O apoiador mais destacado pelo casal em relação ao cuidado do filho foi a avó materna com quem mantinham contato diário.
Figura 1- Diagrama de Escolta e Apoio Social do casal Barney e Betty.
Jonathan e Marta também referiram pessoas da família extensa, amigos, profissionais e o Grupo de Apoio à Adoção, mas também referiram uma cuidadora contratada (Figura 2). O cuidado do filho era exercido pelo casal e por essa cuidadora.
Figura 2- Diagrama de Escolta e Apoio Social do casal Jonathan e Martha
Com relação à Jenny, além da família extensa, amigos e profissionais, referiu também cuidadores e a instituição na qual trabalha (Figura 3). No tocante ao cuidado com a filha os principais atores mencionados foram os amigos.
Figura 3- Diagrama de Escolta e Apoio Social de Jenny
Odin e Gaia referiram ter poucos amigos (Figura 4) e que o cuidado com o filho se restringia ao casal.
Figura 4- Diagrama de Escolta e Apoio Social do casal Odin e Gaia
O papel dos apoiadores no curso da doença crônica
Este tema contempla a descrição dos tipos de apoio social proporcionados pelas redes, bem como exemplos de demandas que os pais tiveram em relação ao adoecimento crônico de seus filhos por adoção. A importância desses diferentes apoios, como o apoio emocional, o informacional e o financeiro no curso da adaptação familiar ao tratamento da doença crônica de seus filhos foi destacada pelos participantes:
“Apoio emocional... Primeiro ela foi fonoaudióloga do Bambam, depois também essa questão de tirar dúvidas e desabafar, emocional” (Betty).
“O financeiro, a única coisa que continuou é que ela continuou recebendo o benefício, esse benefício eu pago a escola dela” (Jenny).
“Orientação, basicamente essa orientação geral” (Jenny).
“Ixi... a gente foi em vários (Grupos de Apoio à Adoção) (...) sempre para aprender mesmo (...) o Grupo de Apoio, pra gente, se tornou parte da nossa vida” (Martha).
Esses exemplos colocam em destaque as dimensões informacional e emocional, consideradas essenciais por esses pais. As informações referem-se tanto ao processo de adoção como às necessidades de cuidados em decorrência do adoecimento crônico, realidades com as quais esses pais não estavam acostumados. O suporte afetivo foi considerado relevante no compartilhamento de dúvidas e ansiedades ao longo desse processo, não apenas no início da experiência dessa parentalidade, mas ao longo da adaptação familiar e das rotinas de cuidados. Nesse sentido, aspectos mais objetivos como os cuidados com o banho, a alimentação do filho, o apoio quando os pais precisam se ausentar e o auxílio profissional especializado também foram algumas demandas de apoio mencionadas pelos participantes, como destacado a seguir:
“Ajudava no cuidado, né? Se eu precisava sair, alguma coisa assim, ele (o filho) ficava. Se precisasse dar um banho ele dava, se fosse pra dar uma comida ele dava” (Gaia e Odin).
“De convivência, de cuidado, de levar na escola quando eu viajo, é meu braço direito” (Jenny).
“Das minhas amigas. Eu falo que elas são tias dele. Várias vezes já me salvaram, fazendo fisioterapia, sabe?” (Martha).
Por essas narrativas, destaca-se que os cuidados mencionados por esses participantes se referem, sobretudo, à rotina de cuidados com essas crianças, com algumas especificidades em decorrência do adoecimento crônico dos filhos e também pelo processo de adaptação à adoção.
DISCUSSÃO
Os respondentes demonstraram sua afetividade por meio de recordações significativas que marcaram a família. Os cuidados relembrados por esses participantes foram considerados positivos por terem auxiliado em momentos nos quais que a família necessitava de tal recurso. A família extensa, os amigos, os Grupos de Apoio à Adoção e os profissionais da área da saúde foram a rede de apoio social que os participantes destacaram, sendo essas responsáveis por algumas funções que para as famílias eram consideradas importantes naquele processo.
