eISSN 2236-5257

 

 

Análise microbiológica de conservas artesanais de polpa de pequi (caryocar brasiliense) comercializadas no Norte de Minas Gerais

 

Microbiological analysis of handicapped cane preserves of pequi (caryocar brasiliense) commercialized in the North of Minas Gerais

 

 

 

 

Janine Kátia dos Santos Alves e Rocha 1

Marisol Guimarães Silva Veloso 2

Savio de Almeida Cavalcante 3

Suely Rodrigues Pereira4

 

Resumo: Objetivo: analisar as características microbiológicas da conserva artesanal da polpa do pequi (Caryocar brasiliense), comercializado no mercado municipal de Montes Claros, Norte de Minas Gerais, Brasil. Metodologia: o experimento foi realizado nos laboratórios de Química e Microbiologia das Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE. As polpas de pequi foram adquiridas em cinco bancas do mercado municipal, totalizando 10 amostras. As polpas em conservas foram submetidas às análises de contagens de coliformes totais, presença e identificação de Staphylococcus coagulase positiva e identificação de Salmonella spp Os dados foram tabulados e armazenados no Microsoft Office Excel 2007® para confecção de tabelas e gráficos. Conclusão: coliformes totais foram observados em 70% das amostras de conserva artesanal, assim como 50% apresentou Staphylococcus coagulase e 40% Salmonella spp. As conservas artesanais de polpa de pequi analisadas foram classificadas como impróprias para consumo, podendo oferecer riscos à saúde humana.

Palavras-chave: Caryocar brasiliensis. Avaliação Microbiológica. Coliformes Totais. Staphylococcus coagulase.  Salmonella spp.[1]

 

Abastract: Objective: analyze the microbiological characteristics of the artisanal cane pulp (Caryocar brasiliense) marketed in the municipal market of Montes Claros, Northern Minas Gerais, Brazil. Methodology: the experiment was carried out in the Chemistry and Microbiology laboratories of the Faculdades Integradas do Norte de Minas - FUNORTE. The pequi pulps were acquired in five stalls of the municipal market, totaling 10 samples. The preserved pulps were submitted to the analysis of total coliform counts, presence and identification of Coagulase positive Staphylococcus and identification of Salmonella spp. Data was tabulated and stored in Microsoft Office Excel 2007® for making charts and graphs. Conclusion: total coliforms were observed in 70% of the artisanal preserved samples, as well as 50% presented Staphylococcus coagulase and 40% Salmonella spp. The artisanal preserved pequi pulp preserved were classified as unfit for consumption and could pose risks to human health.

 

Key words: Caryocar brasiliensis. Microbiological Evaluation. Total Coliforms. Staphylococcus coagulase. Salmonella spp.
 

INTRODUÇÃO

 

O pequizeiro é árvore com múltiplas aplicações, desde a raiz até o fruto, sendo utilizado nas indústrias alimentícia, artesanal, cosmética, de combustíveis, construção civil, rural e naval, entre outras. Entretanto, o maior aproveitamento da espécie está no uso do fruto na alimentação, por causa do valor nutritivo.1

O pequi (Caryocar brasiliense) é conhecido, conforme o local de ocorrência, como almendro, amêndoa-de-espinho, amêndoa-do-Brasil, barbasco, grão de cavalo, pequerim, pequi-do-cerrado, pequiá, pequiá-pedra, pequiá verdadeiro, pequiá-vermelho, piqui, piquiá, piqui-vinagreiro, piquiá-bravo, pitiá, sacode-bode ou suari.2;3 A extração do óleo dos frutos é sua principal forma de processamento, assim como a conserva e a fabricação do licor. 4

A polpa e a amêndoa do pequi são fontes consideráveis de minerais como cálcio, cobre, ferro, fósforo, magnésio, manganês, potássio, sódio e zinco.5;6 Os teores de proteínas encontrados na polpa variam de 6,71% a 13,5%; na amêndoa, de 24% a 54% e no óleo, de 42,2% a 47%.7

Segundo Siqueira et al. (1997)8, o pequi é utilizado por comunidades rurais para subsistência, por feirantes e pelas indústrias, produzindo derivados, principalmente as conservas de polpa. O consumo do fruto do pequizeiro tem sido incentivado por políticas públicas em Minas Gerais, sendo que a produção de um de seus principais derivados, a conserva de polpa, geralmente não exige sofisticação de equipamentos e instalações. Muitas vezes, o processamento é realizado somente de forma artesanal. 9

A carência de profissionais qualificados para manipulação das conservas pode originar produtos sem segurança da qualidade microbiológica e danosas à saúde dos consumidores.9 Nesse contexto, quando não há aplicação das boas práticas de fabricação, poderá ocorrer contaminação do produto por microrganismos como, coliformes totais, Staphylococcus coagulase, e a Salmonella spp., entre outros.

