REVISTA NORTE MINEIRA
DE ENFERMAGEM
ISSN: 2317-3092
Recebido em:
19/04/2021
Aprovado em:
09/05/2021
Como citar este artigo
Sales DCB, Soares AVS, Souza AAM. A dor no
contexto pediátrico: avaliação e intervenções de
uma equipe de enfermagem. Rev Norte Mineira
de enferm. 2021; 10(2):38-46.
Autor correspondente
Annie Victória Souza Soares
Universidade Estadual de Montes Claros
Correio eletrônico: annievictoriass@gmail.com
ARTIGO ORIGINAL
A DOR NO CONTEXTO PEDIÁTRICO: AVALIAÇÃO E INTERVENÇÕES
DE UMA EQUIPE DE ENFERMAGEM
Pain in the pediatric context: evaluation and interventions of a
nursing team
Deborah Cristina Brito Sales1, Annie Victória Souza Soares2, Ana Augusta Maciel de Souza3.
1 Deborah Cristina Brito Sales, Enfermeira pela Universidade Estadual de Montes Claros, Montes
Claros, MG, BR, deborahsales53@hotmail.com, ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2124-5184
2 Annie Victória Souza Soares, Enfermeira pela Universidade Estadual de Montes Claros, Montes
Claros, MG, BR, annievictoriass@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4523-9264
3 Ana Augusta Maciel de Souza, Enfermeira, Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, BR,
ana.maciell@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6602-7327
DOI: https://doi.org/10.46551/rnm23173092202100205
Objetivo: compreender como a equipe de enfermagem lida com a dor em crianças
hospitalizadas. Método: estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa. A
coleta de dados ocorreu através de uma entrevista semiestruturada no primeiro semestre
de 2018. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade
Estadual de Montes Claros. Participaram do estudo 11 profissionais da equipe de
enfermagem que atuavam no setor pediátrico de um hospital no norte de Minas Gerais.
Os dados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo. Resultados: emergiram três
categorias sobre avaliação e intervenções relacionadas a dor no contexto pediátrico:
avaliando a dor e suas dimensões; intervindo na dor; capacitando para o cuidado.
Considerações Finais: identificar e tratar a dor em crianças ainda é um assunto complexo
e que carece de informações e treinamento. As ferramentas de avaliação precisam se
tornar funcionais e úteis, principalmente para a equipe de enfermagem.
Descritores: Criança hospitalizada, Dor, Enfermagem pediátrica.
Objective: to understand how the nursing team deals with hospitalized children’s pain.
Method: descriptive, exploratory study, with a qualitative approach. Data collection
ocurred through a semi-structured enterview in the first semester of 2018. The study was
approved by the Montes Claros State University’s Research Ethics Comittee. In total, 11
nursing team professionals who worked in the pediatric area of a hospital in the north
region of Minas Gerais engaged in the study. Data were examined via Content Analysis.
Results: three categories of pain-related assessment and interventions in the pediatric
context emerged: assessing pain and its dimensions; intervening in pain; capacitating for
caring. Final considerations: to identify and to treat pain in children is still a complex
matter that lacks information and training. Assessment tools need to become functional
and useful, especially for the nursing team.
Descriptors: Hospitalized child, Pain, Pediatric Nursing.
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INTRODUÇÃO
A dor pode ser definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada com lesão tecidual real ou
potencial. É considerada como o sintoma de alarme mais importante encontrado no corpo humano, associado a mecanismos
físicos, psíquicos e culturais que variam entre os indivíduos, constituindo-se, portanto, um fenômeno multifatorial1.
No contexto pediátrico, a experiência dolorosa torna-se ainda mais significante, visto que é um grupo que possui peculiaridades
específicas, principalmente no que se refere à manifestação da dor e lesões corporais. É também uma temática que os
profissionais de saúde possuem dificuldades para identificar, mensurar e controlar a dor, uma vez que, dependendo da fase
cognitiva da criança, ela não consegue se expressar verbalmente. A utilização de instrumentos adequados de avaliação da dor,
nesse contexto, torna-se fundamental para uma assistência de qualidade2-3.
