REVISTA NORTE MINEIRA DE ENFERMAGEM
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INTRODUÇÃO
A
doença renal crônica (DRC) é atualmente considerada um grande problema de saúde
pública a nível mundial. Nas
últimas décadas, foi registrada a estimativa de 750 milhões de pessoas em todo
o mundo com algum comprometimento das funções renais (1). Estima-se que 11%
da população adulta seja portadora de algum grau de DRC, isto é aproximadamente
13 milhões de pessoas no Brasil, sendo que a maior parte não tem a clareza de conhecimento sobre essa condição
de saúde (2–4).
Considera-se
primordial trabalhar uma abordagem preventiva no sentido de reduzir o número de
casos e mitigar a evolução da doença para as fases mais graves dessa condição
crônica. O foco dessas abordagens deveria se voltar não só para população já acometida
pela doença renal diagnosticada com DRC, mas também para aquela em risco de desenvolve-la. Dentre as medidas preventivas clássicas para
preservação das funções renais se encontram: o manejo adequado e controle da
pressão arterial e dos níveis glicêmicos, o controle da proteinúria, da
obesidade e o monitoramento do uso de medicamentos (5).
Em
estudos considerados referência sobre a aplicação e prática do autocuidado vêm
sendo enfatizadas e adotadas como medida preventiva adicional nas condições da
DRC, pois se entende que o comportamento do indivíduo tem grande influência no
sucesso terapêutico e na prevenção dos agravos da doença. Diversos fatores
podem determinar ou influenciar o desempenho das pessoas frente aos cuidados
necessários com sua saúde e consigo mesmo, entre eles, a motivação, a
informação, o suporte familiar e o apoio da equipe e dos serviços de saúde (6,7).
As
discussões acerca da possibilidade de se trabalhar o autocuidado, com
orientações que modifiquem a postura do paciente diante da doença, trazem à
tona uma expressão associada ao autocuidado até então pouco conhecido na
educação em saúde da pessoa com DRC, o chamado letramento funcional em saúde
(LFS). Conceitualmente, LFS implica na capacidade do paciente de obter,
processar e compreender informações, que se fazem necessárias para alcançar o
conhecimento sobre a saúde e assim corroborar e auxiliar a tomada de decisões
pertinentes sobre sua própria saúde e autocuidado (8,9).
Compreendendo
então que a DRC atualmente alcança uma elevada prevalência, e que o LFS pode
impactar na capacidade de autocuidado, no controle da doença crônica e
considerando a escassez da literatura relativa à aplicação prática do LFS para
benefício do autocuidado e tomada de decisão, o objetivo desse estudo foi
avaliar a associação entre o Letramento Funcional em Saúde e a capacidade de
autocuidado em pacientes com doença renal não dialítica.
MÉTODO
Trata-se
de um estudo transversal analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
CAAE: 26414519.9.0000.5545, desenvolvido no ambulatório de nefrologia da
policlínica de um município do centro oeste mineiro/Brasil. Para delineamento
do estudo, utilizou-se as recomendações do Strengthening Reporting of Observational Studies in
Epidemiology Statement (STROBE) (10).
Para
população elegível do estudo, considerou-se como critérios de inclusão:
pacientes adultos e idosos de ambos os sexos, com diagnóstico estabelecido de
DRC, que estavam em acompanhamento no ambulatório de nefrologia da policlínica
no período da coleta do estudo, entre março a dezembro de 2020, com cognição
adequada avaliada exame do Mini Mental (11) e sentidos
preservados (visão, audição e fala), identificados pelo pesquisador no momento
do convite para a participação da pesquisa. Foram excluídos do estudo pacientes
que apresentaram comprometimentos neurológicos que limitavam a compreensão dos
instrumentos do estudo.
O
cálculo amostral foi realizado tendo como base a população total de pacientes
que iniciou o acompanhamento no ambulatório de nefrologia no período entre
junho de 2019 a junho de 2020, sendo essa população elegível (n=262).