É importante destacar que, de acordo com a visão da Psicologia Positiva, para a pessoa florescer, ela precisa de um meio propício para isso. O florescimento (flourishing) significa um estado no qual os indivíduos sentem uma emoção positiva pela vida, apresentam um ótimo funcionamento emocional e social e não possuem problemas relacionados à saúde mental, ou seja, a pessoa percebe que sua vida está indo bem, se sentindo bem (predominância de emoções positivas), funcionando bem e vivendo uma vida com alguma finalidade ou significado(14,18). Desta forma, quanto mais pessoas engajadas nessa função, do apoio e do cuidado, mais o indivíduo saberá com quem pode contar e com isso ter segurança para compartilhar as suas dificuldades e conquistas(13). A sensação de terem com quem contar em momentos de maior necessidade pode permitir a expressão de sentimentos como os de gratidão, fortalecendo as emoções positivas fundamentais ao florescimento.
Conforme apresentado nos resultados, a rede de apoio pode sofrer alteração ao longo do tempo, recebe interferência em decorrência do estágio da doença e do convívio com as pessoas, pode se alterar em resposta aos eventos críticos que a família vivencia (19). Assim, essas redes são dinâmicas e devem ser compreendidas nessa perspectiva, ainda que alguns tipos de apoio possam ser mais perenes, como o das pessoas mais próximas e mesmo mais sazonais, como no caso do grupo de apoio à adoção.
O envolvimento de familiares apoiadores no cuidado das crianças foi mencionado pelos participantes. Estudo prévio destaca que tal envolvimento depende do fator engajamento, ou seja, da disponibilidade e do envolvimento necessário para se atender às demandas, quando acionados. As pessoas que passam a ser referência de uma rede de apoio apresentam um motivo por terem realizado alguma atividade para esse sistema familiar, e a partir disso se reconhece com o seu papel em tal função, atribui-se um sentido na posição que ocupa para a família que ajuda.(14)
Pode-se perceber que a quantidade de pessoas presentes na rede de apoio, destacada pelos pais, é variável, com uma família tendo acesso a 27 pessoas e outra com oito pessoas. No entanto, é importante destacar que a qualidade da rede de apoio não é determinada apenas pela quantidade de pessoas mencionadas ou efetivamente presentes, mas sim pelos laços estabelecidos e quais as necessidades que essa rede está conseguindo atender (19). Assim, se a família possui maior quantidade de apoiadores que realizam sua função quando acionados, da forma como esse sistema familiar necessita, maior o potencial dessa criança florescer, ou seja, desenvolver-se melhor, ter a oportunidade de suprir suas necessidades e ser estimulada em seu ambiente.
A adoção de crianças com adoecimento crônico envolve significativas particularidades, desde a convivência com a família consanguínea até a adaptação com a família por adoção. Desta forma, a criança se adapta com o adoecimento e também com esses ambientes de convivência, através dos relacionamentos interpessoais que ela estabelece com o meio. Os relacionamentos interpessoais, sendo eles positivos ou não, influenciam no bem-estar, ou seja, a presença ou ausência poderá influenciar na qualidade de vida do indivíduo (13). Os aspectos negativos presentes nas experiências anteriores podem não ser determinantes no futuro, uma vez que ao ter a possibilidade de novos relacionamentos interpessoais, nesse caso a família por adoção e a rede de apoio social, a criança com adoecimento crônico passa a ter uma série de experiências que podem potencializar o seu bem-estar e a realização permanente (13,14). Os relacionamentos interpessoais, sendo eles positivos, tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento saudável das pessoas.
No presente estudo, as famílias elencaram os familiares e os amigos como convivências frequentes do cotidiano, que possibilitavam interações sociais significativas, os principais meios que acionavam para buscar ajuda para o cuidado com o(a) filho(a). A família, tanto nuclear (filhos e nora) como a extensa (avós, madrinhas, tias e tios), foi apontada como presente no decorrer na vida do(a) filho(a). Parentes, como os tios, madrinha e avós são presenças importantes, com participações ativas na vida das pessoas e no cuidado com a criança(8).
Os amigos foram apontados como apoio fundamental para algumas famílias. Este resultado corrobora estudos prévios que apontam os amigos como responsáveis, na maioria das vezes, pelo laço afetivo e apoio emocional. Constituem-se em uma referência para compartilhar momentos de alegria e tristeza, busca de conforto, bem como a lealdade em manter algo em segredo(9,19). Os laços de amizades presentes no contexto do adoecimento fazem com que esse relacionamento passe a ter novos significados, as pessoas passam a ser consideradas como membros da família extensa(10), denotando maior engajamento emocional.
