As primeiras exibições cinematográficas em Montes Claros
Abstract
A exibição cinematográfica foi abordada, nesta
comunicação, como uma problemática, já que a
histórica do cinema brasileiro privilegiou, por muito
tempo, a produção. Neste sentido, o resgate do passado
cinematográfico, via exibição na cidade de Montes
Claros, teve como objetivo contribuir para a
constituição de um saber histórico articulado nas três
esferas ou etapas de que participa uma película: a
produção, a distribuição e a exibição.
Para tal fim, pesquisamos vários registros em jornais
– Opinião do Norte, A Verdade, Montes Claros, Gazeta
do Norte, Correio do Norte – que tratam, em geral,
sobre o cinema, e, especificamente, sobre a exibição
das películas brasileiras. A pesquisa alcançou as primeiras
décadas (10, 20) do século XX, no município de Montes
de Claros e terminou no início dos anos sessenta,
período na qual a principal fonte - o jornal Gazeta do
Norte (1918-1962) - disponível em arquivos, parou de
circular1
.
Os registros de jornais foram organizados em ordem cronológica e obedeceram a duas grandes divisões: aqueles que tratam sobre o cinema mudo na
cidade de Montes Claros e alguns poucos registros
sobre municípios vizinhos (Bocaiúva, Coração de Jesus), e outros que versam sobre o cinema sonoro.
Todos os registros mantêm uma relação direta com
o cinema, entendido como uma invenção tecnológica
da modernidade, e em especial com a exibição dos
filmes brasileiros. Consta, na parte final de nossa
pesquisa o nome da película nacional ou aquele filme
que teve a participação de atores brasileiros em seu
elenco, a data da sua produção ou de finalização, e,
ainda, o local de sua produção, parte do elenco, o
produtor ou diretor da película, e, o mais importante, a nosso ver, o ano da sua exibição ou reprise na
cidade de Montes Claros.
A problemática da exibição
Quem melhor traduziu as reflexões acerca da relação
estabelecida entre a visão histórica dos historiadores
do cinema brasileiro e a sua justificativa ideológica
tendo por base a produção de filmes, foi o crítico de
cinema Jean-Claude Bernardet, em seu texto Acreditam
os brasileiros em seus mitos? (Bernardet,1995).
Em linhas gerais Bernardet, parte do princípio de que
na historiografia clássica do cinema brasileiro,
sobretudo em textos de Paulo Emílio Salles Gomes,
Jurandir Passos Noronha, Paulo Paranaguá e Alex Viany,
a idéia ou a busca de um nascimento para o cinema
brasileiro corroborou para que estes historiadores
aceitassem uma filmagem da Baía de Guanabara, realizada
por Afonso Segreto em 1896, como o nascimento do
cinema brasileiro sem que fosse feita uma crítica
metodológica aprofundada às fontes primárias
existentes mediante os registros jornalísticos, visto
que o suposto filme de Segreto nunca foi encontrado.
Estes historiadores clássicos do cinema brasileiro ao
pôr em prática uma narrativa histórica que privilegiava
a produção, em detrimento da exibição, rebatiam em
suas obras preocupações dos cineastas brasileiros que
se ocupavam dos seus filmes, ou melhor, pretendiam
fazer filmes e fazê-los era o que mais importava. A
exibição foi relegada ao segundo plano no discurso dos
historiadores e na prática dos cineastas e produtores.
Em suma, a exibição precisa ser resgatada com o
objetivo de se fazer uma história do cinema brasileiro
articulada em suas várias esferas (produção, distribuição,
exibição). A narrativa histórica advinda com esta variável
da exibição permitirá vislumbrar o processo
cinematográfico de que participou o cinema brasileiro.
A exibição em Minas Gerais e em Montes Claros
Sabe-se, segundo Galdino, que a primeira exibição de
películas no estado de Minas Gerais, ocorreu em Juiz
de Fora, a 23 de julho de 1897, com a apresentação do
Cinematographo Lumière, pela Cia. de Variedades de
Germano Alves (Galdino, 1983: 19-20).
A segunda e a terceira exibição ocorreram no município
de Belo Horizonte em julho e outubro de 1898. A quarta
e última exibição detectada pela pesquisa de Galdino
ocorreu em maio de 1900, porém o referido
pesquisador não menciona o local na qual a mesma
teria sido realizada e menos ainda o filme projetado.
Em Montes Claros, o primeiro registro encontrado que
trataria sobre a exibição no município assinala que a
mesma se daria num determinado local e data a ser
confirmada posteriormente, conforme se pode ver a
seguir:
Cinematógrafo Lumière
Última palavra da fotografia animada!!!
Brevemente serão exibidas em público
diversas vistas de grande sucesso como sejam
Quo Vadis?, sensacional romance histórico
do século 1º e muitas outras peças cômicas,
que produzirão grande divertimento ao
público.
No dia do espetáculo será distribuído o
programa marcando a hora e o lugar pelo
empresário abaixo assinado.
Antônio Quirino. (A Opinião do Norte,
1905: 04)
Não encontramos a confirmação desta exibição haja
vista os poucos números de jornais disponíveis nos
arquivos públicos pesquisados (Arquivo Público Mineiro,
Biblioteca Pública do Conservatório Lourenzo
Fernandez, Biblioteca Pública da Unimontes) e da parca
abrangência e periodicidade dos mesmos.