Atualmente, os instrumentos de avaliação da dor infantil podem ser uni ou multidimensionais e divididos em três categorias:
autorrelato, observação do comportamento e instrumentos compostos de medida de dor. Parte dos instrumentos utilizados
para avaliar a dor pediátrica é unidimensional, considerando apenas uma dimensão da dor: a intensidade4-5. Apesar da
importância desta dimensão, por referir-se ao aspecto sensorial, é insuficiente para compreender o fenômeno multidimensional
da dor. Para avaliar a dor, é necessária uma variedade de informações, recomendando-se o uso de instrumentos
multidimensionais que, além da intensidade, mensuram os aspectos sensitivos, afetivos, motivacionais e avaliativos da dor6.
Quando não tratada, a dor pode trazer prejuízos físicos e psicológicos para a criança, afetando seu desenvolvimento e a maneira
como ela enfrentará futuras experiências dolorosas. Outrossim, a associação da dor com a hospitalização pode resultar em um
nível maior de ansiedade, medo e até mesmo a quadros depressivos7-8. A equipe de enfermagem, nesse sentido, deve estar em
alerta e orientada para dar prestar a assistência adequada, intervindo no reconhecimento, avaliação e tratamento da dor,
buscando o seu alívio e melhorando a qualidade de vida e adaptação da criança, de maneira ética e humanizada. Sem uma
avaliação correta não há intervenção de qualidade e sem o controle adequado da dor, pode prolongar o tempo de internação e
tornar o processo de hospitalização traumatizante9-10.
Conquanto que a dor infantil ter gerado interesse em muitos estudiosos, o tema ainda é pouco explorado e, muitas vezes,
subestimado pelos profissionais de saúde e, não obstante o aumento no número de instrumentos de avaliação da dor pediátrica,
a equipe de enfermagem possui dificuldade em introduzir na prática rotineira a avaliação e intervenção da dor de maneira
sistematizada11. Nesse contexto, o presente estudo teve por objetivo compreender como a equipe de enfermagem lida com a
dor em crianças hospitalizadas.
MÉTODO
Caracteriza-se como um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada em um setor
de internação pediátrico de um hospital na cidade de Montes Claros (MG), no primeiro semestre de 2018. O setor atende recém-
nascidos, lactentes e crianças, sendo referência para a assistência a crianças do norte de Minas Gerais, Vale do Jequitinhonha e
sul da Bahia.
Os participantes do estudo foram profissionais de enfermagem que atuam neste setor, sendo 02 enfermeiros e 09 técnicos de
enfermagem. Os critérios de inclusão foram: prestar cuidado direto às crianças e aceitar participar da pesquisa. O critério de
exclusão foi: estar ausente no dia da entrevista em até três tentativas.
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Foi utilizado o critério de saturação para a análise do número de entrevistas a serem realizadas, visto que considera o número
de sujeitos suficiente quando permitido uma reincidência de informações, entretanto, o despreza informações relevantes para
o estudo12.
Em relação à coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada, tendo como questão norteadora: “Como é para você lidar
com a avaliação da dor da criança internada?”. Também foram empregadas questões coadjuvantes, como: “O que é feito quando
a criança está com dor?”; “Como você reconhece que a criança está com dor?”; “Quais ações que poderiam ser implementadas
para melhorar o cuidado à criança com dor?”; “Houve recebimento de alguma capacitação?”; “Como você aplica os métodos
não farmacológicos?”.
Os profissionais foram entrevistados após serem informados sobre o objetivo da pesquisa e assinarem o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme as predisposições do Comide Ética em Pesquisas da Universidade Estadual de
Montes Claros, Minas Gerais, sob parecer consubstanciado 2.474.205/ 2018, preservando os direitos legais e éticos dos
participantes e dos membros do estudo. As entrevistas tiveram duração aproximada de 15 a 20 minutos, as falas dos
participantes foram gravadas, transcritas na íntegra e identificadas com códigos de E1 e E2 para enfermeiros e T1 a T9 para
técnicos de enfermagem, em ordem cronológica à sua realização, preservando, em vista disso, a identidade dos entrevistados.
Por fim, a análise dos dados coletados foi realizada de acordo com a Análise de Conteúdo, constituída pelas etapas de pré-
análise, codificação e interpretação13.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise comparativa dos dados permitiu compreender como a equipe de enfermagem lida com a dor em crianças
hospitalizadas.