No presente estudo, podemos destacar duas instituições positivas, o sistema oficial de saúde e os Grupos de Apoio à Adoção. Essas instituições positivas são responsáveis em ajudar, promover saúde e, com isso, o bem-estar. Esses ambientes, quando assumem um papel de referência, podem se constituir como uma rede que apresenta alguma função importante na vida daqueles que as acionam, como enfatizado pela Psicologia Positiva(13). Os participantes destacaram que essas instituições eram locais em que buscavam informação e também eram acolhidos em suas necessidades, principalmente quando não sabiam como lidar com o(a) filho(a), tanto no aspecto do adoecimento (sistema oficial de saúde) como nos assuntos relacionados à adoção (Grupo de Apoio à Adoção).
As famílias destacaram também a atuação dos profissionais da área da saúde como extremamente importante, principalmente de psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Os serviços de saúde são apresentados pelas famílias como o primeiro local que acionam para que a doença seja desvendada, explicada e tratada, é um ambiente responsável em fornecer apoio, informação, orientação, bem como conforto emocional. Esse apoio é fundamental, uma vez que é por meio dele que a família ameniza a tensão, ansiedade e angústia diante do processo desconhecido da doença, é através da construção do vínculo profissional-família que formas de enfrentamento são estabelecidas e, com isso, os cuidadores se fortalecem para oferecer o melhor cuidado(20). No caso das famílias que não encontram na sua rede de apoio o auxílio de seus familiares e amigos, por exemplo, os equipamentos formais de cuidado e seus profissionais podem exercer um papel ainda mais significativo, contribuindo para cuidados tanto físicos como informacionais, emocionais e de acolhimento(10).
Quando as ações dos profissionais, bem como dos programas de saúde, ocorrem de forma desarticuladas, o cuidado para com a família não contempla uma atenção integral. Esse ambiente deve promover um cuidado integral e resolutivo que não foque apenas em ações exclusivas do adoecimento da criança, mas sim reconheça a importância de se entender a dinâmica familiar e os outros indivíduos que pertencem a esse meio.(5) Esse cuidado voltado para com a família pode diminuir a sobrecarga desta e, com isso, é de suma importância incluir práticas de cuidado com esse objetivo nas políticas públicas, em que se estabeleça a integração do cuidado em todos os níveis de atenção à saúde, com a finalidade de melhorar a vida do sistema familiar e, por consequência, a qualidade de vida das crianças com adoecimento(21,22).
Dessa forma, quando esses equipamentos estão engajados em suas ações e funcionam como instituições positivas, como destacado na Psicologia Positiva, podem contribuir para o florescimento das pessoas, permitindo o desenvolvimento do sistema familiar(13). Tanto a família como os amigos foram considerados relacionamentos interpessoais significativos para o sistema familiar. As instituições positivas destacadas – o sistema oficial de saúde e o Grupo de Apoio à Adoção – compõem a rede de apoio social que eles têm acesso. Esses representantes foram fundamentais na articulação do cuidado para com a criança com adoecimento. Por meio da disponibilidade e do comprometimento da função ocupada por cada relacionamento tanto com a família, como com o cuidado direto com o filho, todos os integrantes se articularam para o melhor funcionamento do sistema familiar.
Os participantes desse estudo elencaram três tipos de apoio recebido pela sua rede de apoio social: emocional, material e o de informação. O apoio emocional foi exercido tanto por familiares, amigos, como por profissionais. O apoio emocional se caracteriza pelas relações de empatia, escuta, compreensão, expressão de confiança e cuidado, a partir dele a família tende a superar o impacto da doença(7,20). No caso do adoecimento crônico esse tipo de apoio é fundamental, uma vez que devido aos acontecimentos derivado da doença, o estresse passa a ser presente nesses núcleos familiares, em decorrência das alterações ocasionadas pela cronicidade. A necessidade de suporte é evidenciada, em decorrência do sentimento de desamparo. Esse auxílio emocional é benéfico, pois minimiza o sofrimento frente às dificuldades que essas famílias são acometidas. As demonstrações de afeto beneficiam tanto a criança como sua família, encorajam o sistema familiar a enfrentar o problema de saúde, bem como fortalecem a projeção dos próximos passos, a esperança passa a ser renovada e o meio se adapta positivamente para conviver com a doença, enfrentando cada estágio desse processo(9).