Considerando a população descrita, para um nível de confiança de 95%, precisão
de 5%, proporção de 50% para desfechos múltiplos, calculou-se uma amostra de
157 pacientes que foi o maior tamanho amostral para a população finita de 262
pacientes (12). O cálculo foi
executado no programa Open Epi versão 3.01.
O
recrutamento para participação no estudo foi realizado quando os pacientes
compareceram para consulta de rotina agendada no ambulatório de nefrologia.
O
instrumento utilizado para identificação do LFS, foi o SAHLPA-18 (Avaliação
Curta de Alfabetização em Saúde para adultos que falam português), que consiste
em 18 questões , no qual cada item correto recebe um ponto e a pontuação
total é obtido pela soma dos itens,
variando de 0 a 18. Na versão utilizada, se o
final for ≤14, o LFS é classificado como inadequado e
escore entre 15 a 18 o LFS é considerado adequado (13). A capacidade de
autocuidado foi avaliada pelo instrumento ASAS-R (Escala Revisada para a
Avaliação da Agência de Autocuidado validado no Brasil, (14). Este instrumento é
composto por três fatores (itens) abordados por questões específicas: “Tendo capacidade” questões 1, 2, 3, 5, 6 e 10; “Desenvolvimento para capacidade”
questões 7, 8, 9, 12 e 13 e “Falta de capacidade” questões 4, 11, 14 e
15. A interpretação dos resultados é via escala do tipo Likert, com 15
itens e cinco opções de resposta. O escore de pontuação das respostas são 1,
quando a opção for discordo totalmente, 2, discordo, 3, não sei, 4, concordo e
5, concordo totalmente. Das 15 questões, quatro se referem aos aspectos
negativos, tendo a necessidade do escore ser invertido na análise dos dados. O
intervalo possível de pontuação varia entre 15 e 75. Quanto mais próximo o
escore de 75, maior a capacidade de autocuidado.
Para
a caracterização da população, realizou-se
análise descritiva de todas as variáveis investigadas. As categóricas foram
apresentadas por meio de tabelas de distribuição de frequências, e para as
variáveis contínuas foram utilizadas as medidas de posição (mediana, mínimo e
máximo) conforme a distribuição de normalidade identificada pelo teste
de Shapiro-Wilk. Para
variáveis categóricas, realizou-se teste de Mann
Whitney e Kruskal Wallis com pós-teste para identificar em qual ou quais
dos grupos a diferença acontecia. Foi realizada ainda a correlação de Spearman
para variáveis contínuas. O nível de significância utilizado foi de 0,05. Na
análise multivariada considerando variável resposta como sendo o autocuidado
(variável contínua), foi utilizado o modelo de regressão linear múltipla. As
variáveis independentes são letramento, variáveis sociodemográficas e variáveis
de saúde. Inicialmente todas serão testadas em uma análise univariada. As
variáveis que apresentam valor de p < 0,20 são indicadas ao modelo
multivariado. Utilizou-se o critério backward para entrada das variáveis
no modelo e para permanência das mesmas variáveis no modelo final, sendo
adotado um nível de 5% de significância. Foi avaliado o ajuste do modelo por
meio da estimativa do coeficiente de determinação (R2). Para garantir que o
modelo tenha um ajuste sem multicolinearidades entre as variáveis independentes
foi verificado a medida do VIF, quando ela ultrapassava os 10 pontos, a
variável foi excluída mesmo que apresentasse boa correlação com a variável
resposta uma vez que seu resultado seria corrompido. A análise de dados foi
realizada pelo software Statistical
Package for the social (SPSS) versão 21.
RESULTADOS
As pessoas que compareceram ao
ambulatório, durante o período da coleta de dados e que atenderam os critérios
de elegibilidade totalizaram 181 pacientes. Entre estes, foram excluídos 14
pacientes por não preencheram os critérios de inclusão, totalizando um n de 167 pacientes participantes do estudo.
As características sociodemográficas da
população estudada e a associação com a capacidade de autocuidado estão descritas na tabela 1.
Tabela 1 – Associação entre características
sociodemográficas e capacidade de
autocuidado dos usuários com Doença Renal Crônica do ambulatório de
nefrologia da Policlínica Municipal de um município do
centro-oeste mineiro, Brasil, março a junho de 2020 (n=167).