Os conceitos emergidos dos dados revelaram três categorias e duas subcategorias, sendo: Avaliando a dor e suas dimensões;
intervindo na dor; capacitando para o cuidado.
Avaliando a dor e suas dimensões
Para identificar e avaliar a dor da criança, os profissionais de enfermagem mostraram sustentar-se em pilares que podem ser
observados nas seguintes subcategorias: Tendo a mãe como informante; Identificando alterações na criança e o autorrelato de
dor.
Tendo a mãe como informante
Foi possível identificar que a participação da mãe é apontada pelos profissionais de enfermagem como um auxílio no
reconhecimento da dor da criança.
“[...] avaliação da dor é complicada, geralmente a gente conta mais com a participação da mãe. A mãe comunica com a gente, por
que se a mãe chega em você e fala: “meu filho está com dor”, você não duvida, porque quem conhece o filho dela é ela, a mãe falou
você pode confiar, entendeu? Então, a participação da mãe conta muito”. (T.2)
“[...] Muitas vezes também a e vai lá dá o peito, dá um banho, troca a fralda e a criança continua chorando ela mesmo vem e
comunica a gente que a criança está sentindo dor [...]”. (T.7)
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O presente achado é considerado relevante, uma vez que a interação entre a equipe de enfermagem e a mãe da criança
internada possibilita uma assistência integral às necessidades das crianças, é preciso considerar os sujeitos envolvidos no
ambiente como protagonistas no cuidado à criança14.
Em virtude do sofrimento frente a procedimentos dolorosos, as crianças podem, muitas vezes, omitirem a dor. Dessa forma, o
relato da mãe é uma informação essencial e auxiliadora na avaliação da dor na criança, sendo que ele é capaz de identificar
pequenas alterações comportamentais, percebidas pela mãe e que não são facilmente notadas pelos profissionais, podendo
contribuir para a elaboração de intervenções adequadas para o quadro álgico. Ao contrário deste, em um estudo realizado foi
percebido que somente 12% dos participantes relataram utilizar a fala da mãe para avaliação da dor na criança11.
Um estudo realizado identificou que quando as mães eram inseridas no processo de cuidar, elas conseguiam estabelecer
comunicação com a equipe de saúde, emitir opiniões e empregar o seu conhecimento sobre a criança. Entretanto, as que eram
excluídas desse momento tinham dificuldade em encontrar o seu papel na unidade. Inserir a família no contexto hospitalar,
escutando a sua fala e compartilhando informações, permite que haja seu empoderamento com consequente envolvimento no
cuidado e tomadas de decisões no decurso da terapêutica do filho14-15.
Identificando alterações na criança e o autorrelato de dor
Outro pilar utilizado na avaliação da dor e que teve o maior apontamento nas falas dos profissionais consiste na observação de
expressões ou comportamentos, destacando-se: choro e fácies. A intensidade do choro é, inclusive, um parâmetro empregado
para mensurar o grau da dor. Foi possível identificar a relação entre choro e dor, sob a ótica dos profissionais:
“[...] a avaliação da dor ela é feita através das fácies da criança que expressa a dor, a gente vai lá verificar realmente e avaliar onde
que é a dor e ver realmente se a dor é forte, se é leve, dependendo do choro, do choro da criança, se ele está chorando muito, se ele
está com a fácies da dor, a fácies explica a dor”. (T.1)
“[...] o que a gente mesmo é o que a criança expressa, igual, por exemplo, o choro, a carinha de dor mesmo, isso que a gen te
geralmente identifica. (T.3)
Nas menores a gente tem que identificar é a face, o choro, qual a face que ela adota, se a fácies dela muda, se é uma fácies que ela
está mais retraída, se ela adota uma postura diferente [...]”. (E.1)
“Geralmente a gente avalia a dor por meio do choro, irritação, expressões faciais. As expressões faciais são de melhor identificação,
principalmente nas crianças menores”. (T.8)
A avaliação da dor em bebês e crianças ainda é um desafio para os profissionais de saúde, principalmente quando se trata de
crianças que ainda não verbalizam, fazendo com que o profissional de enfermagem busque outros recursos como a avaliação de
alterações comportamentais, destaca-se: resposta motora, a mica facial (careta facial, fenda palpebral estreitada, sulco
nasolabial aprofundado, tremor de queixo, etc.), o choro e o padrão de sono e vigília16-17.