Segundo Bettega (2006)10, os coliformes totais são bacilos gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, capazes de crescer na presença de sais biliares ou outros compostos ativos de superfície. Fermentam a lactose com produção de ácidos, aldeídos e gás a 35ºC em 24 a 48 horas. Este grupo contém os seguintes gêneros: Escherichia, Citrobacter, Enterobacter e Klebisiela.

Staphylococcus coagulase é responsável por grande número de infecções alimentares em seres humanos. Para determinar a presença desse microrganismo, faz-se necessária a utilização de meios de cultura como, ágar Baird Parker (BP), sendo este seletivo no isolamento e enumeração de Staphylococcus aureus em amostras alimentares, ambientais e clínicas.11;12

 A Salmonella spp., pertencente à família Enterobacteriaceae, é um bastonete gram-negativo capaz de formar ácido, e, na maioria das vezes, gás a partir da glicose presente no alimento. Deve estar ausente em toda a cadeia de produção dos alimentos, nas matérias-primas, nos equipamentos, nas mãos dos colaboradores, na água utilizada no processo, no produto final e na manipulação posterior dos alimentos produzidos.7 Assim, este estudo teve como finalidade avaliar a qualidade microbiológica de conservas artesanais de pequi (Caryocar brasiliense) comercializadas no Norte de Minas Gerais - Brasil.

 

METODOLOGIA

 

As amostras de conservas artesanais de polpas de pequi foram adquiridas em cinco bancas de feirantes no mercado municipal de Montes Claros - MG, no mês de abril de 2018, totalizando 10 amostras, sendo duas por banca. As análises microbiológicas foram realizadas nos laboratórios de Microbiologia das Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE, no mês de maio do referido ano.

Realizou-se a contagem de coliformes totais, contagem e pesquisa de Staphylococcus coagulase positiva, e, a identificação de Salmonella spp., segundo metodologias descritas no Compendium of Methods for the Microbiological Examination of Foods (APHA, 2001)14 e Silva et al. (2001)15. As amostras foram classificadas em A1, A2, B1, B2, C1, C2, D1, D2, E1, E2, de acordo com a banca do mercado municipal em que foi adquirida. Os experimentos foram conduzidos com três repetições para cada determinação microbiológica. Os padrões microbiológicos foram avaliados, de acordo com a legislação vigente, para contagem de microrganismos -  Resolução RDC Nº. 12, de 2 de janeiro de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.16

Para coliformes totais, utilizou-se a técnica do Número Mais Provável - NMP. A contagem e pesquisa de Staphylococcus coagulase positiva foi realizada por espalhamento em superfície de ágar Baird-Parker a 37ºC por 24 a 48 h, sendo a confirmação das colônias típicas feita por meio da coloração de Gram e do teste de coagulase.

A pesquisa de Salmonella spp. foi realizada com pré-enriquecimento em água peptonada tamponada a 37ºC por 18 h. Para o isolamento de Salmonella spp., utilizou-se ágar Xilose Lisina.  Posteriormente, para as colônias suspeitas, inoculou-se em tubos inclinados de ágar Lisina Ferro (LIA - Acumedia, Lansing, USA) e ágar Tríplice Açúcar Ferro (TSI - Acumedia, Lansing, USA), que foram incubados por 24 h a 37ºC. Os isolados, que apresentaram reações características de Salmonella spp., foram submetidos à identificação bioquímica com os testes de produção de indol, fermentação de lactose, catalase e vermelho de metila.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Coliformes totais foram observados em 70% das amostras de conserva artesanal (Gráfico 1), obtendo-se valor médio maior que 3,0 NMP/g, demonstrando que o produto pode apresentar risco aos consumidores (Tabela 1). Segundo Zeitoun et al. (2004)17, a   contagem, destas bactérias, é útil no monitoramento microbiológico de alimentos   processados, pois está relacionada à falta de higiene dos manipuladores do produto.

 

Tabela 1 - Análise microbiológica de coliformes totais para amostras de conserva artesanal de polpa de pequi (Caryocar brasiliense).

Amostras

Coliformes totais

A1, B1, B2, D1, D2, E1, E2

>3,0 NMP/g

A2, C1, C2

<3,0 NMP/g

*Média de 3 repetições; NMP=Número mais provável

Fonte: Dos autores, 2018.