Frequência
% |
P valor |
|
||
Idade |
|
|
|
|
Mediana (Q1 – Q3) |
68
(55 - 76) |
|
||
Sexo |
|
|
||
Feminino |
83 (49,7) |
0,130* |
||
Masculino |
84 (50,3) |
|
||
Estado civil (n = 166) |
|
|
||
Casado |
92
(55,4) |
0,889* |
||
Solteiro/separado |
74
(44,6) |
|
||
Cor da pele |
|
|
||
Branca |
114
(68,3) |
0,006* |
||
Não branca |
53
(31,7) |
|
||
Religião |
|
|
||
Católica |
115
(68,9) |
0,159* |
||
Outras |
52(31,1) |
|
||
Escolaridade |
|
|
||
Analfabeto (a) |
30
(18,0) |
0,001** |
||
Fundamental incompleto (b) |
78
(46,6) |
|
||
Fundamental completo (b) |
19
(11,4) |
|
||
Médio incompleto a superior (c) |
40
(24,0) |
|
||
Trabalho remunerado |
|
|
||
Sim |
37
(22,2) |
0,001* |
||
Não |
130
(77,8) |
|
||
Renda familiar |
|
|
||
Abaixo de 2 SM |
148
(88,6) |
0,004* |
||
De 2 SM a 3 SM |
19
(11,4) |
|
||
Costuma ler |
|
|
||
Sim |
36
(21,6) |
0,001* |
||
Não |
131(78,4) |
|
||
Frequência de leitura |
|
|
||
Sempre (a) |
22
(13,2) |
0,001** |
||
Às vezes (a) |
15 (9,0) |
|
||
Nunca (b) |
130
(77,8) |
|
||
O que costuma ler: |
|
|
||
Jornais (a) |
17
(10,2) |
0,001** |
||
Outros (a) |
19
(11,4) |
|
||
Não costuma ler (b) |
131
(78,4) |
|
||
Usa internet |
|
|
||
Sim |
61
(36,5) |
0,001* |
||
Não |
106
(63,5) |
|
||
Frequência de uso da internet |
|
|
||
Sempre (a) |
55
(32,9) |
0,001** |
||
Às vezes/raramente (a) (b) |
6 (3,6) |
|
||
Nunca (b) |
106
(63,5) |
|
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|
*Teste de Mann Whitney **Teste de Kruskal Wallis com pós
teste.
Letras iguais representam grupos estatisticamente iguais (p>0,05);
*Salário mínimo: R$ 1.079,00/2020
A tabela 2 apresenta a descrição dos dados
referentes ao LFS e capacidade de autocuidado.
Tabela
2 - Análises descritivas dos dados de Letramento em
Saúde e capacidade de autocuidado dos usuários com Doença Renal
Crônica no ambulatório de nefrologia Policlínica Municipal de um município do
centro-oeste mineiro, Brasil, março a junho de 2020 (n=167).
Variáveis |
Frequência
(n/%) |
|
||
Letramento Adequado |
|
|
|
|
Sim |
77 (46,1%) |
|
|
|
Não |
90 (53,9%) |
|
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Pontuação (Letramento) |
|
|
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|
Mediana (Q1 – Q3) |
14 (0 – 18) |
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Autocuidado Geral |
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|
Mediana (Q1 – Q3) |
52 (45 – 60) |
|
|
|
Ter capacidade de autocuidado |
|
|
|
|
Mediana (Q1 – Q3) |
24 (18 – 25) |
|
|
|
Desenvolvimento para capacidade de autocuidado |
|
|
|
|
Mediana (Q1 – Q3) |
20 (15 – 20) |
|
|
|
Falta de capacidade de autocuidado |
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|
|
Mediana (Q1 – Q3) |
12 (8 – 16) |
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A tabela 3 demonstra que a maioria dos participantes
teve mais de duas visitas ao médico nos últimos anos, mas mesmo assim, praticamente
metade deles declarou não ter conhecimento da doença renal, embora já tivessem
sido informados do diagnóstico. O estágio mais frequente de DRC encontrado foi
o 3B. Ainda, o autocuidado geral foi diferente a partir do nível de
conhecimento da doença renal sendo que quanto maior conhecimento, maior
pontuação para capacidade de autocuidado (p=0,001). E por outro lado, em
relação ao estágio da doença (p=0,001), identificou-se que quanto mais avançado
era o estágio da DRC, menor foi a pontuação do autocuidado geral.