O apoio material, em que há a ajuda por meio do provimento de recursos, bem como de dinheiro(7), foi observado, principalmente pela família extensa. A família de uma criança com adoecimento sente diretamente o impacto financeiro ocasionado pela demanda da doença e, com isso, novos arranjos precisam ser realizados. Ao terem a quem recorrer com relação aos gastos decorrentes do tratamento da doença, possibilita-se dar continuidade ao tratamento adequado e também o cuidado necessário, minimizando uma das situações estressoras, que é o gasto advindo do adoecimento(9). No entanto, este tipo de apoio foi verbalizado apenas por uma família.
Além do apoio financeiro pela família extensa, este estudo também apontou o recurso oferecido pelo governo para crianças com paralisia cerebral. As famílias buscam no Governo Federal a assistência necessária para continuar o tratamento. A proteção legal e a criação de políticas públicas específicas, eficazes, voltadas para esse público, são essenciais, uma vez que essas famílias precisam receber o apoio e as crianças o cuidado de qualidade (3).
O último recurso destacado pelas famílias foi o apoio de informação, que se caracteriza pelas orientações, advertências, sugestões e informações (7,20). Para os participantes as pessoas que ofereciam esse tipo de apoio foram os amigos, profissionais de saúde e os Grupos de Apoio à Adoção (23).
Os cursos de preparação para a adoção e os Grupos de Apoio à Adoção apresentam um papel importante nas famílias por adoção e também podem ser consideradas instituições positivas(13). O primeiro por ser no início, em que os pais precisam passar por ele para serem habilitados para a adoção, e o segundo por ser um espaço que os pais podem frequentar tanto antes da adoção como depois. Esses ambientes procuram sensibilizar os pais em relação às diversas questões presentes na filiação por adoção, é um espaço que procura refletir sobre a decisão de adotar, as motivações, os medos e fantasias inerentes a esse tipo de filiação. É a possibilidade das famílias pensarem sobre os conflitos e dificuldades característicos dos relacionamentos entre pais e filhos, bem como a melhor elaboração desses conteúdos enquanto esperam a chegada da criança e depois com o pós-adoção(23). O grupo faz com que as famílias sejam acolhidas diante de suas inquietações e recebam o devido apoio e amparo para prosseguir no dia a dia, pois muitos participantes passaram pelas mesmas situações, como por exemplo, a adaptação inicial da família, os preconceitos presentes na sociedade, entre outros. E também a possibilidade de mudança em decorrência dos temas abordados, já que o grupo faz com que os futuros pais modifiquem os estereótipos que são atribuídos à adoção e sejam acolhidos diante de suas dificuldades(3,23).
Em relação ao apoio informacional, na área de saúde, esse é imprescindível, uma vez que por meio dessas informações as famílias amenizam a angústia e a ansiedade diante do desconhecido, haja vista que o diagnóstico completo pode ser demorado. Esse ambiente, ao oferecer o cuidado tanto para a criança com adoecimento como para a sua família, faz com que se proporcione a esses envolvidos um espaço de escuta qualificada(13). Nesse contexto, o profissional passa a conhecer a realidade daquela família, externa ao ambiente hospitalar/clínico, bem como compreender a dinâmica da família em relação ao processo do cuidar, atende às demandas daquele sistema familiar, ou seja, proporciona um ambiente humanizado e de qualidade para todos os envolvidos(7,20).
Esse cuidado humanizado, por parte dos profissionais, faz com que os familiares se sintam seguros e preparados na realização dos procedimentos que a criança necessita, uma vez que essas pessoas passam a entender os cuidados necessários que a doença exige. Desta forma, práticas de educação em saúde precisam ser realizadas por parte dos profissionais para com a família. A equipe de saúde deve se constituir como uma rede de apoio social para atender essas famílias de acordo com a demanda de cuidado da criança com adoecimento crônico(9,22).
