Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789
Resumo
A pluralidade cultural observada nas Minas Gerais bem como a sua importância para a
história do Brasil Colônia fazem da historiografia mineira colonial um universo de ricas
produções historiográficas.
A obra do historiador Eduardo França Paiva – Escravidão e universo cultural na colônia –
lançada pela Editora da UFMG, surge como mais uma contribuição a essa historiografia,
além de apresentar-se como inovadora em diversas discussões acerca do universo de
libertos, escravos e homens livres da região mineradora. O enfoque central do trabalho
volta-se para o cotidiano dos forros e, principalmente, das forras das regiões centro-norte
(Comarca do Rio das Velhas) e centro-sul (Comarca do Rio das Mortes) da capitania de
Minas Gerais, entre os anos de 1716 e 1789. Através da análise de testamentos e de
inventários post-mortem, legados por esses indivíduos, o autor procura relatar seus
relacionamentos sociais, suas práticas, enfim, o universo cultural no qual estavam
inseridos. Sendo assim, a preocupação do autor não é mostrar a visão dos vencidos na
história, o que o mesmo denominou como o “imaginário do tronco”; objetiva-se na verdade
retraçar as formas de tensão entre os grupos sociais envolvidos, afinal, “as culturas
africanas, ao chegar à América portuguesa, junto com os escravos, não se deram jamais por
vencidas.” (p. 20)
A obra se divide em 2 capítulos. No primeiro deles, intitulado “Distinções, hibridismo e
mobilidade”, o autor acentua a construção de um mundo colonial brasileiro marcado pela
pluralidade e pela mobilidade física, institucional e cultural. Assim, estaríamos diante de
um universo cultural na colônia que “era mestiço e, também, distinto; era híbrido, mas,
também, impermeável.” (p. 38)
Situado no setecentos mineiro, Paiva descreve a “opulência das riquezas” nas Minas,
desvendando, a partir daí, o complexo universo dos libertos na região pesquisada. São
vários os relatos de forros afortunados, que descrevem em seus testamentos e inventários
uma diversidade de posses, entre elas terras, animais para o trabalho diário, objetos
pessoais de valor e, por que não, escravos. Exemplos como o de Bárbara Gomes de Abreu
e Lima servem de base para ilustrar essa possibilidade de ascensão das (os) forras (os).
Mesmo sem declarar a origem da sua fortuna, essa forra declara em seu testamento, datado
do ano de 1735, possuir cerca de 7 cativos,
além da morada de casas e dos escravos ... possuía utensílios
domésticos, roupa em bastante quantidade e de variados tecidos e
muitas jóias e outros objetos em ouro, prata e metais preciosos,
sobretudo coral, âmbar e pequenas pérolas... (p. 50).
São relatos de libertos que, antes de tudo, se esforçaram para tornarem-se proprietários de
si mesmos.
Ainda neste capítulo, Eduardo Paiva destaca a busca dos libertos em tornarem-se
proprietários de escravos, como uma espécie de “símbolo externo de ascensão econômica”,
saindo da posição de propriedade para a de proprietários; relata várias histórias de
conquistas, negociações e adaptações (sem se esquecer dos conflitos) dos libertos das
regiões pesquisadas; e propõe uma retomada da obra de Gilberto Freyre, a quem, segundo
prefácio de Mary Del Priore, “soube ler com competência e sem discriminação”.
No segundo capítulo da obra – “Senhores, escravos, coartados e forros” – o autor propõese a
descrever pormenorizadamente o cotidiano dos seus “agentes históricos” ilustrando
suas manifestações e práticas com inúmeras trajetórias individuais. Não obstante, Paiva
não esquece de apoiar-se em minuciosos dados quantitativos, buscando “alimentar” sua
tese. Através desses dados, o autor atesta, por exemplo, a origem dos escravos pertencentes
aos testadores e inventariados; a estrutura de posse de cativos; os escravos envolvidos em
laços de família nas Comarcas pesquisadas no período; o número de alforriados e
coartados registrados nas fontes, entre outros. Atenção especial é dedicada à formação de
famílias escravas, vendo as mesmas como estratégias aproveitadas tanto pelos escravos
quanto pelos senhores na busca de uma melhor adaptação ao sistema escravista. Eduardo
França Paiva procura, ainda, desmitificar estereótipos criados sobre a escravidão no Brasil,
como a discussão sobre a vida útil dos escravos nas Minas, que ele acredita ser bem
superior à média generalizada entre alguns historiadores e leigos.
Faz-se importante, ainda, destacar a complexidade das relações no momento da libertação
do cativo. Segundo o autor, os alforriados, antes mesmo de receberem doações “gratuitas”
de liberdade, investiam em habilidades, estratégias e sentimentos, para que, futuramente,
fossem premiados pelos seus senhores com a alforria. Mais complexa ainda seria a
libertação pela coartação (alforria paga parceladamente pelo escravo ou por terceiros),
comprovando, desta forma, que “as concessões senhoriais cedem sua posição às conquistas
dos escravos.” (p. 168)
Uma obra que relata a possibilidade, não rara, de escravos e libertos atuarem de maneira
decisiva na construção de suas vidas. Com certeza, uma contribuição valiosa para o estudo
do setecentos mineiro e, mais que isso, uma oportunidade de observarmos a pluralidade
cultural brasileira através das novas interpretações propostas por Eduardo França Paiva.
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Referências
Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2001, 285 p.