Tabela 3 – Associação entre variáveis clínicas (consulta
médica e doença renal) e a capacidade de autocuidado dos
usuários com DRC no ambulatório de nefrologia da Policlínica Municipal de
Divinópolis-MG, Brasil, março a junho de 2020 (n=167).
Variáveis |
Frequência (%) |
P valor |
Visita ao médico nos últimos anos |
|
|
Até duas |
23(13,8) |
0,141* |
Mais de duas |
144(86,2) |
|
Consulta ao nefrologista |
|
|
Nenhuma |
30(18,0) |
0,907** |
Uma ou duas |
35(21,0) |
|
Mais de duas |
102(61,0) |
|
Conhecimento sobre doença renal |
|
|
Nenhum (a) |
87(52,1) |
0,001** |
Pouco (b) |
53(31,7) |
|
Básico (b) |
19(11,4) |
|
Muito (b) |
8(4,8) |
|
Estágio da doença renal crônica (n=165) |
|
|
Estágio 1 (a) |
26(15,8) |
0,001** |
Estágio 2 (a) |
21(12,7) |
|
Estágio 3A (a) (b) |
26(15,8) |
|
Estágios 3B (b) |
55(33,3) |
|
Estágio 4 (b) |
37(22,4) |
|
*Teste de Mann Whitney **Teste de Kruskal Wallis com pós
teste.
Letras iguais
representam grupos estatisticamente iguais (p > 0,05).
A correlação entre idade e autocuidado foi
significativa e inversa (p<0,001; coeficiente de correlação - 0,467),
indicando que quanto maior a idade, menor foi a capacidade de autocuidado geral
encontrada (correlação de Spearman) (dados não demonstrados em tabela).
A
tabela 4 apresenta que quanto maiores os valores atribuídos às variáveis
relativas ao autocuidado, maiores foram as pontuações do LFS avaliado como
variável contínua.
Tabela 4: Correlação entre Letramento em Saúde e a capacidade
de autocuidado dos usuários com DRC no ambulatório de nefrologia da
Policlínica Municipal de Divinópolis-MG, Brasil, março a junho de 2020 (n=167).
Variáveis |
Pontuação (LFS) |
|||
|
Coeficiente* |
Valor-p* |
||
Autocuidado Geral |
0,722 |
<0,001 |
|
|
Ter capacidade de autocuidado |
0,599 |
<0,001 |
|
|
Desenvolvimento para capacidade de autocuidado |
0,605 |
<0,001 |
|
|
Falta de capacidade de autocuidado |
0,385 |
<0,001 |
*LFS:
letramento funcional em saúde
*Correlação
de Spearman
Quando se categorizou o LFS em adequado ou não, a
associação com o autocuidado também foi significativa (p<0,001 - Teste Mann
Whitney), corroborando a correlação realizada entre autocuidado e o LFS na
forma de variável contínua (pontuação).
A análise multivariada apresentada na tabela 5
manteve no modelo final três variáveis: escolaridade, trabalhar (sim/não) e o
LFS. Os resultados mostraram que quanto maior a escolaridade e o LFS, além do
fato do trabalho remunerado, maior foi a capacidade de autocuidado geral. Em
relação ao LFS, foi identificado que a cada aumento de um ponto ocorreu o
aumento de 0,20 na capacidade de autocuidado.
O modelo final apresentou coeficiente de
determinação/nível de explicação de 41,9%, ou seja, 41,9% da variabilidade de
resultados do autocuidado foi explicada por escolaridade, trabalhar fora e LFS.
Tabela
5: Modelo final de regressão linear múltipla para
autocuidado dos usuários com DRC no ambulatório de nefrologia da
Policlínica Municipal de Divinópolis-MG, Brasil, março a junho de 2020 (n=167).