O choro foi a manifestação mais indicada pelos profissionais de saúde como forma de avaliação da dor, seguido da mímica facial,
mudança postural e alterações fisiológicas, respectivamente18. O choro é considerado a forma de comunicação mais primitiva e
representa, simultaneamente, um sinal, um sintoma e um indicador. Em virtude de sua subjetividade, o choro pode conter
diferentes significados e estar relacionado a outros eventos estressantes para a criança além da dor, como a fome, desconforto,
medo e troca de acompanhante e, por essa razão, não deve ser um parâmetro utilizado isoladamente19-20. Neste estudo, os
profissionais relataram reconhecer que o choro pode ter diferentes causas e que buscam identificá-las durante a avaliação.
“[...] a gente tinha aqui mesmo uma criança que sempre às quatro e meia começava a gritar de dor e eu comecei a questionar, por que
sempre as quatro e meia? Era o horário que a mãe vinha do serviço e aí ficava no lugar da avó”. (E.1)
“Porque às vezes a criança chora porque está com sono ou querendo colo, tem umas que choram porque a gente se aproximando”.
(T.6)
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“[...] Identifico primeiramente se é dor, porque às vezes a criança está chorando com fome ou com saudade da mãe, do pai que o
estiver presente”. (T.2)
Além das expressões comportamentais para a avaliação da dor, os participantes informaram se apoiar também, e menos
frequentemente, nas alterações dos parâmetros fisiológicos da criança como de frequência cardíaca, frequência respiratória,
saturação e presença de sudorese.
“O reconhecimento da dor pela expressão facial [...] alterações fisiológicas como de frequência cardíaca, frequência respiratória,
saturação, presença de sudorese”. (E.2)
“[...] muitas vezes também pode ser que a dor vem acompanhada com outros sinais, por exemplo, vômito, frequência cardíaca
aumentada, então, mais ou menos através disso a gente avalia”. (T.7)
A sudorese, taquicardia, reflexo pupilar e alterações de oximetria são algumas das principais respostas fisiológicas da criança
frente à dor, propiciando ao profissional de saúde uma avaliação mais fidedigna dos parâmetros, contudo, a relação de tais
alterações fisiológicas com a intensidade do estímulo a dor ainda é obscura, impossibilitando, dessa maneira, uma avaliação
confiável do quadro álgico8.
O ideal é que os parâmetros fisiológicos e comportamentais sejam avaliados simultaneamente, e por meio de escalas
apropriadas. As escalas são instrumentos unidimensionais ou multidimensionais recomendados para pacientes hospitalizados
no reconhecimento, quantificação e tratamento da dor. A escolha de um instrumento precisa ser de acordo com a condição, a
idade, o sexo e o nível cognitivo da criança1, 18-19.
Os instrumentos unidimensionais são aqueles que se apropriam de um único indicador de avalião de dor, fisiológicos ou
comportamentais. Enquanto os instrumentos multidimensionais fornecem uma avaliação mais abrangente da dor, haja vista que
contemplam tanto os aspectos fisiológicos como os comportamentais e, por isso, são os mais recomendados por conseguirem
obter maiores informações quanto às respostas individuais à dor4, 20.
Em um estudo realizado em uma unidade pediátrica, constatou-se melhora na avaliação da dor pelas enfermeiras quando
implementado os Cartões de Qualidade da Dor, um instrumento multidimensional de avaliação. Segundo as enfermeiras, além
de prático e fácil, o instrumento propicia uma avaliação sistematizada e não mais empírica, permitindo a compreensão do que
realmente a criança vivencia, além de fornecer subsídios para intervenções eficazes5.
O estágio de desenvolvimento da criança auxilia na escolha de qual método pode ser utilizado para a avaliação da dor, visto que
o desenvolvimento intelectual e o cognitivo favorecem na aplicação de instrumentos, cujas informações serão obtidas através
da linguagem verbal e não verbal. Por ser uma experiência subjetiva, o autorrelato é considerado como padrão ouro de
avaliação21. A partir dos dois anos de idade, pode-se utilizar o relato da criança para avaliar sua própria experiência dolorosa,
inclusive a intensidade16,21.