O segundo registro sobre a exibição no município nos
foi preservado graças ao escritor Nelson Vianna
conforme pode ser visto abaixo:
20 de janeiro 1909 – Diz “A Verdade”,
semanário que se publica em Montes
Claros, em artigo noticioso, intitulado
“Empresa Bioscope”: “Estreou quintafeira com excelente espetáculo, a
Empresa Bioscope, da qual é DiretorProprietário, o Sr. João Vasques de
Oliveira. Vimos ali uma série de vistas
deslumbrantes, todas animadas, por
exemplo: A rendição de Porto Arthur,
em dois grandes quadros; O amante da
lua, engraçada peça humorística; A
Revolução Francesa, peça histórica em nove quadros,
além de muitas outras bem interessantes.
Todos os aparelhos são movidos a eletricidade, e a
esplêndida iluminação elétrica, novidade para esta
cidade, nada deixa a desejar. (Vianna, 1964: 106-
107)
Não tivemos acesso direto a este exemplar do jornal A
Verdade de 1909, entretanto, diferentemente do
registro anteriormente citado, este menciona o fato
de a exibição ter acontecido com “excelente
espetáculo” e a novidade da eletricidade para o
município advindo com os projetores
cinematográficos.
Ao tomarmos como referência o trabalho de Galdino
(1983) sobre as exibições em Minas, seria preciso diante
disso fazer algumas considerações sobre as fontes
disponíveis passíveis de serem checadas pelos
pesquisadores.
A primeira delas diz respeito à quantidade dos jornais
que foram consultados entre o período de 1905 a 1918.
Os arquivos públicos mineiros possuem poucos
exemplares destas coleções e além do mais, durante
os anos de 1900 até a metade de dezembro de 1905,
não houve imprensa escrita na cidade de Montes Claros
o que dificulta tecer maiores comentários sobre a
exibição cinematográfica no município neste período.
Por outro lado, uma avaliação mais criteriosa, acerca
de quais os instrumentos usados na exibição de filmes
anterior ou durante o período (1897-1900) estabelecido
por Galdino para as primeiras exibições em Minas, fica
impossibilitada, haja vista que a cobertura do jornal
Correio do Norte compreende os anos de 1884-1891,
sendo que só tivemos acesso aos anos de 1889 à 1891.
Desta forma, o pesquisador do cinema brasileiro
precisa se embasar em outras fontes em vias de
identificar este passado cinematográfico e encontramos
em Paula (1979) uma chave de pesquisas futuras acerca
deste passado:
Antes do cinema tivemos aqui um Cosmorama
ambulante que se instalou no prédio primitivo da Escola
Normal, onde está hoje o Hotel São Luís.
Pertencia a Antônio Soares Taveira. Apresentava
vistas da Europa. Pagava-se 500 réis para ver a
coleção completa. Isso foi no fim do século passado
(XIX). (Paula, 1979: 215-216)
Feita estas considerações, o primeiro registro que
trataria sobre a exibição a partir do ano de 1918,
demonstra que a sala de espetáculos cumpre bem os
seus objetivos enquanto veículo de lazer e encontro
social, além de constituir um meio de avaliar os
costumes dos indivíduos, sendo que a primeira película
nacional detectada em nossa pesquisa foi exibida em
1922 como complemento de um filme estrangeiro:
“Cinema (...) Como complemento do programa
passaram-se “Actualidades”, n. 42 da “Carioca Film”,
do Rio de Janeiro”. (Gazeta do Norte, 1922: 01)
Conclusão
A exibição constitui a última etapa percorrida por uma
película até chegar às telas dos cinemas. Parece uma
obviedade, mas por detrás dela escondem-se diversas
variáveis que precisam ser levadas em conta.
Uma delas refere-se ao fato de a historiografia clássica
do cinema brasileiro não tê-la levado em conta em suas
análises, favorecendo uma narrativa histórica que
privilegia a produção e a aglutinação das obras
cinematográficas e os autores dos filmes.
Se o filme não foi feito em uma determinada região
isso não quer dizer que o mesmo não participa de
outras relações em vias de chegar até o espectador. Ao
contrário, o filme, enquanto uma invenção da vida
moderna, mantém uma relação direta com outras
invenções do mesmo porte tais como: o sistema de
transportes (locomotivas, automóveis, estradas), o
sistema de comunicações (jornais, revistas,
propagandas, telégrafos), e o mecanismo elétrico (a
eletricidade, os projetores cinematográficos).
O cinema brasileiro aproveita-se desta estrutura e chega
às telas do interior do Brasil. Quantos filmes nacionais
foram vistos, quem viu estes filmes e quando eles foram
vistos é uma outra história que precisa ser escrita utilizando as fontes primárias disponíveis.
Downloads
References
cinema brasileiro. São Paulo: ANNABLUME, 1995.
(Coleção E; 2)
CARVALHO, Jailson Dias. A exibição cinematográfica
em Montes Claros; registros sobre projeções de filmes
brasileiros mudos e falados, filmagens, salas de cinema
de Montes Claros. Snt. Mimeo.
CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa (org.). O Cinema
e a invenção da vida moderna. São Paulo: Casac & Naify,
2004. 2 ed. (Coleção cinema, teatro e modernidade).
GALDINO, Márcio da Rocha. Minas Gerais: Ensaio de
Filmografia. Belo Horizonte: Editora Comunicação,
1983.
GAZETA DO NORTE. Montes Claros, 30 de setembro
de 1922, sábado, n. 219, ano V. p. 01.
MONTES CLAROS. Montes Claros, 24 de fevereiro de
1918, n. 89, ano II. P. 02.
PAULA, H. A. Montes Claros, sua história sua gente
seus costumes. Montes Claros: Minas Gráfica Editora,
1979. 2 ed. V. 1, 2.
VIANNA, N. Efemérides montesclarenses. Rio de
Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1964.