 

 

Em 50% das amostras analisadas, foi possível observar presença de Staphylococcus coagulase (Gráfico 1), com valor médio >1,0 x 103 UFC/g (Tabela 2). A identificação de Staphylococcus em alimentos, também, está ligada ao preparo inadequado da conserva artesanal da polpa de pequi, sendo estes microrganismos os contaminantes mais comumente disseminadas em alimentos. A ANVISA18 determina como valor máximo permitido 1,0 x 102 UFC/g de Staphylococcus coagulase em conservas de polpas de pequi.19;14

 

Gráfico 1

40%

 

50%

 

70%

 

Presença de Coliformes totais, Staphylococcus coagulase e Salmonella spp

nas amostras de conserva artesanal de polpa de pequi em (%).

Fonte: Dos autores, 2018.

 

 

 

Tabela 2 Análise microbiológica de Staphylococcus coagulase para amostras

 de conserva artesanal de polpa de pequi (Caryocar brasiliense).

Amostras

Staphylococcus coagulase

B1,B2, D1, D2,E1,E2

>1,0 x 103 UFC/g

A1, A2, C1,C2

<1,0 x 10 UFC/g

Fonte: Dos autores, 2018.

 

 

O Salmonella spp. esteve presente em 40% das amostras (Gráfico 1 e Tabela 3), estando estas fora dos padrões que são preconizados pela legislação brasileira, que estabelece ausência em amostras alimentares.18 Conforme estudo realizado por Pinto et al. (2004)20, o tempo de geração de Salmonella spp. varia de 24 a 34 minutos, podendo atingir números elevados, mesmo que a contaminação inicial tenha sido baixa. Este microrganismo é potencialmente capaz de provocar infecção alimentar, caracterizando as conservas artesanais de polpa de pequi impróprias para o consumo humano.

 

Tabela 3 - Presença de Salmonella spp. em conserva artesanal

de polpa de pequi (Caryocar brasiliense)

Amostras

Salmonella

(Presença nas amostras)

D1, D2, E1, E2

Presente/25g

A1, A2, B1, B2, C1, C2

Ausente

Fonte: Dos autores, 2018.

 

Os resultados da avaliação microbiológica das amostras de conservas artesanais das polpas de pequi alertam para a necessidade de implementação de um sistema de monitoramento microbiológico na área de processamento das conservas, assim como treinamentos para os manipuladores. Por se tratar de um produto regional e de grande importância cultural e econômica para a cidade, onde foi realizada a pesquisa, a implementação de Boas Práticas de Fabricação será uma ferramenta fundamental a ser utilizada pelos feirantes, a fim de garantir a segurança do produto final. A forma de contaminação, durante o processamento do produto, se dá principalmente durante a retirada da polpa, quando microrganismos presentes na superfície do fruto in natura, nos vasilhames que não são higienizados e esterilizados corretamente ou nas mãos dos manipuladores, passam para a polpa do fruto.21;22

 

CONCLUSÃO

 

Tendo em vista a escassez de pesquisas relacionadas às conservas artesanais do Caryocar brasiliense, fazem-se necessárias mais informações sobre parâmetros microbiológicos deste produto. Assim, durante o preparo das conservas caseiras é necessário atentar-se para a qualidade da matéria-prima, cuidados com as embalagens, higiene pessoal, higiene dos utensílios e do local onde serão produzidas; garantido que o alimento não ofereça riscos à saúde humana, estando adequado para ser comercializado.

 

CONFLITO DE INTERESSES

 

Todos os autores, participaram de todas as etapas de preparação deste manuscrito, declaram não haver conflitos de interesse.

 

REFERÊNCIAS

 

1. VILAS-BOAS, EV de B. Frutas minimamente processadas: pequi. Encontro nacional sobre processamento mínimo de frutas e hortaliças, v. 3, p. 122-127, 2004.

 

2. CARVALHO, P. E. R. Espécies arbóreas brasileiras. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2003.

 

3. RIBEIRO, R. F. Pequi: o rei do cerrado. Belo Horizonte: Rede Cerrado, p. 62, 2000.

 

4. VIEIRA, R. F. et alFrutas nativas da região Centro-Oeste do Brasil. Embrapa Informação Tecnológica: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2010.

 

5. DE OLIVEIRA, M. E. B. et al. Características químicas e físico-químicas de pequis da Chapada do Araripe, Ceará. Chemical and physical-chemical characteristics in pequi from the Chapada do Araripe, Ceará, BrazilRevista Brasileira de Fruticultura, v. 32, n. 1, p. 114-125, 2010.