Nas crianças que já conseguem verbalizar, a equipe informou utilizar o autorrelato para a avaliação da dor.
“Quando a criança é bebê, não fala, a avaliação é pela expressão de choro, mas quando ela é grandinha, é pela fala”. (T.5)
“O reconhecimento pela [...] comunicação verbal naquelas com faixa etária que consiga ter essa comunicação [...]”. (E.2)
“[...] a criança maior já consegue te falar onde que dói, como que dói aí a gente pede para falar de 0 a 10 você acha que dói quanto?
Aí ela fala [...]”. (E.1)
Assim como no presente estudo, foi identificado que a maior dificuldade apontada pela equipe estava relacionada à avaliação
da dor em crianças menores, que o autorrelato é a forma mais comumente utilizada para avaliar a dor de um paciente,
tornando-se um dificultador quando se trata de crianças que ainda não adquiriram essa habilidade. Na ausência de autorrelato,
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seja por linguagem verbal ou não verbal, a avaliação pela enfermagem torna-se ainda mais importante, e exige um preparo e
uma experiência ainda maiores10,22, logo, é imprescindível que os profissionais de saúde, em especial a equipe de enfermagem,
sejam orientados para a identificação de estratégias que facilitem o estabelecimento da comunicação entre o profissional e
paciente.
Intervindo na dor
Depois de percebido o quadro álgico por meio da avaliação efetiva, os profissionais de enfermagem precisam buscar meios de
controlar a dor da criança, afinal, é um direito da criança não sentir dor quando existem meios para minimizá-la.
Nesse estudo, a maioria dos entrevistados reconheceu o medicamento como a principal medida utilizada para o alívio da dor.
“[...] Eu sempre médico”. (T.4)
“Geralmente a gente médica [...]”. (T.8)
“O que a gente faz primeiro é a analgesia, então já faz logo a analgesia que está prescrita [...]”. (E.1)
“[...] a única coisa que a gente faz é o medicamento que está prescrito, então infelizmente para dor é isso”. (T.7)
Em um estudo realizado em uma urgência pediátrica, o uso de fármacos também foi o método mais apontado pelos profissionais
no alívio da dor, assim como em outro estudo em que o uso de fármacos alcançou mais de 90% de prevalência7,19.
O controle da dor da criança, muitas vezes, é negligenciado ou ignorado em virtude da verbalização restrita ou ausente nessa
população, e quando existe alguma intervenção, o uso do rmaco é tido como primeira opção de tratamento, centrando o
cuidado na figura do dico enquanto os cuidados humanizados no qual o próprio familiar ou acompanhante podem ser
inseridos são pouco considerados2,8.
A utilização de medicamentos torna-se a principal e, até mesmo, a única medida utilizada no controle da dor por ser considerado
algo prático e que proporciona uma rápida solução, aspectos muito valorizados na rotina hospitalar, visto que outras condutas
poderiam demandar um maior tempo, esforço e atenção por parte dos profissionais.
“Às vezes, não dá tempo de fazer outra coisa e a medicação é mais rápido, mais fácil”. (T.6)
[...] e aí realmente, após a gente fazer as medicações para dor, dipirona e paracetamol, ele cala, melhora”. (T.7)
Além do uso de fármacos prescritos, foram citados alguns métodos alternativos utilizados para o alívio e manejo da dor da
criança, entretanto, nota-se que seu emprego é ainda, consideravelmente, limitado e deficiente. Na rotina pediátrica, a utilização
desses métodos não farmacológicos é, muitas vezes, de forma empírica, sem a utilização de um instrumento concreto de
avaliação, cuja cientificidade seja evidenciada. Contudo os sujeitos mostraram reconhecer a importância da associação de
terapias não farmacológicas no tratamento da criança.