Variáveis |
Coeficiente |
Erro padrão |
t |
Sig. |
VIF |
|
Escolaridade |
3,49 |
0,66 |
5,30 |
,000 |
1,483 |
|
Trabalho
remunerado |
-5,29 |
1,52 |
-3,47 |
,001 |
1,243 |
|
Pontuação
(Letramento) |
0,20 |
0,06 |
3,19 |
,002 |
1,273 |
|
R2: 41,9% |
||||||
DISCUSSÃO
No nosso estudo o LFS adequado associou-se à
capacidade de autocuidado, além de apresentar uma correlação positiva indicando
que quanto maior o LFS, maior a capacidade de autocuidado. Esses achados
robustos corroboraram com estudos que demonstraram que o LFS adequadamente
avaliado e trabalhado pode contribuir para o alcance do autocuidado pretendido
viabilizando o manejo participativo do paciente na condução da doença e a sua
progressão (8,15,16).
Uma
possível explicação para esse resultado consiste no fato de que o LFS avalia a
capacidade de uma pessoa de compreender informações de saúde, sendo as mesmas verbalmente
passadas ou de forma escrita, favorecendo a implementação desses cuidados no
cotidiano. Assim, um paciente com melhor LFS apresenta habilidades de
comunicação e de entendimento que contribuirão para a tomada de decisões em
saúde o que, certamente é limitado naqueles com LFS inadequado (17).
A
capacidade de autocuidado e tomada assertiva de decisão relativa ao estado de
saúde já são reconhecidos pelo Ministério da Saúde do Brasil (2014) como
atitudes imprescindíveis para a evolução com bom prognóstico e controle das
doenças crônicas (18).
Diante desses achados, seria oportuno pensar sobre a
possibilidade de instituir oficialmente, via política pública de saúde, o LFS
como ferramenta auxiliar a ser trabalhada pela equipe multidisciplinar de
saúde. Por consequência, o autocuidado consciente balizaria a tomada de decisão
adequada na aderência a abordagem terapêutica para controle das doenças, em
especial, as renais crônicas que são foco desse estudo.
Por outro lado, a alta prevalência de LFS inadequado
trouxe preocupação aos autores. Identificamos que 53,9% não tinha LFS adequado
e ainda, que quanto pior o estágio da DRC, pior foi a capacidade de autocuidado
encontrada. Sendo que, mesmo tendo ido ao nefrologista mais de duas vezes nos
últimos anos, a maioria dos pacientes não tinha conhecimento adequado sobre
formas de lidar com a prevenção da doença renal.
Toda essa sequência de eventos desfavoráveis frente
a instalação/evolução da DRC, pode fragilizar a capacidade de
participação/contribuição do paciente no cuidado com sua saúde, além de
propiciar uma provável evolução desfavorável da doença renal. Alves et al
(2017) avaliaram o nível do LFS em pacientes com doença cardiovascular crônica
e observaram que pacientes com baixo LFS tiveram dificuldades de entendimento
frente as condutas clínicas propostas pela equipe médica, acarretando em um
desfecho negativo para controle da doença (19).
As consequências do não conhecimento do seu quadro
de saúde e da limitada capacidade de tomada decisões assertivas por parte dos
pacientes parecem conduzir para o cenário vivenciado na prática clínica
brasileira atual, onde ambulatórios que deveriam trabalhar com abordagens
preventivas em fases iniciais da doença renal, estão superlotados de pacientes
não abordados previamente pela Atenção Primária de Saúde e necessitando de
terapia renal substitutiva de urgência. O LFS poderia modificar essa realidade
e viabilizar a solidificação do conhecimento sobre sua saúde e direcionar
atitudes favoráveis à saúde dos rins (16,20,21).
Bastos e Mastroianni (2011) já alertavam e, mais
atualmente, Silva et al. (2020) corroboram o alerta, sobre a importância do
diagnóstico precoce a fim de estimular a implementação de medidas preventivas e
orientações no sentido de haver uma compreensão efetiva sobre a enfermidade,
por parte dos pacientes, além da conscientização da existência de assistência
de excelência, via Sistema Único de Saúde (SUS), ainda nas fases iniciais da
DRC (18,22).