Esses foram os recursos aos quais essas famílias tiveram acesso e que as ajudaram a enfrentar as dificuldades tanto relacionadas à condição do adoecimento crônico, como também aos aspectos característicos da parentalidade adotiva. A presença dessas pessoas e os recursos que cada um dispôs para a família fizeram com que os laços sociais afastassem o foco centrado nos problemas do cotidiano. No entanto, é possível perceber que, em relação aos tipos de apoio social, as famílias não foram atendidas em sua totalidade. As ações da rede de apoio são voltadas para a prática do cuidado. Apesar de o apoio emocional ter sido mencionado, não foram evidenciadas práticas voltadas para oferecer carinho e expressões de afeto a essas famílias. Isso pode ser explicado pelo fato de o adoecimento despertar, de maneira frequente, demandas específicas, materiais e instrumentais, necessidades essas que acabam se sobrepondo aos aspectos afetivos desses pais e cuidadores. Também não ficou evidente a interação social positiva, pois essas famílias não relataram momentos de lazer e recreação. Pode-se concluir que, apesar da presença de uma rede de apoio, ficam evidentes ações voltadas para o cuidado para com o adoecimento, centralizadas na criança adoecida e não para o sistema familiar de forma integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou conhecer as redes de apoio social de pessoas que adotaram crianças com adoecimento crônico, bem como suas percepções em relação a esse apoio recebido. Os principais tipos de apoio demandados foram os de ordem material, informacional e emocional. A família nuclear e a extensa, os amigos e os profissionais foram elencados como os integrantes da rede de apoio social. A família e os amigos foram elencados como participantes essenciais nesse processo, sendo a primeira uma provedora de apoio financeiro e emocional, participando do cuidado diário. Para os casos em que a família não residia na mesma cidade, os amigos assumiram essa função, sendo que auxiliavam em atividades com o foco no adoecimento, apoio emocional e de informação. Desse modo, na perspectiva da Psicologia Positiva, a família e os amigos constituem relacionamentos interpessoais significativos e que contribuem para o bem-estar, não só pela oferta de apoio, mas também por compreenderem os hábitos, as demandas e também os aspectos emocionais que circundam a adoção de crianças com adoecimento crônico.
A atuação dos profissionais de saúde também foi apontada, em que os mesmos devem oferecer práticas de cuidado para a família para que esta se sinta auxiliada e preparada para prover o cuidado necessário para com o(a) filho(a). Notou-se a ausência de menções a profissionais de educação na rede de apoio dessas famílias, o que pode ser melhor investigado em estudos vindouros. Os Grupos de Apoio à Adoção também foram listados como importante recurso para o apoio informacional, uma vez que constituem um espaço no qual as famílias podem buscar auxílio e acolhimento, haja vista que também são frequentados por pessoas que passam por situações semelhantes, em um importante processo de identificação.
Com relação às limitações da pesquisa, destaca-se o difícil acesso a essas famílias. Outras estratégias metodológicas poderiam ter sido construídas, como os grupos focais com esses pais e possivelmente com as redes de apoio. Investigações mais aprofundas em torno das instituições mencionadas como positivas, como os grupos de apoio à adoção, podem trazer outros apontamentos sobre como ocorre o cuidado e o estabelecimento do apoio social nesses contextos de atenção.
A partir do estudo foi evidenciada a importância de serem estabelecidas políticas públicas com o foco na demanda dessas famílias, em que as práticas são voltadas para o cuidado com a criança com adoecimento, mas atuações com os familiares também precisam ser realizadas como forma de fortalecê-los e encorajá-los em seu cotidiano desafiador. A equipe de saúde deve se constituir como uma rede de apoio social para atender essas famílias de acordo com a demanda de cuidado da criança com adoecimento crônico, promovendo uma atenção não exclusivamente voltada para o tratamento, mas para a promoção de um cuidado que envolva o fornecimento de informações, o acolhimento de dúvidas e o manejo de emoções por vezes expressas por essas famílias. Ainda que essas redes de apoio possam se organizar de modos distintos e independentes, reconhece-se que a maior proximidade entre as mesmas poderia ser benéfica para um cuidado mais integrado, a exemplo do diálogo a ser fomentado entre equipamentos de saúde, de educação e de assistência social.
O binômio cuidar/educar parece adquirir aqui novas nuanças, de modo que o cuidar deve ser um processo mais amplo e composto por diferentes vértices. Esses vértices devem incluir a educação, o provimento de recursos materiais, as necessidades de formação e de informação, de acolhimento emocional, de pertencimento social, bem como de reflexões constantes sobre a oferta de uma atenção de qualidade por parte de todos que compõem os diversos círculos desse cuidar, fortalecendo e potencializando os processos de florescimento pessoal e de amadurecimento de nossas instituições.
REFERÊNCIAS
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2. Brasil. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13509-22-novembro-2017-785783-publicacaooriginal-154279-pl.html.
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