“[...] às vezes eu mudo de posição, [...] vou pegando assim na barriguinha, faço massagem se for cólica, mudo de posição, tento colocá-
lo numa posição confortável”. (T.1)
“[...] você pode pedir a mãe para levar na escolinha, se não puder, então trazer um brinquedo para a criança, tentar distrair de u ma
outra maneira, traz para o parquinho, cante para a criança, converse com seu bebê, então isso tudo agente instrui, usando dessas
maneiras, pra ver se “junto com a medicação” a criança melhora”. (E.1)
“Acredito que a associação das duas terapias tanto não farmacológicas como farmacológicas vem beneficiar muito a criança em
termos do alívio de sua dor e qualidade de vida também. Muitas vezes, a gente pede o próprio familiar para conversar com a criança,
utilização de massagem dependendo da localização da dor, a sucção não nutritiva antes de procedimentos invasivos, dependendo da
condição da criança a utilização de calor”. (E.2)
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O uso de condutas não farmacológicas apresenta como vantagem a rara possibilidade de ocorrência de efeitos adversos, além
de poderem ser implementadas por qualquer profissional da equipe e inclusive pelo próprio familiar. A associação de medidas
não farmacológicas e farmacológicas constitui uma excelente alternativa no cuidado à criança com dor8, 19.
Nos neonatos são recomendadas algumas intervenções não farmacológicas para o alívio e manejo da dor durante procedimentos
de dor aguda, as mais eficazes são o uso de substâncias adocicadas por via oral, a sucção não nutritiva, a amamentação, o contato
pele a pele e a diminuição da estimulação tátil. A solução de sacarose é uma intervenção recomendada pela Academia Americana
de Pediatria e Sociedade Pediátrica Canadense para o alívio da dor aguda em neonatos durante procedimentos de rotina como
a punção. A sacarose provoca analgesia devido a liberação de opioides endógenos23.
Nas crianças, as medidas não farmacológicas mais comumente recomendadas são as técnicas de hipnose, técnicas
comportamentais, acupuntura, relaxamento, massagem, toque terapêutico, distração, atividades físicas e o brinquedo
terapêutico. Este último consiste em uma técnica que tem sido muito utilizada na área pediátrica, permitindo ao enfermeiro o
estabelecimento de um vínculo com a criança de maneira que ela se sinta segura para expor suas necessidades e sentimentos4.
Os serviços de saúde devem organizar o seu atendimento e buscar estratégias que diminuem o número de procedimentos
dolorosos e estressantes para a criança, além de viabilizar o alívio da dor por meio de medidas não farmacológicas e
farmacológicas efetivas. Entende-se que quanto mais prolongado o tempo de internação, maiores são as chances do surgimento
de características que poderão influenciar negativamente o desenvolvimento da criança, tais como os sentimentos de angústia,
apreensão, medo, impulsividade, agitação, temor, tristeza e ansiedade24.
Capacitando para o cuidado
Para uma avaliação efetiva e correto manejo da dor é fundamental ter uma equipe preparada e amparada por instrumentos
(escalas) e protocolos apropriados, subsidiando o cuidado e proporcionando à criança uma assistência que englobe a
complexidade e subjetividade do que pode estar sentindo. Nesse sentido, a realização de treinamento e capacitação,
periodicamente, é necessária no preparo profissional para a adequada condução das mais diversas situações vivenciadas no
ambiente hospitalar. Nesse estudo, a falta de capacitação representa uma fragilidade da equipe de enfermagem, pois nove dos
onze entrevistados referiram nunca ter recebido treinamento ou capacitação da instituição para avaliação da dor da criança
quando perguntados na entrevista.
“Não. Infantil não, adulto já”. (T.2)
“Não. Nunca recebemos nenhum treinamento do hospital”. (T.6)
“Institucionalmente, não. Fiz pelo lado mesmo profissional de buscar aprofundar o conhecimento sobre esta temática [...]”. (E.2)
Intentando o alcance de uma assistência de qualidade e consistente manejo clínico da dor é imprescindível que o profissional de
saúde tenha humanização, sensibilidade e visão holística17.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o estudo da dor deve fazer parte da grade curricular de todos profissionais de saúde,
preparando-os conforme as suas necessidades de atuação. O currículo da enfermagem, dessa forma, deve fornecer o melhor
nível de educação sobre manejo da dor, proporcionando ao enfermeiro e sua equipe total autonomia e capacidade para controlar
a dor do paciente, visto que estes profissionais são aqueles com maiores condições de avaliar a dor da criança, por passarem
maior tempo com as mesmas e construírem uma relação de proximidade4,18.