Existe um movimento a nível mundial na direção da
conscientização da saúde dos rins e da necessidade de que os pacientes sejam
sujeitos ativos diante da sua doença, realizando cuidados preventivos para
preservação das funções renais (23). Entretanto, também deve ser compreendido que a
explosão de informações, por si só, não torna o paciente automaticamente mais
letrado e capaz de se auto cuidar. Infelizmente não é hábito cultural
brasileiro, em especial da classe social menos favorecida, a leitura informativa/educativa,
como constatamos no nosso estudo onde 77,8 % informaram que nunca leem. Talvez,
a “ideia equivocada” de que se está informando/conscientizando adequadamente
sobre a doença renal, associada a falta de leitura educativa, além do acesso
limitado as mídias digitais (63,0 % informaram que nunca acessam internet)
justifiquem, em parte, o alto índice de LFS inadequado encontrado no nosso
estudo (53,9%).
Resgatando por fim a prevalência alta da DRC entre
pessoas com a faixa etária idosa, outro resultado merece reflexão: a correlação
significativa e inversa entre idade e autocuidado (p<0,001 e coeficiente de
correlação -0,467), sendo que quanto mais velho era o paciente, menor foi a
capacidade de autocuidado geral. Resultados semelhantes foram encontrados por
Lameira et al (2018) corroborando a afirmativa de que a capacidade de
autocuidado diminui à medida que se envelhece (24). Por isso, é pertinente pensar que a equipe da
Atenção Primária a Saúde (APS) deve se posicionar como coordenadora do cuidado
a esses pacientes a fim de identificar em tempo hábil as fragilidades do
autocuidado impostas pelo envelhecimento natural. E a partir daí, realizar ajustes
no tratamento no sentido de minimizar os impactos gerados pela evolução para a
fase terminal da doença. (9,25).
Por fim, a análise multivariada, incorporou robustez
aos resultados solidificando a associação entre LFS e autocuidado. O maior
nível de escolaridade, o trabalho remunerado e LFS adequado foram variáveis
independentes que impactaram de forma positiva na capacidade de autocuidado.
Segundo Lorena et al (2019) a capacidade de autocuidado no cenário da doença
renal é primordial não só para controlar o avanço para estágios mais avançados,
como também pode interferir inclusive na instalação dessa doença.
Diante de todo o exposto reafirma-se aqui que esse
estudo trouxe contribuições acerca da importância de se efetivar o LFS como uma
ferramenta eficaz e prática para o aprimoramento do autocuidado e assim propor
intervenções junto ao paciente e a equipe multidisciplinar. Contudo, é preciso
registrar que, por mais que pareça repetitivo, não é dispensável citar que o
delineamento do estudo limita a identificação de causa/efeito, mesmo que a
associação entre LFS e autocuidado tenha sido significativa. De qualquer forma,
considerando a importância dessa associação, sugere-se que estudos de intervenção
sejam realizados para que se possa confirmar o LFS inadequado como fator de
risco importante para o desfecho desfavorável da evolução da doença renal.
CONCLUSÃO
A associação/correlação significativa entre o LFS e a capacidade de
autocuidado nos pacientes com DRC não dialíticos foi identificada respeitando
sólida metodologia científica. Para além de dados de pesquisa, esses resultados
precisam ser socializados, em especial para profissionais da prática clínica
assistencial ao paciente com comprometimento renal, a fim de que haja plena
conscientização de que somente assegurar o acesso à informação em saúde para
esses pacientes, não garante um autocuidado adequado e uma tomada assertiva de
decisões diante do quadro de saúde. Transpor as “barreiras” dos meios
acadêmicos para a prática clínica assistencial é essencial na busca de um
perfil de paciente consciente, participativo e autor de um desfecho favorável
das suas condições de saúde.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos
o financiamento da Universidade Federal de São João Del Rei e da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), na realização da pesquisa.
Declaramos que não há conflitos de interesse.
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