 

6. DE ALMEIDA, S. P.; DA SILVA, J. A. Pequi e buriti: importância alimentar para a população dos cerrados. Embrapa Cerrados-Documentos (INFOTECA-E), 1994.

 

7. DE OLIVEIRA, E. Exploração de espécies nativas como uma estratégia de sustentabilidade socioambiental: o caso do pequi (Caryocar brasiliense Camb.) em Goiás. 2006.

 

8. SIQUEIRA, M. I. D. Conserva de pequi. Goiânia: [s.n.], 1997. 22 p. (Manual Técnico, 2).

 

9. DE ALMEIDA, S. P.; DA SILVA, J. A.; RIBEIRO, J. F. Aproveitamento alimentar de espécies nativas dos cerrados: araticum, baru, cagaita e jatobá. Embrapa Cerrados-Documentos (INFOTECA-E), 1987. 83 p.

 

10. BETTEGA, J. M. P. R. et al. Métodos analíticos no controle microbiológico da água para consumo humano. Analithical methods for water microbiological control for human consumtion. Ciência e Agrotecnologia, v. 30, n. 5, p. 950-954, 2006.

 

11. BAIRDPARKER, A. C. An improved diagnostic and selective medium for isolating coagulase positive staphylococciJournal of Applied Microbiology, v. 25, n. 1, p. 12-19, 1962.

 

12. FURLANETO-MAIA, L.; PANGONI, G.. Avaliação microbiológica de preparações artesanais de dietas enteral em uma Unidade de Alimentação e NutriçãoJournal of Health Sciences, v. 11, n. 1, 2015.

 

13. ALPHA - American Public Heath. Association.Compendium of methods for the microbiological examination of the foods. 4 ed. Washington, 2001.

 

14. SILVA, N.; JUNQUEIRA, V.C.A.; SILVEIRA, N.F.A. Manual de métodos de análise microbiológica de alimentos. São Paulo: Varela, 2001. 317 p.

 

15. Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: < http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/ RDC_12_2001.pdf/15ffddf6-3767- 4527-bfac -740a0400829b > . Acesso em 15 de mai. de 2018.

 

16. ZEITOUN, A. A. M.; DEBEVERE, J. M.; MOSSEL, D. A. A. Significance of Enterobacteriaceae as index organisms for hygiene on fresh untreated poultry, poultry treated with lactic acid and poultry stored in a modified atmosphere. Food Microbiology, v. 11, n. 2, p. 169-176, 1994.

 

17. DE ANDRADE, N. J.; DA SILVA, R. M. M.; BRABES, K. C. S.. Avaliação das condições microbiológicas em unidades de alimentação e nutrição. 2003.

 

18. PINTO, U. M.; CARDOSO, R. R.; VANETTI, M. C. D.. Detecção de Listeria, Salmonella e Klebsiella em serviço de alimentação hospitalar. Detection of Listeria, Salmonella and Klebsiella in a hospital food service. Revista de nutrição, v. 17, n. 3, p. 319-326, 2004.

 

19. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 275 de 21 de outubro de 2002.   Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de alimentos e a Lista e Verificação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 6 de nov. De 2002.

 

20. ALMEIDA, R. C. C. et al. Avaliação e controle da qualidade microbiológica de mãos de manipuladores de alimentos. Revista de Saúde Pública, v. 29, p. 290-294, 1995.   

 

21. FANTUZZI, E.; PUSCHMANN, R.; VANETTI, M. C. D.. Microbiota contaminante em repolho minimamente processadoCiência e Tecnologia de alimentos, v. 24, n. 2, p. 207-211, 2004.

 

 

Recebido em 17/09/2018

Aceito em 20/06/2019

Publicado em 04/05/2020

 

 



[1] Mestre em Produção Animal/Toxicologia de Plantas (UFMG). Docente das Faculdades Integradas do Norte de Minas Gerais. Minas Gerais-MG. Brasil. * (janine.katia@funorte.edu.br).  (https://orcid.org/0000-0002-1315-0070).

2 Graduada em Engenharia de Alimentos (FUNORTE).

3 Graduada em Engenharia de Alimentos (FUNORTE).

4 Especialista em Vigilância em Saúde (Unimontes). Docente e Coordenadora do curso de Engenheira de Alimentos das Faculdades Integradas do Norte de Minas Gerais. Minas Gerais-MG. Brasil.