Para aqueles profissionais que já haviam recebido capacitação, há relato de uma melhoria significativa na forma como percebe
o fenômeno álgico e suas especificidades.
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“Com a capacitação a gente tem um melhor aprofundamento, conhecimento da temática e a gente consegue compreender melhor
essa subjetividade em relação à dor na área de pediatria e a gente tenta implementar na nossa prática para melhorar a qualidade de
vida dessas crianças [...]”. (E.2)
“[...] Mas fora do hospital já recebi e essa capacitação ajudou bastante, porque onde a gente pode estar utilizando a escala é melhor
e é um método que deveria ser utilizado aqui na pediatria”. (T.8)
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) dita que padrões de avaliação da dor escritos, protocolos, políticas,
educação continuada à equipe e um sistema para avaliar regularmente as propostas de melhoria da qualidade que são elementos
fundamentais que contribuem no manejo da dor. Assim, o desenvolvimento de estratégias de educação, orientação e
treinamento dos profissionais bem como o estabelecimento de um protocolo com a participação da equipe no processo de sua
construção é a melhor forma de incentivar a inserção do aprendizado na prática25.
No presente estudo, os profissionais reconhecem a importância das capacitações e treinamentos para uma melhor assistência à
criança com dor e demonstram interesse em receber tais ensinamentos e implementá-los, consoante o uso de instrumentos de
avaliação, como escalas e protocolos.
“[...] e eu gostaria tanto de ter uma capacitação assim, da gente falar assim como eu posso melhor avaliar a dor de uma criança [...]”.
(T.1)
“A implementação de um protocolo de manejo da dor que entraria tanto as escalas para avaliar a intensidade e avaliar até as
condutas terapêuticas com relação às medidas farmacológicas e não farmacológicas [...] então eu acredito que a implementação de
um protocolo de manejo da dor seria bem interessante para melhorar essa avaliação, o estabelecimento dessa intervenção e avaliação
após a intervenção também”. (E.2)
O uso de escalas de avaliação da dor tem um papel muito importante por permitir ao profissional compreender o que a criança
realmente está sentindo e não tomar decisões com base no seu julgamento5,16.
Independente se a dor foi ocasionada por um processo cirúrgico, traumático ou patológico, a utilização dos instrumentos de
avaliação da dor pode orientar a assistência de enfermagem a qualquer criança que tenha tido sua integridade física ou
psicológica comprometida3. Sendo dever do enfermeiro enquanto líder de uma equipe garantir a correta utilização das escalas
de dor e outros métodos de avaliação, bem como direcionar intervenções adequadas no quadro álgico, destacando o uso de
medidas não farmacológicas por não precisarem de prescrição médica10.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu concluir que a dor é um fenômeno complexo, subjetivo e angustiante. Entender suas diferentes manifestações
e significados não é uma tarefa fácil, principalmente no ambiente pediátrico, considerando que as crianças são seres frágeis,
inteiramente dependes do outro e que podem apresentar singularidades que desafiam e limitam a avaliação da dor, como a
ausência da fala. Para enfrentar este cenário e conseguir avaliar a dor da criança, a equipe de enfermagem ancora-se
principalmente, nas expressões da criança, tendo como principal intervenção de enfermagem para o alívio da dor o uso de
fármacos.
Ressalta-se que, para uma avaliação mais fidedigna, segura e integral, é preciso inserir as escalas de avaliação multidimensional
da dor e protocolos que orientem e sistematizem a assistência de enfermagem. O uso de um instrumento poderá direcionar
também um melhor manejo da dor, incluindo o uso de medidas não farmacológicas, que além de promoverem a humanização,
permitem inserir o acompanhante/familiar no cuidado. Outrossim, é fundamental a realização de treinamentos/capacitações
periódicas, desde que a falta de preparo profissional ainda é uma fragilidade vivenciada no cenário de saúde, o que dificulta uma
assistência segura e efetiva.
Os autores declaram, individualmente, não haver quaisquer conflitos de interesse na publicação do presente manuscrito.
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